Norberto Garcia afirmou que, quando exercia as funções de gestor da UTIP, tinha a equivalência de secretário de Estado, mas competências acima as de um ministro e que despachava directamente com o Titular do Poder Executivo.
“As minhas competências eram superiores a de um ministro. Tinha poderes delegados para tratar de assuntos sobre o investimento privado directamente com o Presidente da República”, argumentou o sétimo réu a ser ouvido no caso de tentativa de burla ao Estado angolano, em USD 50 mil milhões.
Durante a 12ª sessão de julgamento, o jurista de profissão explicou ser com esses poderes e nas vestes de secretário para propaganda do Comité Central do MPLA, que tinha a obrigação, até prova em contrário, de atrair investimento estrangeiro para o país.
Argumentou que tratando-se de investimento privado, sem ónus para o Estado angolano (matéria central da acusação do processo), quem correria o risco é o próprio investidor, o Governo angolano teria apenas riscos quanto a sua reputação.
Questionado sobre as razões que o levam a assinar um acordo de intenções para a tramitação de projecto de investimento, sem certificar a prova do fundo dos USD 50 mil milhões, justificou ser um procedimento normal em negociações, que pode ser feito antes ou depois da certificação.
Ainda assim, acrescentou, enviou três cartas à Unidade de Informação Financeira (UIF), instituição afecta ao Banco Nacional de Angola (BNA), a informar sobre a prova de fundo, nos termos de articulação institucional.
Porém, prosseguiu, recebi uma informação telefónica via serviços de mensagem simples (sms) da directora da UIF, Francisca de Brito, a dizer que a congénere da UIF no país de origem do cheque bilionário não confirmou a informação.
Noutro momento do seu depoimento, admitiu ter contactado o governador do BNA, José de Lima Massano, como era de praxe, para que orientasse os estrangeiros sobre os procedimentos seguintes, perante um cheque com o valor de USD 50 mil milhões.
Nunca trabalhei com Vice-Presidente
Durante a sessão, que teve sala cheia, Norberto Garcia disse ter ouvido falar de uma carta de chamada dos tailandeses alegadamente assinada pelo Vice-Presidente da República, mas não deu substancia.
Sustentou que, pelo facto de depender directamente do Presidente da República quanto às questões de investimento privado, a existência da carta ou não era irrelevante e jamais lhe ocorreria remeter para aprovação ao Titular do Poder Executivo.
Durante o interrogatório à instância do júri foi questionado das razões que o levaram à remessa de ofícios dos tailandeses ao Presidente da República mesmo depois de os estrangeiros terem sido presos, respondendo que não sabia dessa ocorrência.
Acrescentou que remeteu os ofícios para que o Chefe de Estado se actualizasse sobre o andamento do processo, cumprindo uma recomendação saída de uma reunião com o ex-Presidente da República.
Réu confirma carta denúncia de Celeste de Brito
Norberto Garcia confirmou que a co-ré Celeste de Brito enviou duas cartas-denuncias, datadas de 10 de Janeiro de 2018, recebidas pela directora-adjunta da UTIP, que respondeu à primeira, tendo despachado a outra para si.
A segunda carta advertia sobre a inconveniência de se prosseguir com as negociações com os tailandeses, porque achava que os estrangeiros tinham mudado o código “SWIFT” e juntaram-se a altas patentes e figuras do país.
Após a denúncia, que considerou normal no mundo do negócio empresarial, orientou o grupo técnico da UTIP para juntar os parceiros (Celeste de Brito e Raveeroj Ritchoteanan) a resolver a situação, uma vez que tinha sido a co-ré Celeste de Brito a apresentar para a UTIP os tailandeses e ser a mesma a denunciá-los.
O referido grupo técnico sugeriu que em face dos conflitos se salvaguardasse os interesses dos empresários angolanos no negócio, sendo na mesma altura que recebeu do Banco de Negócio Internacional, de direito angolano, que tinha dificuldade de comunicar com a UTIP a autenticidade do cheque via “SWIFIT” (código de comunicação interno entre bancos no mundo).
Por outro lado, diferente do que tinha dito a ré Celeste de Brito, de que tinha sido ela a pedir à UTIP que se solicitasse o visto de fronteira, Norberto Garcia disse ser esta a responsabilidade da instituição que dirigia, a data dos factos.
Confirmando que foi a UTIP que solicitou vistos de fronteira para os tailandeses que tem a duração legal de 15 dias, fim dos quais, os tailandeses continuavam em Angola e para não incorrer em violação da lei solicitou ao Serviço de Migração e Estrangerios (SME) a revisão dessa situação.
Em resposta, o SME disse que o mesmo não sendo praticável à luz das disposições legais, poderia se prorrogar o visto desde que se apresentasse documentação dos mesmos, porém, para a sua surpresa recebeu informações dos seus colaboradores de que os tailandeses já tinham conseguido vistos de um ano. Em função disso, informou ao SME sobre o sucedido.
O réu volta a ser ouvido na segunda-feira, já a instância do Ministério Público, em face à pausa de calendarização que deve observar a sessão de julgamento na sexta-feira.
Norberto Garcia é um dos quatro angolanos envolvido no processo, além de Arsénio Manuel, gestor da Ondjango afecto as Forças Armadas Angolanas (FAA), a empresária Celeste de Brito e o agente da Polícia Nacional Crianstian de Lembos.
Tanto os angolanos como os estrangeiros (Raveeroj Ritchoteanan, Manin Wanitchanon, Theera Buapeng, André Roy, Monthita Pribwai, Million Isaac Haile) estão a ser acusados de associação criminosa, burla por defraudação na forma frustrada, tráfico de influência e promoção e auxílio à emigração ilegal.