O Instituto de Gestão de Ativos e Participações do Estado (IGAPE) é fiel depositário de inúmeros ativos em fase de recuperação, mas Patrício Vilar sublinha que estes não constam do programa.
“Os que estão inscritos no Propriv são os que já foram recuperados. A partir do momento em que são recuperados deixa de haver a figura do fiel depositário e são do Estado de pleno direito”, afirmou, em entrevista à Lusa.
É o caso da Unitel e BFA (via Unitel), que pertenciam ao universo empresarial de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano, atualmente visada em vários processos em Angola e a nível internacional, bem como indústrias que eram detidas pelo CIF, dos generais Leopoldino do Nascimento “Dino” e Helder Vieira Dias “Kopelipa”, colaboradores próximos de José Eduardo dos Santos, estas entregues voluntariamente, e que estão inscritas no Propriv.
Patrício Vilar Lembrou que a complexidade dos processos judiciais exige tempo, sublinhando que a velocidade é inimiga de determinadas garantias e que não se pode acelerar estes casos para não cometer o risco de cometer injustiças.
“Mas não se pode negligenciar também a situação dos empregos, dos ativos, principalmente quando são de enorme impacto na nossa economia”, acrescentou.
Foi por isso, explicou, que foi promulgada a lei da apropriação publica que não trava os processos judiciais, mas resolve o direito de propriedade.
“E foi isso que se fez no caso da Unitel porque o impasse estava a prejudicar o funcionamento da empresa, todos temos ouvido queixas sobre a qualidade da rede”, apontou.
A empresa de telecomunicações é uma das que deve iniciar o seu processo de privatização, este ano, através de uma Oferta Pública Inicial, segundo o calendário da nova fase do Propriv, apresentado em maio.
Dos 73 ativos e empresas incluídas no Programa de Privatizações 2023-2026, sete serão privatizados via bolsa.
Entretanto, a Lei da Apropriação Pública, publicada em maio do ano passado, veio tentar resolver questões em torno dos bens recuperados pelo Estado angolano no âmbito do combate à corrupção, com três modalidades de transferência da esfera jurídica privada para a esfera publica: nacionalização, entrega voluntária de bens e decisão judicial.
No caso da empresa de telecomunicações Unitel, anteriormente detida por Isabel dos Santos, há ainda processos judiciais que correm os seus trâmites, mas para Patrício Vilar isso não significa que não possa estar incluída no Propriv.
“Se se provar que a outra parte tinha razão, o Estado terá de indemnizar, isto é um Estado de direito e é assim que a coisa tem de correr, não se pode é pôr em causa o interesse público. Foi isso que o Estado português fez na Efacec, para não pêr em causa a sobrevivência da empresa, foi o mesmo que fizemos aqui”, reforçou o responsável do IGAPE.
Quatro indústrias do grupo CIF (China International Fund) entregues voluntariamente, bem como o grupo Medianova, a TV Zimbo, e o edifício Miramar, onde se encontra o Hotel Intercontinental (cuja gestão foi já concessionada), constam também da lista de ativos a vender.
“Aqui não há opacidade”, salientou Patrício Vilar.
O IGAPE é atualmente fiel depositário de quase todas as participações arrestadas a empresas de Isabel dos Santos, bem como de outros processos como o Standard Bank, que estava anteriormente ligado a Carlos São Vicente, condenado por peculato, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
“A nossa missão é velar para que o valor destes bens não se deteriore ainda mais e tenho de lhe confessar que é uma tarefa muito desafiante”, assinalou Patrício Vilar, salientando que já houve situações em que foi necessário recorrer às contas congeladas de Isabel dos Santos para manter as empresas a funcionar
“As empresas não estavam capitalizadas, foi pedido ao juiz que autorizasse a retirada de dinheiro pertencente as contas congeladas de Isabel dos Santos para ‘apports’ adicionais”, disse o gestor à Lusa.
Segundo Patrício Vilar, “a saúde financeira dessas empresas à nascença já não era a melhor”.
“Eram empresas que já estavam descapitalizadas, eram feitas quase inteiramente com recurso a financiamento bancário ao ponto de, para além do financiamento que era concedido diretamente à empresa, era concedido também aos veículos [financeiros] onde os acionistas tinham as suas ações e, na realidade, foi com esse financiamento que adquiriram as ações”, referiu o presidente do IGAPE.
“Já houve situações em que já tivemos de recorrer a ‘apports’ adicionais [injeções de capital]. Sem ‘apports’ consecutivos por parte do acionista o negócio não tem futuro e essa é uma situação complicada. Não era suposto haver negócios 100% financiado por empréstimos bancários”, prosseguiu.
Estas empresas continuam a ser acompanhadas pelo IGAPE: “tentámos acima de tudo manter a qualidade de gestão, pomos geralmente um ‘controller’ [controlador] financeiro. E uma das coisas em que reparámos é que havia uma grande circulação de fluxos (…) vamos acompanhando de perto”, resumiu, sem detalhar quais as empresas que foram alvo destas intervenções.