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Desconfiança na justiça e na polícia em Angola gera justiça pelas próprias mãos - associação

Post by: 23 Abril, 2019

Um responsável de uma organização angolana considerou hoje que a falta de confiança na atuação da justiça e da polícia em Angola é a principal causa que está a levar a população a fazer justiça pelas próprias mãos.

Em declarações à agência Lusa, Godinho Cristóvão, diretor administrativo da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD, uma organização não-governamental), salientou que a corrupção e os altos índices de pobreza e de desemprego têm feito aumentar a criminalidade violenta em Angola e a "saturação" da população.

"Há muitos fatores, como a questão da falta de confiança no sistema de justiça, o desacreditar do sistema policial implantado, a falta de acesso ao crédito bancário para muitos jovens que querem empreender, o apoio de políticas eficazes de combate à pobreza e ao desemprego. Surge o aumento da criminalidade e a saturação da população, levando-a a desencadear ações de justiça pelas próprias mãos, ato que é errado", sublinhou.

Godinho Cristóvão comentava à Lusa o facto de os linchamentos populares em Angola começarem a ganhar dimensão, sendo reproduzidos em pequenos vídeos feitos com telemóveis e divulgados nas redes sociais.

O caso conhecido mais recente aconteceu sábado no Bairro do Palanca, em Luanda, quando três jovens assaltaram e balearam uma vendedora de divisas (conhecida em Angola como "kinguila"), tendo tudo sido filmado com telemóveis, desde o disparo com arma de fogo, à perseguição aos assaltantes e ao linchamento de um deles, que acabou por morrer no local, diante de uma ação policial impotente para travar a fúria.

"Há muitos fatores que levam a que os cidadãos percam a confiança não só na intervenção policial, mas também nos órgãos de justiça. Não são poucos os casos de criminosos que cometeram crimes muito graves, mas que acabam por ser vistos [depois de detidos] a circular nos bairros", referiu Godinho Cristóvão, lembrando os "excessos no uso da força" por parte de agentes, que ajudam a minar a relação com a corporação.

Godinho Cristóvão assinalou também que o atual modelo de policiamento, "clássico", que depende muito das chamadas telefónicas para o número de emergência (113), "muitas vezes não funciona", pois as pessoas ligam e é frequente ninguém atender a chamada, aumentando também o sentimento de insegurança.

"A estratégia que foi montada para o sistema de policiamento faliu. E isso leva a que as pessoas sintam a necessidade de se auto-protegerem. A perda de confiança nesses órgãos está a fazer com que as pessoas reajam a essas situações", sublinhou.

Outra das razões, apontou Godinho Cristóvão, é a "grande agonia" da população face à corrupção, "que aumenta os níveis de pobreza".

"A corrupção, os desvios de fundos que deviam ser alocados para que estes órgãos [de justiça e a polícia] funcionassem bem. A polícia não combate, por si só, a criminalidade, mas sim as consequências dessa criminalidade. O crime é cometido, faz a instrução e mais nada", frisou.

"Não há acesso à escola, à educação, ao emprego, e muitos jovens, que deviam estar na escola ou a trabalhar, estão na rua. O que fazem? Cometem crimes cada vez mais violentos, como os que temos vindo a ver, como assaltos concorridos com morte. Diante deste facto, as pessoas, insatisfeitas e porque há uma intervenção policial muitas vezes pontual, agem. Fazem justiça por mãos próprias", sustentou.

Godinho Cristóvão salientou a necessidade de mudar o modelo de policiamento para um mais comunitário, "aquele em que o polícia é cidadão, o cidadão é polícia".

"Tem de haver estratégias montadas para o policiamento ou para o combate ao crime nas comunidades e em que a população deve participar, indicando os sítios onde podem surgir determinados crimes, como combater esse crime e onde a polícia deve intervir. Mas as forças policiais precisam de meios, de recursos e de todas as condições para que faça uma intervenção de acordo com o modelo que se exige para a nossa realidade", defendeu.

Segundo o responsável da AJPD, em termos legislativos, Angola "está muito bem, tem muito boas leis, muito bons decretos", pelo que o problema é passar da letra para o papel, "com estratégias, medidas e políticas concretas" para mitigar o problema, apostando no empreendedorismo, no autoemprego ou no acesso ao crédito bancário.

"Precisamos de estratégias muito mais concretas. Se assim não for, ficamos sempre pela boa vontade, que, por si só, não resolve o problema. É importante que existam estratégias e políticas muito concretas e práticas para que haja incentivo para o incremento do emprego e ver a situação resolvida", sublinhou.

A 25 de fevereiro, um relatório da Polícia Nacional angolana revelou que, em 2018, a criminalidade em Angola registou um significativo aumento comparativamente a 2017, com um total de 72.174 crimes, 5.199 deles com recurso a arma de fogo.

Segundo as estatísticas, em 2018 foram registados mais 26.301 crimes comuns comparativamente a 2017, mas uma redução relativamente aos crimes económicos, 1.825 (-545).

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