Álvaro Sobrinho, Hélder Bataglia e o BESA criaram BES Congo em 2008

Post by: 25 May, 2021

Criado em 2008, o Banque Espírito Santo Congo teve entre os seus primeiros acionistas Álvaro Sobrinho, Hélder Bataglia e o BES Angola, sobre o qual Rui Pinto diz ter informações que podem ser úteis à comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. O discreto banco congolês conservou a marca Espírito Santo até bem depois da queda do BES

em o então presidente do BES Angola (BESA) percebia porque é que o grupo era dono de um pequeno banco no Congo com uma só agência em Brazzaville. Na assembleia geral que o BESA realizou a 3 de outubro de 2013, Rui Guerra, presidente executivo da instituição financeira angolana, quis saber do lado dos acionistas o que era afinal o Banque Espírito Santo Congo. Esta entidade sobreviveria ao colapso do BES e à transformação do BESA em Banco Económico. Pelo menos até 2018 manteve dois administradores bem conhecidos de Portugal: Hélder Bataglia e Álvaro Sobrinho.

Criado em 2008, o Banque Espírito Santo Congo, ou BESCO, começou por ser detido em 90% pelo BES Angola, sendo os restantes 10% divididos em partes iguais entre Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia. O banco terá sido uma ideia de Bataglia, segundo um depoimento do seu ex-sócio Pedro Ferreira Neto no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no âmbito da Operação Marquês.

Ao longo dos anos o BESCO sofreu várias alterações à sua composição acionista. Segundo as informações recolhidas pelo Expresso, em junho de 2012 o banco congolês aprovou numa assembleia geral em Lisboa o aumento do seu capital social, o que levaria o Estado congolês a adquirir 33,3% das ações. Um outro aumento de capital levou o Estado a reforçar a sua posição para 50%, que se manteve até hoje. As posições dos fundadores diluíram-se: o BESA recuou para 47%, Bataglia ficou com 1,5% e Ilídio Santos com outros 1,5%.

Os aumentos de capital foram determinados mais por imperativos legais (de reforço da capitalização dos bancos no Congo) do que pela vontade dos seus donos de aportar mais dinheiro ao pequeno BESCO. Por que motivo foi o Estado congolês a fazê-lo permanece pouco claro.

Em resposta a questões enviadas pelo Expresso, Hélder Bataglia respondeu, através do seu advogado, Rui Patrício, que, segundo se lembra, a razão pela qual parte do capital ficou em mãos públicas congolesas é que "o Estado pretendia encontrar um comprador".

Ao Expresso, Rui Patrício informa ainda que Hélder Bataglia não é acionista do BESCO desde 2018. E, acrescenta o advogado, "não exerce desde a mesma data funções de administração e as que tinha eram não executivas".

Álvaro Sobrinho deixou de ter participação no capital do BESCO embora se tivesse mantido na administração do banco congolês pelo menos até 2017, de acordo com o relatório anual de acompanhamento do sistema bancário publicado pelo Ministério das Finanças da República do Congo. No final de 2011, a Holdimo (empresa de Álvaro Sobrinho que é acionista da Sporting SAD, com 29,8%) chegou a aprovar um projeto de compra de 32% do BESCO, mas tal operação não terá chegado a acontecer, dado que todos os relatórios de supervisão consultados pelo Expresso sempre apontaram o BESA como maior acionista da instituição financeira congolesa. Questionado esta segunda-feira pelo Expresso sobre este tema, Álvaro Sobrinho não respondeu até à publicação deste artigo.

Certo é que o BESCO acabou por ser uma das mais discretas operações do BES fora de Portugal. Não constava dos relatórios e contas do BES. Também não consta dos relatórios e contas do Banco Económico, a instituição angolana que tomou o controlo do BESA em 2014, quando em Portugal o BES se transformou em Novo Banco.

Segundo o advogado Rui Patrício, Hélder Bataglia "desconhece" o motivo pelo qual o BESCO era omitido nos relatórios e contas. "Deixou de ser administrador no BESA, por renúncia, em 2012, e não foi seu fundador", nota ainda o advogado.

Ao que o Expresso apurou, o banco congolês será um dos temas sobre os quais Rui Pinto (autor do blogue Football Leaks e uma das fontes do Luanda Leaks, estando a ser julgado e acusado de 90 crimes) dispõe de informação que poderá partilhar com a comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre o Novo Banco, caso a sua audição seja aprovada.

Como o Expresso escreveu na semana passada, os deputados da CPI devem votar esta semana sobre a audição de Rui Pinto, mas PS e PSD estão inclinados a não aprovar essa inquirição, que foi pedida pelo PAN.

Legal no Congo, clandestino no universo BES

A entrada do BES no Congo concretizou-se em 2008 mas foi pensada uns anos antes. Em outubro de 2005, a Espírito Santo Enterprises (“offshore” nas Ilhas Virgens Britânicas que ficou conhecida como o “saco azul” do Grupo Espírito Santo) celebrou com Hélder Bataglia um acordo mediante o qual o empresário se comprometia a assessorar a ES Enterprises para “alargar o escopo da sua área financeira em África, nomeadamente procurando e identificando parceiros ou oportunidades na área da banca na República do Congo”. Bataglia confirmou ao Expresso que foi esse contrato que esteve na origem da criação do BESCO.

Mas o que realmente acontecia no BESCO permaneceu envolto num manto de opacidade, até para gestores do próprio BES, como era o caso de Rui Guerra, que até 2012 era assessor da administração do BES, e entre 2012 e 2014 foi CEO do BESA. Em janeiro de 2015 tornou-se diretor da divisão internacional do Novo Banco, instituição na qual se mantém à data de hoje.

A ata da assembleia geral de 2013 do BESA mostrou o caráter misterioso do BESCO mas não só. Rui Guerra, pode ler-se no documento, “pediu informações e apoio aos acionistas para poder entender o processo de constituição da participação que o BESA detém numa instituição de crédito do Congo-Brazaville, denominada BES Congo, sobre a qual também existem elementos escassos de informação na sociedade”.

O BESCO estava legalmente constituído junto das autoridades congolesas mas para o BES Angola operava na clandestinidade. “Todos os acionistas referiram a necessidade de se regularizar perante as entidades de supervisão a formalização desta participação do BES Congo, tendo deliberado por unanimidade solicitar ao Dr. Rui Guerra que se desloque ao Congo no sentido de aferir da viabilidade económica da manutenção desta instituição, bem como que indague junto das autoridades locais sobre as possíveis soluções a dar a esta entidade relativamente à sua manutenção ou extinção”, refere a mesma ata de 2013.

Nessa assembleia geral, Álvaro Sobrinho indicou que dois colaboradores do BESA, Álvaro Monteiro e Ilídio Santos, possuíam “todas as informações relevantes sobre o processo de criação desta sociedade participada”. Ilídio Santos era, pelo menos até 2017, um dos acionistas minoritários do BESCO.

Mas na reunião do BES Angola de outubro de 2013 estava também Ricardo Salgado. Segundo a ata, o banqueiro “manifestou as dúvidas sobre a oportunidade da constituição e manutenção desta sociedade [BESCO], bem como os entraves que num momento delicado da economia portuguesa o Banco de Portugal poderá colocar ao BES, em Portugal, para a manutenção de uma filial no Congo”. Foi então que dois dos acionistas do BESA, a Geni e a Portmill, sugeriram “verificar internamente, na República de Angola, sobre o interesse económico de um banco angolano deter a maioria do capital num banco da República do Congo”.

O BES morreu mas em Brazzaville a marca Espírito Santo sobreviveu

Fica no ar uma questão: para que queriam afinal Bataglia, Sobrinho e o Grupo Espírito Santo um pequeno banco que nunca foi além de uma agência bancária em Brazzaville, fora do triângulo estratégico que Ricardo Salgado durante anos defendeu para o BES, ligando Península Ibérica, Angola e Brasil? Em que medida poderia um pequeno banco no Congo, com resultados económicos inexpressivos, servir os interesses do GES?

Em 2017, o BESCO tinha 24 funcionários e um total de 810 clientes, em que se incluíam 360 empresas e 450 particulares. Um ano antes a agência em Brazzaville tinha apenas 337 clientes (192 empresas e 145 particulares). Os números do negócio eram também pouco relevantes quando comparados com a escala da operação em Angola e outros negócios do BES.

Depois da queda do BES, no verão de 2014, o banco liderado por Ricardo Salgado transformou-se em Portugal no Novo Banco. Mas quanto ao BESA, as autoridades angolanas decidiram tomar o controlo da instituição, que pouco depois foi renomeada Banco Económico. Certo é que ainda hoje os registos do governo congolês continuam a apontar o BESA como acionista do BESCO.

Um documento de final de 2016 da justiça congolesa a que o Expresso teve acesso mostra que a marca Espírito Santo, que historicamente ficou associada ao BES, ainda era usada nos carimbos do BESCO mais de dois anos depois da queda da instituição liderada por Ricardo Salgado. E o banco foi sobrevivendo. Na rede social Linkedin é possível encontrar vários profissionais que até ao final do ano passado ainda trabalhavam para o Banque Espírito Santo Congo.

O BESCO sobreviveu à queda do BES e atravessou a pandemia. Mas em janeiro de 2021 o Governo congolês decidiu retirar ao BESCO a licença de concessão de crédito, bem como a autorização da diretora-geral do banco para liderar a instituição. Os despachos que o determinaram são omissos quanto às razões para tal.

Mas já em 2018, no relatório do Ministério das Finanças sobre o sistema bancário congolês relativo a 2017, eram apontadas várias falhas ao BESCO. Uma delas era a inexistência de um membro independente no conselho de administração. Outra era a falta de mecanismos de vigilância.

“A convenção para a harmonização da regulamentação bancária nos estados da África Central prevê no seu artigo 18 que a direção geral das instituições de crédito deva ser assegurada por pelo menos duas pessoas. No entanto, com a existência de apenas uma dirigente, o BESCO não respeita o princípio dos quatro olhos”, refere o relatório consultado pelo Expresso.

Mais: também a certificação de contas revelava falhas, já que as contas do BESCO eram auditadas apenas pela EY e não por duas entidades. “À data de hoje, a instituição BESCO não respeita as disposições do artigo 19 do anexo da convenção para a harmonização da regulamentação bancária nos estados da África Central relativa à certificação de contas, que devem ser certificadas por pelo menos dois contabilistas”, constatou o mesmo relatório de 2018 do Ministério das Finanças do Congo.

Mais recentemente, o BEAC, entidade que procura a integração monetária e estabilidade financeira da África Central (Congo, Camarões, República Centro-Africana, Gabão, Guiné Equatorial e Chade), emitiu, em dezembro de 2020, o seu relatório anual de política monetária. O BESCO, um dos 51 bancos monitorizados na região, não era mais que uma nota de rodapé.

“Os dados do BESCO não foram tidos em conta por estar em falta a sua declaração periódica”, pode ler-se no documento. No mês seguinte o BESCO perdeu a licença de crédito para operar no Congo. Era um dos últimos redutos da marca Espírito Santo enquanto banco. Au revoir, Brazzaville.

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