De acordo com a empresa de avaliação de riscos políticos, a eclosão recente dos distúrbios nas províncias de KwaZulu Natal e Gauteng levou a África do Sul – líder da missão da SADC, que tem um destacamento previsto de tropas na ordem dos 3.000 efetivos, apoiados por meios aéreos e navais – a reequacionar a sua participação no apoio militar a Moçambique.
Pretória “condicionou a autorização da missão a avaliações dos serviços secretos da África do Sul e do Botswana, confirmando a sua necessidade. A mudança de posição deve-se em parte à situação de segurança interna” sul-africana, sublinha o Eurasia Group num relatório divulgado no final da semana passada.
O Governo sul-africano destacou 25 000 tropas para pôr termo aos recentes distúrbios nas províncias de KwaZulu Natal e Gauteng, onde deverão permanecer até Outubro.
Mas a mudança de posição de Pretória está ainda relacionada com preocupações sobre o financiamento da operação pelos estados-membros da SADC.
A organização sub-regional orçamentou inicialmente a operação no norte de Moçambique em 12 milhões de dólares, mas as estimativas de custos subiram desde então para 60 milhões de dólares, muito por força das expectativas de que a missão irá agora decorrer até meados de 2022.
“O impacto económico da agitação na África do Sul e as despesas suplementares do Estado sul-africano para fazer face aos seus desafios socioeconómicos tornam improvável que a África do Sul cumpra a sua quota de um total de 1.500 tropas destinadas à força da SADC”, estima o instituto de análise.
Por outro lado, outros Estados-membros da SADC “não manifestaram até agora vontade de preencher a lacuna financeira e de pessoal deixada pela África do Sul, colocando em questão a eficácia da intervenção regional”, acrescenta o Eurasia Group.
Um pequeno batalhão de tropas sul-africanas, composto por forças especiais e não relacionado com a força da SADC prevista, foi destacado para o norte de Moçambique em 22 de Julho último, mas “é pouco provável” que estas tropas venham a ter “um impacto significativo” na evolução do conflito, afirma a instituição de avaliação de risco.
“É agora provável que a resposta da SADC seja significativamente menor, deixando Moçambique dependente de novos destacamentos de tropas do Ruanda e potencialmente de Angola”, acrescenta o relatório.
Moçambique solicitou assistência ao Ruanda para levar a cabo operações de combate em Cabo Delgado, mas "é pouco provável" que a situação de segurança na província estabilize a curto prazo, “devido à falta de coordenação entre as tropas moçambicanas e ruandesas, o que tem levado a tensões entre os dois contingentes”, sublinha ainda a instituição.
“Até agora, as tropas moçambicanas não têm estado dispostas a aceitar a direção dos seus homólogos ruandeses e recuaram em duas ocasiões distintas, deixando as tropas ruandesas isoladas”, ilustra o Eurasia Group.
Esta dinâmica poderá vir a ser exacerbada pela chegada de tropas da SADC, cuja força tem um comandante próprio. Moçambique está a criar um comando operacional conjunto, mas não foi feito qualquer anúncio sobre quem irá liderar essa estrutura ou onde se irá basear.
Os desafios operacionais que a missão militar conjunta enfrenta “irão provavelmente facilitar a propagação a sul da insurreição, em direção aos locais onde estão instalados os projetos de gás natural liquefeito (GNL)”, estima a mesma fonte.
Segundo o Eurasia Group, os ataques por parte dos grupos insurretos “sucedem-se desde 20 de Julho nas proximidades de Palma”, onde os combates eclodiram pela última vez em abril.
Palma, que fica a 30 km de muitos dos projetos de GNL em desenvolvimento, tem sido a base para muitos empreiteiros estrangeiros. É improvável que qualquer projeto de GNL no norte de Moçambique venha a reiniciar as operações até que a área seja segura.
“A segurança e estabilidade a longo prazo dos projetos de GNL na região beneficiará dos programas de formação para as forças armadas moçambicanas geridos pelos Estados Unidos, União Europeia, e Portugal. Dado o investimento significativo da Total no país, França poderá possivelmente vir a contribuir com recursos adicionais para a formação das forças de segurança” moçambicanas, concluiu o Eurasia Group.
Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo armado radical Estado Islâmico.
Os ataques reclamaram até agora mais de 3.100 vidas, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e estão na origem de mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.