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Advogado próximo de José Eduardo dos Santos quer depor presencialmente no julgamento da Operação Fizz

22 Fevereiro, 2018

Ao contrário de Carlos Silva, N'Gunu Tiny quer depor presencialmente. Advogado e presidente do Banco Postal de Angola que pertence a Eduane Danilo Lemos dos Santos, filho mais velho do casal presidencial, Ana Paula e José Eduardo dos Santos e acompanhou negócios da empresa angolana que contratou Orlando Figueira.

Um advogado e banqueiro angolano chamado N’Gunu Olívio Noronha Tinypode vir a ser próxima surpresa do julgamento da Operação Fizz. Próximo do poder político angolano, nomeadamente do ex-presidente José Eduardo dos Santos, Noronha Tiny informou o Tribunal da Comarca de Lisboa que está a julgar o ex-procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e Armindo Pires, representante do ex-presidente da Sonangol Manuel Vicente, de que está disponível para vir a Lisboa “prestar depoimento presencial”. Arrolado como testemunha pelo Ministério Público, Noronha Tiny apenas solicitou ao tribunal a indicação de uma data com a “maior antecedência possível”, lê-se num requerimento assinado pelo seu advogado Rui Costa Pereira (escritório PLMJ) que deu entrada nos autos no dia 15 de fevereiro.

Esta disponibilidade de Noronha Tiny, que acabou por ser uma confirmação de um comunicado enviado pelo próprio para os jornais i e Sol, vem no seguimento do envio de uma carta rogatória para Angola onde o tribunal solicitou a notificação de Carlos Silva, presidente do Banco Atlântico Europa (com sede em Lisboa), do próprio Tiny e de mais dois cidadãos angolanos para prestarem depoimento no julgamento. Silva informou o tribunal de que estava disponível para testemunhar via Skype a partir da sua casa em Luanda — o que entra em claro contraste com a pronta disponibilidade de Noronha Tiny para viajar até à capital portuguesa para colaborar com a Justiça portuguesa. Entretanto, o tribunal rejeitou a proposta de Carlos Silva e já marcou três datas para o ouvir presencialmente: a 6, 7 e 8 de março.

O testemunho de Noronha Tiny é aguardado com expectativa pelos arguidos da Operação Fizz num momento em que é cada vez mais clara a estratégia das diversas defesas: apontar Carlos Silva como o responsável pela contratação do ex-procurador, Orlando Figueira, afastando do centro do processo o ex-vice-Presidente angolano, que esteve à frente da Sonangol. Na tese da acusação, Orlando Figueira foi contratado para o setor privado pela empresa Primagest, que estará ligada à Sonangol de Manuel Vicente. Isto para, alegadamente, arquivar inquéritos que tinha em mãos contra ele. Mas as defesas estão a apontar o dedo ao banqueiro Carlos Silva e a tentar demonstrar que a Primageste não estava relacionada com Manuel Vicente.

No processo são também arguidos o advogado Paulo Blanco e o representante de Vicente em Portugal, Armindo Pires — os três acusados do crime de corrupção ativa sob a forma de co-autoria.

Quem é Noronha Tiny?

N’Gunu Olívio Noronha Tiny é um advogado influente em Luanda. Próximo da família de José Eduardo dos Santos, o advogado é licenciado em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e afirma no seu curriculum oficial ser doutorando pela London School of Economics e visiting scholar da Harvard Law School, além de consultor do conhecido banco de investimento Goldman Sachs e de um dos principais fundos de investimento globais, o Carlyle Group.

Depois de ter formado uma sociedade investimento em Londres chamada Eaglestone, da qual chegou a ser chairman e que hoje é liderada por Pedro Ferreira Neto (ex-chief financial officer do Grupo Escom e uma das principais testemunhas da Operação Marquês contra Ricardo Salgado), Noronha Tiny fundou em 2013, no Dubai, uma outra sociedade de investimento chamadaEmerald. O core business do Grupo Emerald (que tem três subsidiárias) são as áreas dos recursos naturais, da finança e do lifestyle. Quer a Eaglestone, quer a Emerald focam-se em investimentos em África e só a Eaglestone afirma no seu site oficial que já geriu projetos com um “valor acumulado de 75 mil milhões de euros”.

Hoje, Noronha Tiny acumula a liderança do Grupo Emerald com o cargo de presidente do conselho de administração do Banco Postal. Trata-se de uma instituição financeira semelhante ao Banco CTT que foi lançada em março de 2017 em Luanda sob o formato de uma espécie de parceria público-privada e com um investimento inicial de 182 milhões de dólares (cerca de 147,5 milhões de euros ao câmbio actual). Uma parte do capital social pertence às empresas públicas Correios de Angola e Empresa Nacional de Seguros de Angola, enquanto que os privados chamam-se EGM Capital e C8 Capital.

Como é habitual em Angola, não há confirmação oficial sobre quem são os verdadeiros donos destas empresas privadas. Informações nunca desmentidas, e que que foram publicadas em agosto de 2017 pela revista Visão, referem que aquelas duas sociedades são formalmente geridas por Noronha Tiny mas pertencerão aos filhos de José Eduardo dos Santos (Danilo dos SantosJoseanaEduardo e Houston, todos do casamento de ‘Zédu’ com a ex-primeira-dama Ana Paula Lemos) e a Ides Jackson Kussumua (filho do então governador do Huambo, João Baptista Kussumua).

O testemunho durante a investigação e o segredo profissional

Refira-se que Noronha Tiny, tal como Carlos Silva, foi chamado como testemunha pelo Ministério Público durante a fase de inquérito. Ouvido pela procuradora Patrícia Barão, Tiny foi questionado sobre a sua intervenção no negócio de compra da sociedade COBA (uma das empresas de engenharia mais conceituadas do mercado nacional) por um consórcio angolano liderado pela Primagest em 2011 e sobre as ligações entre aquela empresa e a Sonangol. A Primagest foi apresentada ao jornal Público por Ricardo Oliveira, presidente da COBA, como sendo uma sociedade controlada pela petrolífera angolana, então liderada por Manuel Vicente.

Noronha Tiny, contudo, foi ambíguo nas declarações que fez. Além de ter invocado por diversas vezes o sigilo profissional de advogado para não responder a perguntas sobre a identidade dos representantes das sociedades Primagest e Berkeley (que também fez parte do consórcio dos compradores), o advogado assumiu que o seu cliente chamava-se Banco Privado Atlântico (hoje Banco Atlântico Europa). Alegadamente, o banco liderado por Carlos Silva também terá participado no consórcio angolano que comprou a COBA. Quando foi questionado sobre a identidade dos seus interlocutores na administração do Banco Privado Atlântico, Tiny invocou igualmente o sigilo profissional de advogado e não respondeu.

O advogado confirmou que teve a Sonangol como seu cliente entre 2005 e 2015 e que chegou a ter algumas reuniões com o então todo-o-poderoso Manuel Vicente. Contudo, o seu principal interlocutor era a direção jurídica da empresa. Noronha Tiny foi confrontado com um conjunto de emails trocados entre diversos representantes do consórcio angolano (como o próprio Tiny) em que se lia que a COBA iria anunciar à comunicação social que a Primagest pertencia ao Grupo Sonangol mas o advogado limitou-se a confirmar que a existência das referidas comunicações electrónicas sem adiantar mais nada.

Noronha Tiny esclareceu ainda que não via nenhum obstáculo no levantamento do seu segredo profissional, desde que o referido processo fosse iniciado junto do presidente do Conselho Provincial da Ordem dos Advogados de Angola.

O Observador questionou Rui Costa Pereira sobre se tal autorização já tinha sido concedida mas o advogado português de Tiny garantiu que, “apesar da disponibilidade manifestada há muito pelo dr. Tiny, até hoje nenhuma autoridade judiciária portuguesa lhe solicitou nada a esse propósito”. O próprio advogado angolano também não terá promovido nenhum procedimento na Ordem dos Advogados de Angola nesse sentido, pois “o facto de ter prestado depoimento em inquérito, evidentemente, não lhe permitia antecipar que viesse a ser indicado como testemunha para a fase de julgamento”, acrescenta Costa Pereira.

O advogado da PLMJ, contudo, deixa a porta aberta para a quebra do sigilo profissional do seu cliente. “Se e quando prestar o seu depoimento na fase de julgamento neste processo, aferir-se-á da necessidade de salvaguardar, ou não, o sigilo profissional a que está deontológica e legalmente vinculado. Até lá, seria precipitado conjeturar o que quer seja, pois que pressuporia que eu e o meu cliente conhecêssemos antecipadamente quais as questões que os sujeitos processuais tenham para lhe colocar, coisa que, evidentemente, desconhecemos”, lê-se na resposta escrita enviada para o Observador.

Uma coisa é certa: “O levantamento do sigilo ocorrerá quando o senhor Presidente do Conselho Provincial de Luanda da Ordem dos Advogados assim o determinar”, assegura Rui Costa Pereira. Observador

Last modified on Quinta, 22 Fevereiro 2018 23:48
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