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Os caçadores de Marimbondos

Post by: 16 Abril, 2021
Os caçadores de Marimbondos

"Está decidido, estes marimbondos, se pisarem os pés cá, na Europa, serão chapados. (...). Estes senhores não vão andar mais livremente cá, na Europa. Palavra de honra!", ou ainda, "o primeiro governante que se encontrar comigo cá, na África do Sul, vai sair cabeçada, vai sair mesmo "borno"...".

Por Armindo Laureano/NJ

São frases que se podem ouvir de dois de alguns vídeos feitos por cidadãos angolanos residentes no estrangeiro, que circulam ultimamente pelas redes sociais. Olho com preocupação para o surgimento de um discurso de ódio e de incentivo à violência por parte de membros da nossa diáspora. Essas abordagens agressivas contra governantes e ex-governantes são muito comuns entre membros de comunidades francófonas africanas residentes em França ou na Bélgica.

Em tempos, tornou-se viral um vídeo em que um cidadão é agredido em plena cidade de Paris, após ter sido confundido com Laurent Gbagbo, antigo Presidente da Costa do Marfim. Na mesma altura, circularam outras imagens nas quais um ex-ministro de um país da África francófona foi brutalmente espancado, numa cidade europeia, por concidadãos seus.

Comparando-os com alguns dos nossos irmãos da África francófona e anglófona, os angolanos são considerados pacíficos e educados. Apesar de um número considerável de cidadãos da nossa diáspora não concordar com a estratégia de governação do País, não ter confiança nos seus governantes, bem como uma visão/avaliação crítica sobre os representantes do Estado angolano nos seus países (missões diplomáticas e consulares), raramente adoptam um comportamento de agressão física e/ou verbal contra entidades do Executivo. Verbalizam desconfiança e descontentamento nos encontros de grupos de amigos, colegas e familiares, criticam-nos nos debates, fóruns e outras plataformas de diálogos que hoje estão ao dispor de cada um.

Podem até existir casos isolados e motivados até por razões não muito bem esclarecidas ou identificadas, mas, como ideia generalizada ou estratégia de grupos, não conheço casos entre nós. Apesar das divergências de ideias, visões antagónicas ou abordagens diferentes, o certo é que sempre houve, entre nós, um discurso de inclusão, de aceitação, de sentido de pertença e ideia de Nação una e indivisível. Por isso é que olho com bastante preocupação para este discurso de ódio e de extremos que está a rolar nas redes sociais para captar membros.

De um dia para o outro, surgem indivíduos nas redes sociais a apelar à caça ao marimbondo. "Oficializa-se" uma narrativa para se encontrarem "culpados de tudo isso". São adjectivados ou rotulados e depois se lança a estratégia do ataque.

É realmente um caminho perigoso que se está a seguir.

A narrativa no vídeo do cidadão que está num dos países da Europa é contra os marimbondos e já a do que se encontra na África do Sul promete dar "bornos" e cabeçadas aos governantes angolanos e "indivíduos do MPLA" que cruzarem com ele nas ruas. É claro que, se não se ataca o mal pela raiz, amanhã o discurso de ódio e de extremos aumenta de tom, ganha adesão e generaliza para a raça e etnias.

A governação dos povos tem sempre presente a marca dos governantes e, muitas vezes, são os próprios governantes que endurecem o discurso político, chegando mesmo a desvalorizar os seus concidadãos, os seus compagnons de route, uma classe ou até mesmo instituições do seu País.

José Eduardo dos Santos, em visita aos EUA, chamou "pasquins" aos jornais privados angolanos. Mais tarde, falando ainda à imprensa alheia, no caso a portuguesa, chamou de "frustrados" aos grupos de jovens que realizavam manifestações pelo País, reivindicando direitos consagrados constitucionalmente. E como a palavra do Chefe era uma espécie de lei, lembro-me de que todo e qualquer cidadão que tivesse um discurso crítico era rotulado como frustrado.

Em Março de 2017, na qualidade de vice-presidente do MPLA e candidato do mesmo partido às eleições daquele ano, João Lourenço, em visita a Moçambique e durante um encontro na sede da FRELIMO (partido no poder em Moçambique) com Filipe Nyusi, terá dito que "O MPLA e a FRELIMO devem unir-se para não ser vencidos pelos malandros", numa alusão aos partidos na oposição em Angola e Moçambique, nomeadamente a UNITA e a RENAMO.

Em Novembro de 2018, no primeiro dia da sua visita de Estado a Portugal e durante uma conferência de imprensa com o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, na Sala das Bicas do Palácio de Belém, João Lourenço utilizou a palavra "marimbondos" para se referir ao grupo de antigos dirigentes e governantes que tecem críticas à sua governação. É claro que os governantes, principalmente quando estão em terras alheias e em visitas oficiais, devem observar certo dever de reserva e evitar certas adjectivações!

No caso de um Presidente, é suficiente bastante para legitimar um discurso, para criar uma verdade oficial, para impor uma narrativa. Verdade é que a palavra marimbondos faz, desde esta altura, parte do léxico político nacional, ganhando conotação pejorativa e iniciando, desde esta altura, uma feroz caça ao marimbondo. Hoje, a narrativa ganhou vários seguidores e entusiastas, surgindo agora por aí os caçadores de marimbondos que gravam vídeos anunciando a abertura da época de caça além-fronteiras. É um caminho perigoso e que deve ser evitado!

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