Vice-presidente angolano e filha exigem 750 mil euros a jornalista britânico nos tribunais

Post by: 19 October, 2021

Em causa estão declarações sobre os gastos em vestidos comprados para o casamento da filha de Bornito de Sousa adquiridos na loja de uma famosa estilista em Nova Iorque que terão custado cerca de 150 mil euros.

O vice-presidente de Angola, Bornito de Sousa, e a sua filha Naulila exigem uma indemnização de 750 mil euros a um jornalista britânico nos tribunais portugueses, por causa de declarações que o repórter fez num livro publicado no final de 2019. Em causa estão os gastos em nove vestidos comprados para o casamento da filha de Bornito de Sousa, em Outubro de 2014, que foram adquiridos na loja de uma famosa estilista em Nova Iorque e terão custado cerca de 150 mil euros.

A prova dos dois vestidos de noiva (um para a cerimónia privada e outro para a festa com 800 convidados), e os valores envolvidos foram divulgados pelo programa de televisão Say Yes to the Dress (Diz Sim ao Vestido, numa tradução literal), do canal TLC, exibido em vários países, incluindo Portugal e Angola. Tudo se passa no interior da loja Kleinfeld, em Nova Iorque, da estilista Pnina Tornai, onde Naulila, a mãe e umas amigas se deslocaram para comprar os vestidos de noiva. Do pacote fez ainda parte o vestido da mãe e os das seis damas de honor.

Naulila aparece a experimentar os vestidos e na parte de baixo da imagem vê-se o preço da roupa e dos diversos acessórios que adquiriu. “Ela é praticamente da realeza do seu país, não poderia fazer apenas um vestido normal”, justifica a estilista no programa. “Naulila gastou aqui mais do que qualquer outra noiva na história da Kleinfeld, saindo com um total de nove vestidos originais Pnina Tornai, uma saia surpresa e acessórios. Um total de mais de 200 mil dólares americanos”, afirma o apresentador do programa.

Na acção cível que intentou no passado mês de Agosto em Portugal, Bornito de Sousa e a filha exigem que Oliver Bullough e a 20/20 Editora, que publicou a obra, se retratem “dos juízos de valor tecidos e imagem” que pretenderam “imprimir dos autores na obra intitulada O País do Dinheiro” de “modo claro, destacado e perceptível e sem quaisquer reservas ou ambiguidades”, lê-se na petição inicial. Mas não se ficam por aí. Pedem ainda que a obra seja retirada de circulação, todos os exemplares sejam recolhidos de todos os locais de venda física e de todas as plataformas online. 

Bornino de Sousa, que na altura do casamento da filha era ministro da Administração do Território do Governo chefiado pelo então presidente José Eduardo dos Santos, garante que as palavras de Oliver Bullough, colaborador regular do The Guardian e de várias revistas, lhe provocaram danos morais a si e à filha já que são atentatórias do bom nome e da honra de ambos. E, por isso, pedem a indemnização de 750 mil euros. Para fundamentar o valor alegam que “a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize os fins a que se destina, designadamente o fim de evitar a repetição da conduta ilícita e danosa em causa”. 

 E afinal quais são as declarações que tantos danos causaram a Bornito de Sousa e à filha? Trata-se de nove parágrafos do livro o País do Dinheiro. “Pode bem ser que Sousa tenha realmente ganhado o dinheiro honestamente ou que Naulila tivesse a sua própria e secreta carreira empresarial de sucesso, ou que tenha encontrado um patrocinador (ela não respondeu aos meus pedidos de comentários que enviei através do Facebook), mas extraordinário é que ninguém na produtora tenha pensado em perguntar isso” escreve Oliver Bullough. E acrescenta: “Talvez ainda mais notável do que a falta de interesse ou de preocupação com a origem do dinheiro seja o facto de Naulila não parecer ter compreendido que era, em primeiro lugar, de mau gosto aparecer na televisão a gastar 200 mil dólares em roupas, sobretudo quando o pai ajuda a governar um país com a oitava pior taxa de mortalidade infantil do mundo”.

A equipa de advogados do vice-presidente angolano, liderada por Paulo de Moura Marques, realça ainda a sinopse que a editora colocou no seu site, descrevendo a obra como “a estonteante história da riqueza e poder no século XXI - é uma viagem ao mundo oculto dos novos cleptocratas e criminosos globais, passando pelos países pobres em que o dinheiro público é roubado e pelos países ricos onde é investido. De Angola à Ucrânia, do Reino Unido a Malta, o País do Dinheiro denuncia as instituições que se estão a transformar em operações de lavagem de dinheiro. (...) O cenário é negro, mas ainda há tempo para resgatar a democracia das garras da corrupção”. Depois de reproduzir este texto, a defesa do vice de Angola afirma que a editora caracteriza “de forma deliberada” o actual vice-presidente de Angola como um dos “novos cleptocratas e criminosos globais”. 

Destacam que Bornito de Sousa foi escolhido para vice “exactamente por ser conhecido como um reformista e um homem da modernidade, de pensamento liberal e apoiante da política de luta contra a corrupção”. Sublinham que o governante é “um conhecido advogado, professor universitário e pessoa com fontes de rendimentos constantes e declaradas por declarações de bens junto das competentes autoridades angolanas, nos termos da legislação aplicável à promoção da transparência, de resto conforme regras similares em uso em Portugal e nos demais países democráticos”. E asseguram que Bornito de Sousa sempre exerceu as funções governativas “de forma íntegra, justa e prudente, como lhe é reconhecido”.

A sugestão de práticas de corrupção e desvio de fundos, garantem os advogados do vice de Angola, geraram “um quadro de depressão e ansiedade” tanto no pai como na filha. Bornito de Sousa “chegou a experienciar momentos de angústia extrema quando o interrogaram sobre a sua idoneidade” e Naulila sentiu-se “usada” como “uma arma política” contra o pai e humilhada pelas notícias e pedidos de esclarecimentos sobre o seu casamento.

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