Como se sabe, só em situações de emergência nacional, tipo estado de sítio, é que as liberdades fundamentais podem ser restringidas, enquanto durar a vigência do decreto que o instaura.
Na legislação ordinária angolana há, contudo, uma exigência incontornável, que é extensiva a toda a imprensa e que não deixa qualquer margem para dúvidas quanto ao seu conteúdo, quer na letra, quer no espírito.
Esta exigência está inscrita na Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (36/11 de 21 de Dezembro) no seu artigo 73, ponto 9 e diz que é “proibido a qualquer órgão de comunicação social posicionar-se a favor de qualquer partido político, coligação de partidos ou candidatos concorrentes, nas matérias que publicar”.
Em termos práticos e deixando para já de lado a cobertura jornalística propriamente dita, o órgão tem igualmente que saber gerir os seus espaços de opinião em função daquela proibição, se estiver de boa-fé, que é um dos traços mais estruturantes do próprio jornalismo no plano da ética e da deontologia.
Não poderia ser de outra forma, sob o risco, que é que está a acontecer novamente, dos órgãos se transformarem em protagonistas do processo eleitoral, como resultado das simpatias mais ou menos assumidas que têm em relação aos concorrentes e que depois acabam, inevitavelmente, por inquinar toda a sua intervenção no acompanhamento do processo eleitoral
Como todos sabem a opinião não é neutra.
Por mais sentido de equilíbrio, objectividade e distanciamento crítico que o seu autor possa ter, diante de uma realidade mais conflituosa/contraditória, ela acaba sempre por criar um determinado estado de opinião que, bem-feitas as contas, dificilmente dará resultado zero na hora de se repartirem os dividendos.
Por mais que o órgão reclame em sua defesa o princípio da liberdade editorial que se aplica igualmente à escolha dos seus comentaristas, sejam eles residentes ou não, não nos parece aceitável que tais espaços sejam exclusivamente preenchidos com pessoas cuja opinião seja mais favorável ou desfavorável a este ou aquele partido.
Imaginemos um espaço destes, com dois comentaristas que comungam da mesma opinião desfavorável a um determinado partido e passam o programa todo a “bater no ceguinho”, como sói dizer-se.
Não precisamos de imaginar muito, porque nos últimos dias tivemos um exemplo destes numa das televisões locais.
A violência e a contundência dos ataques desferidos pelos dois comentaristas presentes, atingiu um nível de hostilidade verdadeiramente espantoso, a prejudicar, obviamente, a imagem do “ceguinho” junto do eleitorado, por quem em princípio não tem esta legitimidade, que é o próprio órgão que promove este tipo de “massacre”.
Foi um verdadeiro “mata?esfola!”, que não permite que o órgão promotor do “show” se refugie depois no argumento da liberdade de opinião dos seus convidados, para justificar que não está a violar a proibição legal que o impede de se posicionar a favor deste ou daquele partido.
Do ponto de vista da eficácia, a mensagem chega muito melhor aos seus destinatários, “fura” muito mais rapidamente, como resultado de uma troca de pontos de vista por pessoas que, aparentemente, até se apresentam como especialistas deste ou daquele ramo do conhecimento.
Seria, certamente, diferente, como acontece em alguns programas de comentário desportivo, onde os participantes apresentam-se devidamente identificados/conotados com as suas equipas, até pela cor das gravatas que envergam.
Como a ingenuidade não é bem o estado de espírito mais aconselhável para quem observa a realidade angolana, torna-se evidente que este recurso só pode ser estratégico.
A única solução para se evitar estes “massacres opinativos” é o debate contraditório, evitando deste modo que no mesmo espaço de opinião se juntem duas ou três pessoas que comunguem da mesma avaliação política da sociedade.
Só este equilíbrio na escolha dos “opinion makers” pode salvaguardar de forma convincente a posição do órgão em relação à proibição vigente para o período eleitoral.
Aí já é mais fácil para órgão conciliar a sua liberdade editorial de escolher quem melhor entender para os seus espaços de opinião, com a proibição de não tomar posição por nenhum partido.
Com o processo a caminhar rapidamente para o dia de todas as decisões, os ânimos vão naturalmente aquecer e as paixões políticas também.
Faz pois cada vez mais sentido que os espaços de opinião, que aqui estão a ser avaliados, sejam geridos da forma mais equilibrada possível para se evitarem as inevitáveis colagens, sobretudo quando estamos diante do desempenho dos médias públicos que, quer se queira quer não, têm efectivamente uma maior responsabilidade nesta abordagem, até por força da própria Constituição.