O Presidente de Angola, João Lourenço, e o Procurador-Geral da República (PGR), Hélder Pitta Grós, terão aprovado, em 2019, um acordo que permitiria à Sonangol e a Exem Energy, de Sindika Dokolo e Isabel dos Santos, resolverem o conflito que tinha sido criado à volta da participação de 45% da Esperaza no capital da Amorim Energia, a qual detém 33,34% da Galp.
Um documento oficial da Sonangol, a que o Negócios teve acesso, refere explicitamente que a "celebração do acordo de transação definitivo" vai ser feito "após aprovação do Titular do Poder Executivo e da Procuradoria-Geral da República" e "por vontade expressa dos membros do conselho de administração" da Sonangol.
A deliberação, datada de 13 fevereiro de 2019, é assinada por toda a administração da petrolífera angolana, então liderada por Carlos Saturnino e da qual já fazia parte o atual presidente, Sebastião Gaspar Martins. Isabel dos Santos dirigiu a Sonangol entre 2 de junho de 2016 e 15 de novembro de 2017, data em que foi exonerada pelo Presidente da República, João Lourenço. A empresária havia sido nomeada para o cargo pelo pai, José Eduardo dos Santos, que era então chefe de Estado.
O acordo definia que a Exem pagaria 72 milhões de euros à Sonangol para pagar a sua dívida e que esta transação seria consumada "mediante a transferência das ações correspondentes da Exem sobre a Esperaza, a ser realizada de forma concomitante com a cisão de capital desta sociedade. Desta forma, seria feita uma separação ao nível da Esperaza BV, ficando o capital da atual Esperaza a 100% na petrolífera angolana. Por sua vez, Sindika Dokolo, dono da Exem, ficaria livre para criar uma nova sociedade para deter a respetiva participação na Amorim Energia, "devidamente ajustadas em função da compensação da dívida para com Sonangol com ações da Exem".
Em outubro de 2018, para "não alimentar controvérsia", Isabel dos Santos anunciou que tinha decidido retirar uma queixa-crime por difamação apresentada contra Carlos Saturnino, o que poderá ter contribuído para desanuviar as relações entre as partes.
O entendimento acabou por não se materializar e a 30 de dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo (falecido a 29 de outubro de 2020), e de Mário Leite da Silva. A 19 de janeiro de 2020, surgiu o "Luanda Leaks", uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas, divulgada em diversos jornais internacionais e baseada em 715 mil documentos, na qual se concluía que a fortuna de Isabel dos Santos havia sido construída com base nos privilégios decorrentes do cargo do seu pai, José Eduardo dos Santos (falecido a 8 de julho de 2022).
Este acordo é referido por Mário Leite da Silva numa carta enviada ao Procurador-Geral da República da Angola a 24 de junho deste ano e rececionada três dias depois.
Na missiva, para a qual ainda não obteve resposta, o antigo braço direito de Isabel dos Santos manifesta "um anseio e um desejo: o desejo de que as autoridades judiciárias angolanas consigam, através da legalidade, esclarecer que nos negócios da senhora engenheira Isabel dos Santos e do seu falecido marido, senhor dr. Sindika Dokolo, desempenhei funções profissionais mas não pratiquei qualquer ato digno de censura criminal".
Documentos escondidos de forma deliberada
O gestor diz que estes documentos "foram escondidos deliberadamente das autoridades judiciais holandesas, desrespeitando uma ordem do tribunal arbitral que intimou a Sonangol a apresentar todos os documentos existentes sobre este acordo com a Exem". Refira-se que, a 27 de julho do ano passado, o Tribunal Arbitral Internacional reconheceu a Sonangol como única proprietária da Esperaza BV, e, por esta via, do investimento na Galp, afastando Isabel dos Santos.
Segundo Mário Leite da Silva "tais documentos, a terem sido juntos ao processo arbitral holandês, levariam muito provavelmente, desde logo, à extinção de tal instância processual por inutilidades superveniente da lide". Em vez disso o tribunal deu razão à Sonangol "ao proclamar (sem competência nem fundamento) os conceitos de transação cleptocrática e de corrupção no investimento.
O gestor português sublinha que a decisão do tribunal arbitral "teve reflexos imediatos a nível público e mesmo em processo de natureza criminal pendente em Portugal na qual foi acolhido o facto que o órgão arbitral deu como assente, tendo isso com graves prejuízos à minha pessoa que não fui parte do litígio cuja arbitragem permitiu tais indevidas conclusões".
Jornal de Negócios