E não podia ser feita por Archer Mangueira (ainda não evoluímos ao ponto de termos um subordinado de um presidente da República a não concordar com o seu chefe!). É claro que a pergunta-foco desta reflexão só podia vir de um dos políticos mais sérios (senão o mais sério) que o nosso país tem: engenheiro Adalberto Costa Júnior. João Lourenço - e indo um pouco em defesa do que Archer Mangueira diz - entrou "a matar" no Governo de 2017-2022, rumo a um futuro diferente, criando, inclusive, uma ruptura (pelo menos em discurso) com o passado de José Eduardo dos Santos. Era preciso olhar para frente. Também concordo com Archer Mangueira.
Mas é falsa a ideia de que se deputados da UNITA estão vivos hoje é graças à "piedade" do MPLA, uma vez que o MPLA é um SIMPLES (letras maiúsculas para realçar a simplicidade) partido. O MPLA não é dono da vida de ninguém. Isto tem de estar claro de uma vez por todas. O que de facto não se percebe são as grandes "boas intenções" de João Lourenço, na medida em que aceitou vestir um casaco que era do antecessor, que ele próprio condena publicamente.
É de facto muito estranho que a condenação de João Lourenço a José Eduardo dos Santos esteja em tudo menos no que respeita a uma possível transparência da gestão do país. Não se percebe a razão objectiva de até hoje o Executivo de João Lourenço não prestar contas ao Parlamento, um casaco que já era de JES.
Não se percebe por que João Lourenço teve de se "humilhar" a JES, para fazer uso das suas imunidades previstas na Constituição, quando o próprio não pretendia fazer uso das mesmas. Não se percebe por que João Lourenço teve de acumular o cargo de presidente da República com o de presidente do MPLA, quando o presidente da República se guia pela Constituição e o presidente do MPLA se guia pelos Estatutos do MPLA (que não têm mais valor que a Constituição).
Enfim, não se percebe a razão de João Lourenço vestir exactamente o mesmo casaco de JES, quando até o condena. Não se percebe - e agora vou à minha área de actuação - a razão objectiva de João Lourenço, no que a toca à verdade na divulgação dos factos, de ser também o dono da regulação e supervisão dos órgãos privados e públicos de comunicação social, com respaldo na Lei de Imprensa que lhe dá o "casaco" de ser também "dono" da imprensa angolana, uma plena contradição com a própria liberdade de expressão, de informação e de imprensa que diz pretender ser maior, quando os órgãos públicos nunca poderão apontar falhas (ou crimes) à sua gestão, e partindo do pressuposto de que o grande regulador da imprensa, que tem, de facto, responsabilidades, em matérias de rigor, imparcialidade e isenção dos conteúdos, é o Ministério da Comunicação Social e não a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA).
Enquanto cidadão e jornalista, afirmo, sem medo de errar, que João Lourenço é, até prova em contrário, mais um José Eduardo dos Santos, com apenas outros discursos, que não passam de meras palavras soltas ao ar. Se João Lourenço quisesse mesmo ajudar este país a progredir, tinha de aceitar tirar o casaco da Comunicação Social, permitindo, com isso, que os órgãos públicos de comunicação social pudessem fazer jornalismo de investigação para divulgar eventuais práticas de má gestão do seu Executivo e até denúncias de crimes, o que podia ajudar a "melhorar o que estivesse mal".
Por: Carlos Alberto (Cidadão e Jornalista)