A empresa estava em agonia financeira e Isabel dos Santos apresentou-se como a solução para dar a volta, comprando mais de dois terços da Efacec aos seus acionistas portugueses, a José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves. Mas a forma como Isabel dos Santos tomou conta da empresa foi peculiar: estruturou a aquisição sem precisar de abrir os cordões à sua própria bolsa, porque os bancos e o Estado angolano garantiram todos os fundos necessários, revelam os contratos firmados em 2015, a que o Expresso teve acesso.
A operação foi desenhada sem capitais próprios de Isabel dos Santos. Mas o plano não correu exatamente como previsto e a empresária diz ao Expresso que acabou por ter de suportar parte dos encargos. O preço de compra da Efacec foi fixado em €195 milhões. Para o pagar, Isabel dos Santos recorreu a várias linhas de financiamento, num total de €160 milhões. E usou um outro expediente: acordou, em junho de 2015, que a estatal angolana ENDE, (Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade), lhe compraria 40% da sociedade maltesa Winterfell Industries, por €40 milhões, com o aval do presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
A Winterfell Industries era detida na totalidade pela Niara Holding (sociedade de Isabel dos Santos na Zona Franca da Madeira). Ao vender à ENDE 40% da Winterfell Industries, Isabel dos Santos assegurava uma verba que cobria um quinto do valor necessário para adquirir a Efacec. Mas por que tinha de ser a ENDE, minoritária na Winterfell, a assumir a totalidade do capital próprio na compra da Efacec?
Os contratos de crédito que Isabel dos Santos conseguiu junto da banca providenciaram o restante. Um sindicato que juntava CGD, BCP e Novo Banco emprestou €40 milhões à Winterfell Industries (que os repassou como suprimentos acionistas à Winterfell 2). Esse mesmo sindicato bancário concedeu outros €20 milhões à Winterfell 2 (subsidiária da Industries que viria a adquirir a Efacec). E o BCP e o Novo Banco aprovaram ainda um outro financiamento de €10 milhões à Winterfell 2. Esta sociedade instrumental beneficiou de outros três créditos: €40 milhões do Montepio, €25 milhões do BPI e €25 milhões do BIC. Fontes da banca envolvidas no negócios e ouvidas pelo Expresso sustentam que esta foi a melhor saída para os bancos portugueses, que se não financiassem a compra por Isabel dos Santos se arriscavam a perder os créditos que tinham na Efacec.
Ao garantir €40 milhões do Estado angolano (via ENDE) e €160 milhões da banca, a empresária assegurava a cobertura integral do preço a pagar pela Efacec (€195 milhões)... e ainda sobravam €5 milhões. Para onde foi esse dinheiro? O Expresso questionou a empresária angolana sobre essa margem na estrutura original de financiamento do negócio, mas para essa pergunta não obteve resposta. Outras duas questões ficaram sem resposta de Isabel dos Santos. Porque é que o desenho da operação previa que a ENDE aportasse a totalidade do capital próprio na aquisição da Efacec? E porque é que o negócio previa que a Winterfell ficasse com 65,4% da Efacec, mas acabou com 72,6%?
Apesar de deixar estas questões em aberto, um porta-voz de Isabel dos Santos assegurou ao Expresso que a ENDE não pagou os €40 milhões previstos, mas só €16 milhões, o que levou a empresária a avançar o capital em falta. “Por dificuldades financeiras nenhum dos acordos iniciais foi respeitado pela ENDE, tendo este facto obrigado à sua revisão”, respondeu por escrito o porta-voz da empresária. Que acrescentou: “A participação da ENDE no capital da Winterfell passou para 16%, uma vez que a ENDE apenas conseguiu investir €16 milhões, na referida compra de ações (investimento este realizado já em novembro de 2015 depois do closing de compra das ações da Efacec pela Winterfell), facto que obrigou a que a Niara Holding tivesse tido a necessidade de adiantar o valor que era suposto ter sido pago pela ENDE.”
“A recuperação financeira da Efacec é uma realidade de sucesso”, comenta Isabel dos Santos, que controla a empresa desde 2015
Fonte do Governo angolano confirmou ao Expresso que a ENDE de facto reduziu a sua posição na Winterfell para 16%, mas não foi possível confirmar os valores do negócio. Isabel dos Santos considera que o processo negocial em torno da Efacec foi “transparente e de mercado”. “Não houve nenhum financiamento por fundos públicos nem houve quaisquer subsídios da ENDE à Niara Holding”, observa o porta-voz de Isabel dos Santos (apesar dos €16 milhões recebidos da empresa estatal). A mesma fonte diz que “tem sido exclusivamente a Niara Holding a assegurar a disponibilização dos fundos necessários para fazer face aos compromissos financeiros, assim como os decorrentes dos incumprimentos da própria ENDE”.
O acordo parassocial entre a Niara e a ENDE, assinado a 3 de junho de 2015, a que o Expresso teve acesso, previa que a estatal angolana pagasse €10 milhões até agosto de 2016, outros €10 milhões um ano depois e, finalmente, €20 milhões em agosto de 2018. A demonstração de resultados da Niara Holding mostra que a empresa da Zona Franca da Madeira recebeu em 2015 uma soma de €16 milhões e que em 2016 a empresa de Isabel dos Santos não recebeu mais dinheiro, registando uma saída de €8,3 milhões, cujo destino não foi possível precisar. Também não foi possível obter os números relativos a 2017.
A realidade da compra da Efacec terá exigido a Isabel dos Santos um esforço financeiro que esta não esperava quando desenhou a aquisição da empresa portuguesa. Mas a empresária está satisfeita. Nota que a Efacec “passou de prejuízos de €165 milhões em 2014 para um lucro de €7,5 milhões em 2017”, o que mostra que “a recuperação financeira da Efacec é uma realidade de sucesso”.
Em agosto, o Governo angolano assumiu a vontade de que a ENDE abandone a parceria com Isabel dos Santos. O negócio deixou os interesses do Estado angolano “gravemente lesados”, afirmou então ao Expresso o ministro angolano da Energia, Baptista Borges.
PARASSOCIAL LIMITA NOMEAÇÕES DA ENDE NA EFACEC
A 3 de junho de 2015, a Niara Holding (de Isabel dos Santos) e a estatal angolana ENDE assinaram o contrato pelo qual esta comprava 40% da Winterfell, mas também um acordo parassocial regulando as suas relações. Nesse documento, a que o Expresso teve acesso, Isabel dos Santos não deixou de defender os seus interesses. A ENDE, que tinha acordado pagar €40 milhões à Niara, para apoiar a compra da Efacec, tinha direito a nomear dois administradores não-executivos na Efacec... mas não quaisquer dois. “A ENDE desde já reconhece e aceita que no âmbito do projeto e ao abrigo do acordo parassocial que venha a ser celebrado relativamente à EPS [Efacec Power Solutions] existirão determinadas restrições relativamente às pessoas que poderão ser designadas como administradores da referida EPS, obrigando-se a ENDE ao integral cumprimento de tais restrições”, estipula o acordo parassocial entre Isabel dos Santos e a ENDE. O documento, no entanto, não entra em pormenor sobre quais as restrições. EXPRESSO