Palácio da Cidade Alta, em Luanda. Dez dias depois da tomada de posse como presidente da República de Angola, João Lourenço recebe na residência oficial pelo menos cinco representantes de grandes petrolíferas internacionais. O relato é feito pela Reuters, que cita quatro fontes do sector – que pediram para não ser identificadas dada a sensibilidade do assunto.
Quando se sentam à mesma mesa, naquele dia 6 de Outubro de 2017, os altos funcionários das petrolíferas internacionais têm dois lamentos comuns – o atraso na aprovação de projectos por parte da Sonangol e a demora nos pagamentos por parte da empresa estatal. E deixam um aviso: se não for tomada uma acção firme para resolver os problemas na empresa, a produção de petróleo no país pode cair a partir de 2019.
As multinacionais energéticas que terão estado na reunião - Chevron, Total, BP, Eni e Exxon - recusaram comentar o encontro - que terá sido inédito em termos de dimensão – realizado com o sucessor de José Eduardo dos Santos, o presidente que deixou o poder naquela antiga colónia portuguesa ao fim de 38 anos.
Mas seis semanas passadas sobre o encontro, a 15 de Novembro, a presidência angolana havia de confirmar, por fim, o rumor que já levava vários dias e que tinha inclusive sido desmentido: o afastamento de Isabel dos Santos, a filha do antigo chefe de Estado, do cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera. As razões para a substituição de Isabel dos Santos por Carlos Saturnino nunca foram oficialmente explicadas.
Citando informações obtidas junto de 10 fontes (incluindo as quatro anteriores), a agência noticiosa garante que, à data da reunião com as petrolíferas, João Lourenço estava descontente com a mudança lenta na petrolífera nacional, sobretudo num país em que dois terços da sua economia dependem da produção de "ouro negro".
Foi essa insatisfação que o levou a criar um grupo de trabalho para fazer o levantamento do estado da arte da indústria petrolífera do país. Muitos dos encontros desse grupo haveriam de ser liderados por Carlos Saturnino – nessa altura secretário de Estado do Petróleo e ele próprio demitido da Sonangol a 20 de Dezembro do ano passado por Isabel dos Santos, por alegados "desvios financeiros".
As reuniões são tensas, com o grupo a identificar demoras na aprovação de projectos apresentados por empresas estrangeiras – apesar do plano de reestruturação lançado por Isabel dos Santos, ao leme da companhia desde Junho do ano passado, e onde se terá rodeado de consultores estrangeiros, segundo as mesmas fontes. Conclusão do grupo: a Sonangol está "próxima da paralisia", disse fonte governamental à Reuters.
Dívidas às petrolíferas... e à banca
Em paralelo, o inquilino da Cidade Alta operava noutra frente. À mesa de João Lourenço sentaram-se depois alguns dos maiores credores da Sonangol, entre os quais o Bank of China – aos bancos chineses, ou consórcios por eles liderados, a empresa devia no final do ano passado 3.800 milhões de dólares -, o Standard Bank e o Standard Chartered.
O retrato não é famoso: "Lourenço percebeu que a Sonangol precisa rapidamente de dinheiro", refere uma fonte, que acrescenta que a empresa tinha procurado reestruturar algumas das dívidas. Além dos 3 mil milhões em que este valor agora se cifrará, juntam-se mais 3.000 milhões de dívidas a empreiteiros e traders, com a Trafigura ou a Vitol.
Apoiantes da ex-chairwoman disseram à Reuters que as dívidas eram anteriores ao seu mandato e que a empresa está agora em melhor situação financeira. A própria, em comunicado no dia do seu afastamento, argumentou que reduzira a dívida financeira de 13 mil milhões de dólares para sete mil milhões e aumentara as receitas de 14,8 mil milhões de dólares em 2016 para 15,6 mil milhões. Além de deixar, pronto a ser usado pela próxima administração da Sonangol, um financiamento de 2.000 milhões de dólares, garantido por vários bancos europeus e chineses.
No dia seguinte, a empresária faz novas intervenções públicas, desta vez nas redes sociais, publicando o que designa por "Verdades Sonangol". Coincidência ou não, escolhe afirmações de responsáveis da Chevron, da Statoil e da Total – duas destas companhias terão estado na reunião de Outubro com João Lourenço – para defender o seu legado na Sonangol. São declarações que elogiam a acção e a relação das suas companhias com a petrolífera angolana.
Visões portanto opostas às da alegada lentidão no processo de transformação da empresa que, segundo apoiantes de Isabel dos Santos, terá tido a ver com a dimensão do trabalho a ser feito e com as limitações impostas à empresa pelo Estado, que dificultavam a venda de activos. Conclusão: a saída da presidente do conselho de administração não teve por base razões técnicas ou de mérito - foi um afastamento político e parte da campanha do novo presidente contra a família dos Santos, sustentam.
Alinhada ou talvez não tanto
Algo que, cerca de um mês antes, não era publicamente perceptível. Pelo menos a julgar pelas palavras da própria empresária, numa iniciativa da Reuters realizada em Londres. Ali, no que a agência diz agora ser uma "ofensiva de charme" tardia, Isabel dos Santos disse estar "totalmente alinhada" com o novo presidente João Lourenço. Mas, ainda assim, deixou entrever a possibilidade de não ficar por muito mais tempo no cargo: "Assim que as condições estejam criadas, não interessa quem está à frente da empresa desde que o plano seja bom," afirmou.
O caderno de encargos da nova administração está definido: pôr os projectos parados outra vez a andar, pagar os milhares de milhões de dólares em dívidas às grandes petrolíferas e outros milhares de milhões aos bancos, nomeadamente aos chineses. Além disso - segundo um responsável da Sonangol – deverá ser posto em prática um programa de despedimentos em larga escala, que foi adiado para depois das eleições.
Independentemente dos desafios do colectivo liderado por Carlos Saturnino, João Lourenço deixou o recado na tomada de posse. "Continue a ser, para a nossa economia, a galinha dos ovos de ouro. Eis a razão por que fazemos este apelo, para que cuidem bem dela".
O gabinete de João Lourenço e a Sonangol não responderam às questões da Reuters, tal como os bancos Standard Chartered e Bank of China. O Standard Bank e os representantes de Isabel dos Santos recusaram comentários. (Jornal de Negócios)