A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola deverá anunciar esta segunda ou terça-feira que vai investigar a queixa-crime apresentada em Março contra o então líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, por tentativa de homicídio, segundo apurou o PÚBLICO. O timing da decisão tem a ver com o facto de a comissão política do principal partido da oposição em Angola ter reunião marcada para quarta-feira para programar a data do novo congresso do partido, depois de o Tribunal Constitucional ter anulado no dia 7 de Outubro o de 2019 e, em consequência disso, a eleição de Adalberto Costa Júnior para presidente do partido.
“É mais um dos cenários de que me rio, mas de que me rio com pena enorme dos tristes espectáculos”, diz ao PÚBLICO o líder da UNITA, sobre a queixa-crime contra ele apresentada por Rui Galhardo Silva, em Março, e que agora vai ser alvo de inquérito da PGR. Na altura, o autor da queixa teve direito aos “directos todos nas televisões públicas, teve a primazia do acompanhamento do aparato de comunicação social pública negado ao presidente da UNITA”, que não teve sequer o direito de se defender.
Galhardo Silva, que se apresentou como militante de 40 anos da UNITA (“sei que lhe foi pedida prova de militância, mas ele não conseguiu fazer prova”, refere Adalberto Costa Júnior), disse que nas cerimónias oficiais dos 55 anos da criação do partido do Galo Negro, realizadas no Uíge, temeu pela sua vida. Segundo contou então ao Jornal de Angola, o então líder da UNITA pôs a circular que ele transportava armas e ele viu-se, de repente, rodeado de militantes furiosos com a informação.
Para Adalberto Costa Júnior é apenas mais uma das muitas manobras dos serviços secretos do Estado angolano a trabalhar em prol do partido no poder. “De facto, desconheço as motivações” da queixa apresentada por Galhardo Silva, “mas dá para entender de onde vem, quando tem assistência da comunicação social pública, que está no mesmo alinhamento dos mesmos promotores das conferências de imprensa”
“Tudo aquilo é pago, tudo aquilo usa dinheiros públicos e surpreende-se o silêncio ou a conivência da PGR nesta matéria, porque já houve actores comprados que vieram a público devolver dinheiros pagos”, acrescenta. “Há um dirigente da UNITA a quem foram pagos 22 milhões de kwanzas [31.500 euros] para denunciar o seu presidente, fez uma conferência de imprensa, mas a PGR ignorou-a. Houve outra conferência de imprensa de médicos que vieram a público dizer que foram procurados, sujeitos a elementos de chantagem para denunciar eventuais violações de menores” e a mesma procuradoria que agora age, não se mexeu para investigar.
“É óbvio que isto tem a mão do senhor Miala, o chefe dos serviços de inteligência. Que, como todos sabem, não está no âmbito de actuação democrática, a tratar dos interesses do Estado, está no âmbito de actuação partidária, a tratar dos interesses do partido no poder”, explicou. O general Fernando Miala, que caiu em desgraça durante o regime de José Eduardo dos Santos, tendo sido condenado a quatro anos de prisão por insubordinação, foi o homem a quem João Lourenço recorreu ao assumir a presidência para liderar os serviços secretos do país – o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE).
O líder da oposição garante que isto tudo são exemplos de que “há uma perseguição formal ao líder da oposição: isto é uma realidade insofismável, indiscutível” e para isso o poder político em Angola, dominado desde a independência, em 1975, pelo MPLA vem realizando uma campanha de ataques contra Adalberto Costa Júnior desde que este assumiu a liderança da UNITA no congresso de 2019, o mesmo que no passado dia 7 de Outubro foi anulado pelo Tribunal Constitucional, o mesmo tribunal para a liderança do qual o Presidente João Lourenço nomeou uma sua secretária de Estado e membro do bureau político do MPLA, Laurinda Cardoso.
Sem reacção da UNITA
A queixa-crime contra Adalberto Costa Júnior seria mais uma etapa nesse longo processo para o afastar da corrida à presidência do país e que contaria, talvez, com uma reacção mais dura por parte da UNITA em relação ao acórdão, quer com protestos nas ruas quer com recurso ao Tribunal Supremo, que a última revisão constitucional transformou numa instância superior ao Tribunal Constitucional.
O destituído líder da UNITA (“cassado” como o próprio refere), explica que todos os cenários foram analisados pelos dirigentes, todas as respostas possíveis, e o partido acabou por não dar mais voltas ao assunto e aceitar a decisão, sem concordar com ela, apenas para não ver o processo arrastar-se nas instâncias jurídicas: “Não é do nosso interesse facilitar a entrega de novo a um tribunal político o arrastar do processo”.
Adalberto Costa Júnior faz referência a um comunicado de Agosto do bureau político do MPLA que aludia àquilo que o Tribunal Constitucional iria fazer (“não sei como foram tão distraídos”) antes de os próprios juízes se pronunciarem sobre a questão. Com isso “todos interpretamos que esta era uma deliberação política e não jurídica”, logo não valia a pena recorrer à via judicial para contestar a decisão.
“Aceitámos, por uma questão de arrumar o assunto no Tribunal Constitucional” e “agora compete à comissão política da UNITA fazer as opções dos passos a dar conforme aos interesses estratégicos do partido”.
E isso passaria, poderíamos julgar, pela realização de um novo congresso o quanto antes e com a eleição por aclamação do candidato que venceu em 2019 a corrida à presidência do partido contra quatro outros candidatos. Sobre a data do novo congresso, caberá à comissão política decidir e Adalberto nada diz sobre isso, sobre o processo de aclamação que seria a resposta de unidade que a decisão judicial deveria obter da UNITA, limita-se a acentuar que o partido sempre foi plural, embora se note que não está contente com as afirmações de Isaías Samakuva, o seu antecessor que voltou a assumir o cargo depois da anulação do congresso.
Esta semana, em declarações à Voz da América, Samakuva apelidou de “retrocesso” nos ideais do partido se Adalberto Costa Júnior se apresentar sozinho no sufrágio interno: “Penso que seria um retrocesso muito grande realizar um congresso com candidato único, tendo em conta as conquistas que o partido já teve”.
“Há quem entenda que esta deliberação como sendo um atentado contra a UNITA e é assim que eu também a vejo. O mais velho Samakuva interpretou assim a deliberação, mas sendo um atentado contra a UNITA interessa ao partido retomar rapidamente a sua estabilidade”, diz o homem que liderou o partido nos últimos dois anos.
Adalberto Costa Júnior faz referência a “um debate na sociedade à volta desta questão” e “há quem tenha exactamente essa interpretação, de que o futuro congresso devia ser o do resgate da liderança democrática que foi retirada pelo tribunal”.
Porém, como sublinha, isso “não deverá em circunstância alguma limitar vontades”, porque a UNITA vem realizando “congressos regulares, sempre com uma enorme pluralidade”. Mas deixa o alerta a todos os dirigentes da UNITA, numa altura que deveria ser de cerrar fileiras: “Vamos ser todos fiscalizados pelos membros [do partido] nesta matéria”.
PÚBLICO