Numa carta aberta dirigida a João Lourenço, publicada hoje na conta do ativista no Twitter, o também músico defende que à "retórica corajosa e inspiradora" lançada pelo chefe de Estado angolano no início da governação, em setembro de 2017, tem faltado informação e transparência sobre, por exemplo, os casos de corrupção.
"A retórica corajosa e inspiradora com a qual granjeou simpatia de uma franja considerável da população, incluindo a de muitas vozes críticas e até de destacadas personalidades africanas, como Mo Ibrahim, valeu-lhe o benefício da dúvida. Não é um recurso inesgotável e sem contrapartidas. Ele erode-se (...) e as pessoas têm um receio natural de cair duas vezes na mesma armadilha", escreveu.
Luaty Beirão lembrou que, durante o encontro promovido pelo Presidente angolano com a sociedade civil, a 05 de dezembro de 2018, teve a oportunidade de o "alertar" para o facto de que "uma guerra como a que escolheu travar (...) não se vence se não se estiver de mãos apertadas com a transparência".
"Transparência que, entre outras coisas, implica o provimento do direito a informação sobre aspetos de casos de corrupção, sem prejuízo do respeito pelo segredo de justiça e/ou segredo de Estado, ambos sujeitos a limites, entretanto", referiu.
Nesse sentido, Luaty Beirão pede a João Lourenço, informações "que deveriam ter sido iniciativa dos órgãos auxiliares [do Presidente de Angola]" como a de "tornar público" o nome dos "escritórios de advogados que representaram o Estado angolano (nós) no processo envolvendo Jean-Claude Bastos de Morais e os termos exatos do acordo formado em nosso nome com o referido cidadão".
"De repente, começaram a esgotar-se os prazos de prisão preventiva, negoceiam-se solturas em troco da devolução de ativos e declaram-se inocentes envolvidos em supostas 'megaburlas'. Membros do executivo por si liderado têm sido alvo de denúncias documentadas, sem que nenhuma consequência delas se conheça", referiu, na carta, Luaty Beirão, um dos 17 ativistas que chegaram a cumprir pena de prisão, condenados pelo tribunal de Luanda por alegada rebelião.
"Daqui a pouco, vamos descobrir que houve muita corrupção, mas não houve corruptos! É natural que os pessimistas de plantão se perfilem de peito tumefacto e dedo em riste bradando 'bem vos avisámos!'", ironizou Luaty Beirão.
Na carta aberta, o ativista político e dos direitos humanos angolano afirma que, para já, se recusa juntar ao coro do "nada foi feito e tudo é teatro", sublinhando, porém, que não pode deixar de lembrar a cerca de meia centena de "companheiros de Cabinda" que continua "arbitrariamente detida há três meses".
"Não considero, de todo, negligenciável o facto de haver mais liberdade e menos repressão. Esta sensação não será seguramente partilhada pelos companheiros de Cabinda que, quase três meses depois, continuam arbitrariamente detidos por organizarem uma manifestação, independentemente do lema ou da bandeira que defendem", escreveu Luaty Beirão, alertando para efeitos de uma maior contestação social.
"Apesar destas contradições que mitigam o efeito do discurso, multiplicaram-se ações de contestação por todo o país que não têm sido abordadas com a virulência recente e de má memória. Também não acho que consiga fazer tudo sozinho", indicou, pedindo a João Lourenço para que junte à sua volta "uma equipa movida pelas mesmas intenções que professa" e que Luaty Beirão diz querer "acreditar serem sinceras".
"O facto é que não tem [essa equipa] e se, apesar de todas as evidências, continua a insistir nela [que a tem], aí sim, a falha do todo tem de ser assumida pelo líder", defende.
Sobre as motivações do envio da Carta Aberta a João Lourenço, o ativista angolano lembra que foi o próprio Presidente de Angola quem encorajou a sociedade civil a escrever-lhe "assiduamente", assegurando que leria toda a correspondência.
"Escrevo-lhe porque constato com crescente angústia que, depois de um arranque fulgurante, de uma acalmia e de um silêncio quase ensurdecedor por parte de quem devia manter-nos informados, dá a impressão de ter sido tomada por um súbito e prolongado torpor a 'luta implacável contra a corrupção'", salienta Luaty Beirão, que adianta escrever a carta aberta apenas como "cidadão genuinamente preocupado".