Intervenção no ex-BESA em Angola penaliza Portugal

Post by: 28 November, 2021
Luís Máximo dos Santos (à esquerda) acordou com António Ramalho (a direita) Luís Máximo dos Santos (à esquerda) acordou com António Ramalho (a direita)

Fundo de Resolução ficaria com eventuais ganhos do Banco Económico no caso de o Novo Banco recuperar acima da imparidade. Regulador angolano dificultou. Caso ganha contornos diplomáticos

O antigo BES Angola, hoje Banco Económico, está a dever cerca de €300 milhões ao Novo Banco, que já só esperava receber dali cerca de 10% do montante. Se vier a mais, o dinheiro não irá para o banco da Lone Star; será para o Fundo de Resolução. Porém, tal não se perspetiva fácil: a prestação que devia ter sido paga em outubro não veio na data definida. Aliás, o Banco Económico foi intervencionado pelo regulador angolano e a dívida ao Novo Banco será afetada. Portugal volta a ser penalizado por Angola.

A intervenção do Banco Nacio­nal de Angola (BNA) no Banco Económico, com uma situação patrimonial altamente negativa, foi decidida no final de outubro. Nela, a administração do Banco Económico ficou mandatada para desenhar um plano de reestruturação e aumentar o capital para conti­nuar a operar. A recapitalização está estimada em mil milhões e 900 milhões de dólares (€800 a €890 milhões), segundo fonte do Banco Económico. Na operação, o Novo Banco sofre um impacto.

Até 2020, o angolano Banco Económico cumpriu as obrigações perante o Novo Banco com atrasos. Agora, em desequilíbrio, foi intervencionado

No comunicado do BNA fala-se na “reestruturação do empréstimo subordinado do Novo Banco, considerando a conversão parcial deste empréstimo em ações do Banco Económico, e a subscrição do remanescente em títulos de participação perpétuos, com opção de reembolso anual, por iniciativa do emitente, o Banco Económico, a partir do 10º ano da sua emissão”.

O banco angolano tem 340 milhões de dólares (€303 milhões, ao câmbio atual) em dívida subordinada por reembolsar ao banco português e aqui uma parcela será convertida em ações, outra passará para os referidos títulos perpétuos. Menos dinheiro para receber e não nos prazos esperados até aqui. O Novo Banco tem atualmente 9,72% do Banco Económico, sendo que o grupo estatal Sonangol, que tem a maioria acionista, não conseguiu capitalizá-lo. Daí a intervenção. Sete anos depois da primeira.

SEM SEGUNDO REEMBOLSO

O Novo Banco ficou com crédito sobre o BES Angola na intervenção feita pelo regulador bancário angolano, na sequência da derrocada do Banco Espírito Santo, em 2014, que o transformou em Banco Económico. Na altura, além dos prejuízos impostos ao BES “mau” e ao Novo Banco, houve emissão de dívida sénior e subordinada: o crédito sénior do Novo Banco ao Banco Económico foi de 425 milhões de dólares (ao câmbio atual, um total de €379 milhões), que foi já todo pago em 2018, após uma renegociação; o crédito subordinado, de 425 milhões de dólares, tinha maturidade até 2024, mas devia haver pagamento de parcelas de 20% do capital ­anuais, a partir de 2020.

A primeira parcela, a reembolsar em outubro de 2020, chegou a Lisboa com atraso de quatro meses. Ficou, portanto, 80% do crédito por saldar, um total de 340 milhões de dólares (€300 milhões), até 2024. A segunda tranche, de mais 20%, devia ter sido paga até ao final de outubro deste ano, mas não chegou. Aliás, não vai haver pagamento, assevera fonte do antigo BESA. O Banco Económico não revela relatórios e contas desde 2018 e o último dado público é relativo a setembro de 2019, quando os capitais próprios (diferença entre ativo e passivo) eram, ao câmbio atual, de cerca de €110 milhões negativos.

DIVERGÊNCIA E DIPLOMACIA

Agora, houve a intervenção e a capitalização determinadas pelo BNA, que visam inverter esta situação. Na operação, também os maiores depositantes do Banco Económico se convertem em acionistas. Entre estes estão Álvaro Sobrinho, António Van-Dúnem, antigo homem forte de José Eduardo dos Santos, e Pitra Neto, antigo vice-presidente do MPLA, segundo sabe o Expresso.

A intervenção tem impacto no Novo Banco, mas a verdade é que o banco já tinha inscrito nas suas contas que pouco esperava de Angola. A exposição ao Banco Económico foi uma das que criou tensão entre a gestão de António Ramalho e o Fundo de Resolução, tendo em conta o forte reconhecimento de perdas antecipadas. O Novo Banco colocou uma imparidade de 90% sobre o crédito, o que quer dizer que só espera receber 10% do valor.

A comissão de acompanhamento da instituição financeira, que segue a evolução dos ativos problemáticos, considerava que esta era excessiva e que a imparidade devia ser na ordem dos 30%, tendo em conta que houve sempre um esforço para saldar essa dívida por parte do banco angolano. O próprio Fundo considerou que o banco liderado por António Ramalho foi excessivamente conservador, carregando nas perdas (e beneficiando da sua capitalização).

Em maio deste ano ficou acordado entre as partes que qualquer dinheiro a mais que viesse de Angola, face ao esperado pelo Novo Banco, iria para o Fundo de Resolução. Seria a diferença entre o valor líquido de imparidades (cerca de €30 milhões) e o que fosse recuperado a ser entregue ao Fundo de Resolução; ou então serviria para abater eventual dívida que possa ainda haver entre o Fundo e o banco. Se o Novo Banco tivesse exagerado nas imparidades, quem disso iria beneficiar, com uma eventual reversão, seria o seu acionista minoritário.

Além de revelar diferença de opinião entre o banco e o Fundo, este acordo de maio reforçou o pendor político e diplomático do caso. O eventual reembolso seria perante o Fundo de Resolução, uma entidade que funciona junto do Banco de Portugal e que integra o orçamento público nacional, e não perante um banco privado.

E, neste contexto, o que acontece agora é que a intervenção do BNA, a tentar desatar um nó há anos intrincado chamado Banco Económico, volta a penalizar Portugal. Qual é o reembolso (ou se há) é uma incógnita. A acontecer, é certo que o ressarcimento demorará mais. E quem não recebe o dinheiro é uma entidade pública.

OS ACORDOS ENTRE O FUNDO E O NOVO BANCO

O devedor especial

Se o Novo Banco receber mais do Banco Económico do que o que está registado, a mais-valia será entregue ao Fundo de Resolução ou servirá para abater dívida.

Processos judiciais

O Novo Banco podia reclamar verbas ao Fundo se tivesse de pagar indemnizações em processos judiciais decorrentes da resolução do BES. Em maio, ficou decidido que as ações que já tiveram impacto até 2020 não vão ser compensadas, por se considerar que foram cobertas pelas injeções feitas pelo Fundo até aqui.

Acionista

O Fundo de Resolução tem até 10 de dezembro para exercer o direito de aquisição de 3% de participação acionista no Novo Banco atribuída ao Estado. Nos próximos anos, o Fundo arrisca-se a ficar apenas com cerca de 8% do banco.

Mecanismo

O Novo Banco pode ainda pedir €597 milhões ao Fundo por via do sistema acordado na venda à Lone Star. D.C.

EXPRESSO

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