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"Do dinheiro repatriado nem um tostão para Luanda, todo para o interior

Post by: 14 Fevereiro, 2019

José Severino, o "patrão dos patrões", revela ao Expansão que o País precisa de mil milhões USD por ano de forma a estimular a agricultura para garantir a soberania alimentar. Diz que é tempo de o Governo "saltar para dentro do País". É esse o caminho da diversificação.

Que avaliação faz às relações Governo com as associações empresariais e sindicatos?
Estamos num contexto em que a questão da gestão dos problemas económicos e sociais está mais aberta e mais profícua. Aquilo que vamos propondo, em termos empresariais, tem merecido atenção do Governo e estamos conscientes de que a situação económica e social ainda é preocupante. Ainda temos áreas que merecem mais atenção. Apesar dos encontros que temos tido, a nossa recomendação é de que o Governo deve saltar para dentro do País.

Está a querer dizer que é preciso pensar o País fora de Luanda?
Temos que fazer abordagens da problemática económica e social a nível regional, assim como vai acontecer nos próximos dias na Huíla. São propostas das associações no âmbito da concertação social. Temos que ter acções práticas além da problemática macroeconómica. Os balanços do Governo, em todos os sectores, ainda são pessimistas e precisamos energizar a economia.

Que medidas são essas, para um País que precisa de quase tudo?
É preciso ir buscar dinheiro onde há recursos que estão em hibernação. O nosso OGE para 2019 é careca. Olhando para a agricultura e pescas, sectores que podem ter um crescimento mais agressivo e garantir a soberania alimentar do País, os orçamentos são baixos. Tem que haver um rompimento com o passado para que haja crescimento e manter a estabilidade do mercado interno.

O Governo prevê a revisão do OGE para 2019...
Era um risco fazer o OGE para 2019 com a base do barril de petróleo nos 68 USD. Mesmo com as crises que assistimos pelo mundo, o certo é que o petróleo não está a saltar acima dos 70 USD. A revisão é inevitável e sempre disse isso. A preocupação é grande e há uma circular do ministro das Finanças a orientar a redução da despesa prevista para o exercício de 2019 em pelo menos 30%.

Que efeitos espera desta redução da despesa?
Não podemos ser estáticos. Temos que arranjar fontes de financiamento a nível interno para encontrar os recursos e financiar a actividade empresarial para gerar rendimentos. Temos que encontrar as matérias-primas necessárias para alavancar a indústria transformadora. A indústria pesqueira precisa de ser resgatada porque havia muita actividade ilícita, praticada na sua maioria por estrangeiro e protegidos pelos angolanos. Não podemos acelerar o crescimento agrícola sem ter em conta a agricultura familiar. Já tivemos níveis de eficácia do século vinte e hoje regredimos. É preciso encontrar recursos para fomentar a produção interna e reduzir a importação dos produtos da cesta básica. É um choque muito grande importar produtos da fileira do agro-negócio que o País já produz.

Medidas concretas para o fomento da agricultura no País?
O País precisa de mil milhões USD por ano para o fomento à agricultura e garantir a soberania alimentar e reduzir as importações para repor a capacidade produtiva que o País perdeu ao longo dos anos. Temos que ir buscar dinheiro aos latifúndios ociosos para evitar a injustiça tributária. A AIA sempre defendeu que os produtos da cesta básica importados devem ser taxados e a receita a arrecadar não pode ir para a Conta Única do Tesouro.

Que propostas mais existem para o fomento da produção?
É nossa proposta que os bancos e seguradoras devem ter um acréscimo de 5% da tributação paga actualmente, porque sempre negociámos a redução do imposto industrial para a economia real, mas toda a economia financeira beneficiou desta medida e todos pagam 30%. Queremos que se mantenham os 35% para a actividade financeira e os bancos não perdem, porque os 5% seriam cativos para subsidiar os juros do crédito.

O BNA disse que há insensibilidade da banca em conceder crédito. Concorda?
É utopia. A questão é de fundo e é preciso dar confiança à banca para financiar a economia. A banca é negócio e como tal aproveita as melhores oportunidades para ter lucros e financiar a economia. É preciso estimular o comércio e a indústria apesar do cenário macroeconómico ainda ser desfavorável e garantir a soberania alimentar e reduzir as importações.

A corrida à importação pode trazer a concorrência desleal?
Sem dúvidas. Temos dificuldades contundentes para o fomento da produção interna e temos fé que venha aumentar. As empresas devem produzir e não fazer a sua actividade com base nos stocks. Lá fora as empresas produzem num dia e noutro estão a vender. Quem importa hoje paga uma vez o imposto de selo 1% e quando vende paga mais 1%, totalizando 2%, enquanto a indústria a nível interno chega a pagar 15%. Nestas condições não há como competir.

As empresas não conseguem competir neste cenário?
Na última reunião da concertação social foi proposto ao Governo que se estabeleçam quotas nos produtos a importar para que haja liquidez a nível interno, ou seja, o importador é obrigado a comprar também no mercado interno com o Estado a garantir os créditos através de fundos para que as empresas voltem a ganhar liquidez. É preciso estimular o empresariado da grande distribuição para que o País cresça.

Como olha para o mercado cambial?
Cometeu-se um grande erro ao adoptar-se a actual política cambial da taxa de câmbio flutuante. A desvalorização do Kwanza foi mais longe do que devia e a autoridade financeira não esperava.

Era previsível este "gap" entre o câmbio oficial e paralelo?
Fomos atrás de uma miragem para estarmos próximos do mercado paralelo ao contrário, quem trabalha no paralelo com menos dólares ganhou mais kwanzas e isso aumentou o "gap". Aqui podemos dizer que houve manobras especulativas a partir do paralelo, embora haja uma ligeira estabilidade. Se conseguirmos que os fluxos de moeda passem a ir para a procura interna vai reduzir a pressão sobre a importação e sobre a balança cambial e poderemos ter um rácio Kz/USD ou USD/Kz muito melhor e que permita às empresas ter liquidez.

Como é que olha para a política doméstica com o enfoque no combate a corrupção?
Foi uma decisão corajosa anunciar essa luta. João Lourenço é pessoa serena e distanciada de alguns círculos e isso fez dele um bom observador. Hoje, as medidas adoptadas fazem dele uma referência internacional e a nível regional. Neste momento, esta luta precisa de ter um advogado do diabo para vingar, para que hajam resultados sem nebulosidade.

O PR tem essa coragem de levar esta luta a bom porto?
Como chefe de Estado tem que ter. Tudo tem a sua parte de adaptação, porque o País tem muitos problemas na área social e económica. As entourages têm que estar atentas como perscrutadoras da realidade para que o Chefe de Estado tome medidas concretas.

É próximo do Presidente João Lourenço?
Conhecido sim, próximo dele não. Conheço o carácter da pessoa e já fomos "colegas" no Conselho de República.

E a questão do repatriamento de capitais?
Ainda não há "fumo branco" quanto aos números do repatriamento de capitais, mas é uma questão política. É um assunto sensível e deve ser tratado com muito cuidado e evitar o populismo. É responsabilidade do Chefe de Estado essa luta e cabe a ele, em momento oportuno , pronunciar-se e temos que ter serenidade. Do dinheiro repatriado nem um tostão para Luanda, todo para o interior.

O José Severino tem capital por repatriar?
Não tenho. Se tiver são tostões para comprar óculos e livros. Tive posições claras a esse respeito no Conselho da República, onde alertei o ex-presidente José Eduardo dos Santos, os riscos que estava a correr com o muito que se faz em Luanda em detrimento do País. Uma das minhas propostas é que houvesse Tribunal de Contas nas regiões para evitar todo esse saque. Agora assistimos a denúncias de peculato como que sistémico. Quem tem capitais fora do País deve libertar-se deste sentimento de culpa trazendo de volta o dinheiro. Há muita gente em situação de névoa sem sorriso, com sentimento de culpa mas queremos que estejam alegres e a trabalhar.

Sente que as pessoas estão pressionadas?
Estão pressionadas e muitas deixaram de conviver fora do círculo familiar. O peculato em Angola foi uma sistematização. Sei que muitos gestores correram o risco e cometeram o crime de peculato por pressão das famílias, porque não tinham nada e eram mal pagas. Ainda hoje o Presidente, ministros, deputados e outros gestores intermédios são mal pagos. E isso propicia actos de peculato.

Comparativamente ao salário mínimo, não são tão mal pagos?
Claro, mas não conseguem colocar os filhos nas melhores escolas atendendo ao estatuto adquirido com o cargo e se o fizesse, três filhos levavam-lhe o salário todo. Alguém tem que assumir o ónus de que o mal pagamento da função pública despoletou esse cancro de se apoderarem do erário público. As pessoas devem ser criminalizadas e que se imponha carga tributária sobre os bens adquiridos com fundos públicos.

Em caso da criminalizar os faltosos, o País tem estruturas para acomodar esses gestores?
Angola não tem estruturas. É agravar as taxas de tributação dos bens registados e que se apure que foram adquiridos com fundo públicos. Devem ser confiscados em nome do Estado sob a gestão privada para manter os empregos. Têm que ser castigos e a criar riqueza. Muitos criaram fazendas e é preciso mantê-las em funcionamento.

Já pensou em deixar a direcção da AIA?
Já pensei várias vezes. Mas há pressões internas na associação para que eu não abandone a AIA e, por outra, temos que ver o percurso de onde viemos. Sei que alguns movimentos queriam dividir a classe industrial, como pressão de assaltar a AIA para nos silenciar, aproveitando a abertura democrática. Não conseguiram a AIA e apoderaram- se da FILDA e hoje está no abandono total. Tenho pena porque eram objectivos económicos bons para o País. A FILDA gerava vários empregos de forma directa e indirecta.

Quando fala de pressão está a referir-se a quê?
Na última assembleia geral da AIA [na década passada], as "forças do mal" enviaram a Polícia de Intervenção Rápida e entrou para a sala para de lá nos retirar e ninguém saiu e ainda tenho marcas deste episodio no corpo porque saí de lá a sangrar. Não podíamos dar o ouro ao bandido.

Como é que olha para o surgimento de tantas associações empresariais?
Respeitamos cada grupo que surge, a AIA está unida. Com mais de 4 mil membros e com um historial, não vai parar de defender os industriais. Não somos uma associação especializada, somos uma agremiação transversal mas não integramos empresários do comércio. O empresário é livre de escolher onde se sente confortável.

O Ministério da Economia e Planeamento pôs fim ao Angola Investe e surge agora o Programa de Apoio ao Crédito...
Não acredito que a medida seja pelo fracasso do Angola Investe. Posso dizer que um dos erros foi a adopção de financiamentos alargados. A isso acresce-se também a falta de suprimento para que as empresas funcionassem, ou seja, a crise do petróleo teve um papel determinante no fracasso do programa e, por outra, o grande comércio compra pouco no País. Não pode haver tabus, porque as empresas nacionais se não vendem, não têm como pagar as dívidas. Temos que ser práticos em estimular o mercado porque dentro de dois ou três anos, o Pac estará afundado.

Um homem de negócios

Presidente da Associação Industrial de Angola, José Severino é um empresário versátil e recentemente deixou de fazer parte do Conselho da República (órgão de consulta do Presidente da República). Nasceu no Huambo e do seu longo curriculum consta a passagem pela vida militar onde desempenhou, entre outras funções, a de comissário político na resistência popular generalizada.

Entre 1975 a 1976 foi coordenador adjunto da resistência à invasão do exército sul-africano, desde a Huíla até ao Cuanza Sul. Além de empresário dirigiu dois clubes de futebol, nomeadamente o Futebol Clube de Cabinda e o Nacional de Benguela. Também passou pelo Progresso do Sambizanga. Garante ser um empreendedor nato. Expansao

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