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"Líderes de África não têm alma africana" - Bispo Tocoísta

"Líderes de África não têm alma africana" - Bispo Tocoísta

Post by: 10 May, 2019

O líder espiritual da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (Tocoísta), Afonso Nunes, afirmou que as lideranças políticas de África ainda "não têm alma africana" e devem trabalhar muito para levar os seus povos à independência económica, financeira e científica.

Em entrevista exclusiva à ANGOP, a propósito dos 70 anos da Igreja Tocoísta e do estado actual da nação, o bispo sustenta que esses líderes precisam de renascer, olhar para atrás e estudar o pensamento dos panafricanistas, para entenderem o que se queria de África?

Durante a conversa, Afonso Nunes fala sobre as relações entre a igreja que dirige e o Governo, as políticas do Presidente da República, João Lourenço, e o estado actual da economia nacional, além de apontar caminhos para a consolidação da reconciliação entre os angolanos.

Saúda os esforços do Executivo angolano no combate à corrupção, e afirma que a economia angolana não precisa de continuar refém do petróleo.

Nesta entrevista, o bispo tocoísta aflora a questão do processo autárquico, previsto para se iniciar em 2020, e põe o "dedo na ferida" em relação à questão da proliferação religiosa. A seu ver, a Igreja, no país, está "a ser brincada e transformada num negócio humano".

Eis a íntegra da entrevista:

Angop (ANG) – Senhor bispo, a Igreja Tocoísta celebra a 25 de Julho próximo 70 anos de existência. Que análise faz da vossa trajectória?  

Bispo Afonso Nunes (AN) - Primeiro queremos agradecer a Deus Pai, que nos ungiu e consagrou para a sua missão, e concedeu o momento para essa entrevista. Setenta anos é um tempo muito longo. Naquilo que é a história bíblica, é um momento muito importante, por significar 70 anos que Israel, segundo a profecia de Jeremias, terá permanecido na terra dos caldeus, a Babilónia. Naquilo que é a numerologia, é um momento muito importante na vida da Igreja. Olhando para trás, podemos dizer que até aqui o Senhor nos ajudou, porque tivemos momentos muito difíceis. Desde a nossa existência como povo, que queria ser livre de qualquer dominação espiritual ou outra repressão, nós tivemos que atravessar dificuldades enormes. Muitos dos que queriam ver esse dia não puderam, porque morreram cedo e graças a essas mortes, também, a igreja conseguiu germinar num solo que recebeu e embebeu-se deste sangue. Temos três a quatro etapas da nossa trajectória até chegarmos aos 70 anos: a primeira é a descida do Espírito Santo e automaticamente a relembrança da Igreja. A segunda vai começar três meses depois, com as cadeias de 22 de Outubro de 1949, que vão dar sequência até 09 de Janeiro de 1950 e continuam até 1974, quando o regime fascista português, dirigido por Marcelo Caetano, cai. A outra etapa começa de 1974 até 1983. Depois começa uma outra de 1983 até 2000 e de 2000 até ao tempo actual. Significa que temos cerca de quatro etapas.

ANG – Qual é, nesta altura, o número real de tocoístas no mundo?

AN - Até aqui não fizemos ainda um levantamento exacto, mas nos nossos balanços estamos acima de dois milhões de crentes.

ANG - Além de Angola, em que outros países estão implantados?

AN - Temos igreja na República Democrática do Congo (RDC), como ponto de partida, na Namíbia, África do Sul, Zimbabué, Moçambique, Malawi, Zâmbia, República do Congo, Brasil, em quase todos os países da Europa, uma representação que está a crescer no Japão e núcleos que estão a surgir nos Estados Unidos da América (EUA), o que demonstra que estamos aproximadamente em 40 países.   

ANG – Tem sido fácil liderar uma igreja de âmbito mundial, com fiéis de várias tendências culturais e sociais, a partir de África?

AN - É um desafio. Por isso, logo que designamos a igreja como de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, tínhamos de estar preparados. Mesmo em Angola, a igreja está constituída por pessoas de várias tribos, etnias e línguas, o que constitui um desafio manter todos unidos. Agora, englobando outras nações e raças que não são angolanas, o desafio é maior. Mas, por ser uma missão espiritual e uma orientação que vem de cima, até aqui temos levado todos no mesmo caminho, com obediência àquilo que é a doutrina e aos preceitos da igreja.   

ANG – Falando em tendências, como anda o processo de reconciliação da igreja, que se iniciou em 1996 e havia atingido um marco significativo em 2017, com a anulação do Decreto do Estado que reconhecia os tocoístas em três alas?

AN - Nós pensamos que a reconciliação é um processo que não é fácil. Cristo veio para reconciliar os homens de Deus, mas até hoje a reconciliação continua. Assim também é com a Igreja Tocoísta, que tem vivido os seus problemas, depois do acontecimento mau (morte do fundador Simão Toco) que dividiu a igreja desde 1984. Como igreja espiritual, dirigida pelo Espírito Santo, aconteceu aquela primeira reconciliação de 1996, através do mensageiro Fernando Chiuale. Em 2000, quatro anos depois, vem o bispo Afonso Nunes, agora personificado pelo próprio dirigente (Simão Toco), que tem levado a cabo essa missão. Hoje, podemos dizer que a igreja está num nível maior e melhor do que todos os outros níveis que já terá atingido. Por isso, vamos continuar e estamos a continuar a dialogar com aqueles que ainda estão de fora. Mesmo nesta sala têm decorrido reuniões com aqueles filhos de Deus que ainda estão fora, para que possam também entrar. Significa dizer que o processo de reconciliação está no bom caminho e estamos em crer que, como obra de Deus, certamente só ficará de fora o filho da perdição.

ANG – Esse processo sofreu algum revés, depois do Acórdão do Tribunal Supremo, de 30 de Julho de 2018, que anulou o despacho nº 396/15 de 16 de Novembro, do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, que acabava com o reconhecimento tripartido?

AN - Está a decorrer com aqueles que estão abertos a ouvir a voz da reconciliação. Os outros ainda têm algum tipo de reticências, mas a igreja mãe continua a insistir. Essa é a responsabilidade da igreja mãe. Agora, em relação aos três reconhecimentos, pensamos que foi também um duro golpe o Estado ter aceite um pedido dos próprios protagonistas da divisão da igreja. Não deveria aceitar o Estado angolano, naquela altura (1992), dar três personalidades jurídicas a três pessoas que representam a mesma igreja, porque a Igreja Tocoísta, como tenho dito, é uma propriedade daqui e o Estado tem de cuidar do seu património.

Penso que foi um erro crasso que terá sido cometido. O Governo tem reconhecido desde que voltei, e tem procurado minimizar a situação da igreja, para que volte a ser como foi no princípio. Quanto à anulação que o então ministro da Justiça fez ao antigo reconhecimento (tripartido), penso que foi uma atitude, digamos assim, não somente patriótica, mas também com sentido de Estado. Ele tomou aquela decisão que é valida, tanto na terra, quanto nos céus. Imediatamente, foi suspenso o acórdão (do Tribunal Supremo) que estava a invalidar o despacho do ministro, o que demonstra que o Estado angolano, hoje, reconhece que a Igreja Tocoísta é um património que deve ser preservado e toda querela deve ser tratada a nível da igreja.

ANG – A Igreja Tocoísta é considerada uma das precursoras dos ideais de paz e da liberdade no continente africano. Em seu entender, o que falta fazer para que o africano se sinta, verdadeiramente, livre social, política e economicamente?

AN -  Não é possível cumprir com tudo, porque a própria vida tem uma dinâmica constante. Por isso, o cumprimento das coisas leva o seu tempo. Mas estamos certos de que uma boa parte daquilo que se pretendia foi concretizado, que era a liberdade religiosa. Nós, angolanos e africanos, temos a nossa própria religião, dirigida por nós e que vai para o Mundo. As independências, que eram elementos importantes e que levaram muitos tocoístas à morte, foram conquistadas. Mas nós ainda não estamos satisfeitos, porque independência dos países sem a independência económica e financeira não é independência. A Igreja Tocoísta estaria muito bem, se a África tivesse a independência económica e financeira, que facilitaria também a sua própria missão. Infelizmente, ainda tem pobres, porque ainda não temos esse elemento importante. A falta de conhecimento, que deveria industrializar a África, para que fosse um continente industrializado, onde os seus produtos e matérias-primas seriam transformados aqui e vendidos fora (como acabados), faz que nos sintamos não realizados no nosso propósito, porque não se pode conquistar o Espírito Santo sem o poder económico e financeiro.

ANG - Sente que os governos de África estão a adoptar as melhores políticas para valorizar o africano e reduzir o impacto dessa dependência económica e científica?

AN - Têm feito o que têm feito até agora, mas na minha visão ainda falta muito por fazer. Deveriam ser eles próprios autênticos e não, como são ainda até hoje, vassalos empurrados para onde vai o vento. Por isso eu tenho dito, de forma muito firme, que os nossos líderes políticos deviam trabalhar muito mais para alcançar a independência total que procuraram aqueles que lutaram para isso e não servirem, simplesmente, de peões e de marionetes dos outros que lhes comandam, dirigem e nada fazem a não ser tirar o que está aqui. Nós temos acompanhado relatórios internacionais que relatam, em termo financeiro, quanto é que África perde por ano e o que sai daqui para outros continentes, o que demonstra que os nossos líderes africanos ainda não têm alma africana. Eu volto a dizer, precisam de renascer, olhar atrás e, sobretudo, estudar qual foi o pensamento dos panafricanistas, o que é que eles queriam com a África?

Se esse elemento não estiver nos seus corações, para poderem de facto agir como africanos, debalde será o nosso esforço. Infelizmente morreremos sempre com as lágrimas nos rostos, porque o nosso povo vai continuar a sofrer, vai continuar a sentir na pele e na carne as dificuldades que deveriam ser evitadas. Por isso, concluindo com essa pergunta, digo que falta ainda muito por fazer e deviam trabalhar para isso e não, somente, meterem sapatos caros, relógios caros e fatos caros nas reuniões da União Africana (UA) e depois disso cada um vai para o seu caminho. Se a UA não tem uma infra-estrutura construída pelos africanos, com o dinheiro dos africanos, como vão ser independentes? Se um secretário-geral de um continente como o nosso não tem um avião comprado com dinheiro africanos, minha vida, quem são eles?          

ANG – Mudando o foco. O Governo angolano  tem  apostado  numa campanha de moralização da sociedade, para resgatar os bons costumes. Qual  tem sido o papel da Igreja, em particular da Tocoísta, nessa acção?

AN -  Nós pensamos que o resgate dos valores morais, religiosos e cívicos é a nossa missão, por isso a igreja existe para trazer ao Mundo uma nova forma de ver as coisas e se relacionar com o próximo. A palavra amor é a palavra central do cristianismo. Onde há amor, existem princípios e regras que se estabelecem e não podem ser violadas. Se não aceito que me roubem, também não posso roubar. Se não aceito que violem ou que alguém venha estuprar a minha mulher, não posso estuprar a mulher do próximo, se não gosto que o meu pai seja ofendido, também não posso ofender o pai do outro. São valores fundamentais que o cristianismo leva até hoje, mas é uma luta, como disseste bem, um resgate. Resgate significa voltar a ter algo que você perdeu, está nas mãos de outro e tem de recuperar. É algo que não é fácil de resgatar, porque o inimigo Satanás roubou estes valores. A igreja, a família, a escola e o Estado, as quatro instituições têm a responsabilidade de resgatar os valores fundamentais, que passam pela educação, não somente instrução como as escolas dão, mas também educação.

ANG - Insisto no assunto. O que é a Igreja Tocoísta tem feito em prol deste resgate?

AN – Nós temos dentro da igreja os órgãos sociais, os conselhos da mulher, da juventude, da criança e a ordem dos homens, que servem para passar os ensinamentos de Jesus Cristo, a norma estabelecida pelo próprio Jeová Deus. Por isso temos palestras, escolas dominicais, entre outras acções em que estas orientações são passadas, para formatar a consciência dos nossos membros e fugirem do mal e praticarem o bem.

ANG – Senhor bispo, no âmbito da operação resgate, muitas igrejas foram encerradas e proibidas de exercer a sua actividade. Acha esta medida acertada ou o Executivo devia ser mais flexível e buscar outras soluções?

AN - Aqui estamos perante uma espada de dois gumes. Tem de saber, meu caro jornalista, que desde então Deus trabalhou, tanto nos profetas, quanto nos generais, ou nos reis. Houve momentos em que os reis falhavam e Deus levantava profetas para chamar a atenção. Houve outros momentos em que o povo falhava e levantava o rei para disciplinar a religião. Isso podemos ver no século XVI antes de Cristo, quando o Rei Joás vai fazer uma reforma do culto depois de o mesmo ter sido desviado. A adoração a Deus foi desviada e ele colocou traços nos t’s e pontos nos i’s, mandando partir todos os ídolos onde adoravam deuses estranhos e chamou o povo à adoração verdadeira. Foi isso que aconteceu no nosso país. Se, por um lado, o Estado precipitou-se, segundo dizem, por outro lado a igreja falhou. A maneira como a Igreja estava a ser levada, e ainda continua a ser levada até hoje, porque houve poucas mudanças, não é a boa maneira. A palavra de Deus não é para ser brincada e transformada num negócio humano. É isso que estávamos a viver aqui. Cada um dormia a dizer eu tenho a minha igreja aqui, chamava o seu filho e a sua mulher, o filho se tornava o financeiro, a mulher a secretária, tocava o batuque e começava a ter dinheiro para poder viver bem. Penso que  era chegado o momento para o Estado colocar de facto regra nisso, embora, se calhar, a medida não tenha sido a que todos desejavam. Mas toda Lei, em princípio, não é agradável, sobretudo para quem está à margem da Lei.

ANG - Em sua opinião, as 60 mil assinaturas para legalizar uma igreja, como estipula a Lei sobre Liberdade de Religião, Crença e Culto, aprovada em Janeiro último, será a melhor forma de acabar com o problema da proliferação?

AN - Discutimos essa questão antes da aprovação da Lei. Participamos na sua elaboração, até porque a anterior exigia 100 mil assinaturas e isso tudo foi para tentar impedir que houvesse o surgimento de várias igrejas. Mas, infelizmente, não se conseguiu travar e agora temos 60 mil, que é um número muito grande para quem quer começar. Não é possível atingir esse número, ainda que seja em dez anos ou vinte anos. O Estado buscou esta medida para travar a proliferação, o crescimento desordenado da Igreja, mas também podemos dizer que a própria Igreja deve ensinar a si mesma. Não podemos somente dizer que o Estado agiu mal, na medida em que a Igreja também estava a andar mal, havia uma desordem total que não se pode admitir. Deus, como já disse, não usa só pastores, também usa o Estado, por isso espero que haja eficácia nesta medida, para haver um pouco de disciplina na criação das próprias igrejas. Hoje tenho ouvido, como no passado, pessoas a dizerem eu também fiz a minha igreja. E eu pergunto, a igreja é sua? Então é uma empresa que você criou. Por isso, eu acho que a medida é certeira, agora os procedimentos para a sua aplicação por vezes pecam um pouco, visto que há igrejas reconhecidas que estão a ser fechadas porque não têm um bom espaço de culto, não têm um templo bem construído. Penso que é difícil obrigar as igrejas a terem bons templos, enquanto o país não tem ainda boas infra-estruturas. É um paradoxo isso.

ANG - O Senhor bispo é bastante interventivo e atento às questões do país e do Mundo. Como caracteriza, hoje, a situação política e económica de Angola?

AN - Penso que a situação económica do país não é boa e todos sabem dessa realidade. O povo está a sofrer cada vez mais, assim como está a perder o poder de compra todos os dias. Os trabalhadores hoje estão a ter uma vida cheia de dificuldades, porquanto quem ganhava 50 mil kwanzas há cinco anos hoje é equivalente a mil dólares. Hoje, 50 mil kwanzas só valem se calhar 100 dólares, o que demonstra que há sofrimento.

Mas podemos também compreender, como já disse atrás, que o nosso país é dependente, depende da decisão dos outros e somente depende do petróleo. Tem de haver coragem da nossa parte para deixarmos de depender apenas desse produto interno que é de facto o único que traz divisas para o país e Angola não precisa de ser refém do petróleo, porque tem tudo. Por isso, a nossa economia não está bem. Não estando, o povo sofre. O Presidente da República, João Lourenço, antes da sua tomada de posse, dois dias antes, conversava comigo e sabia que teria dois anos de muitas dificuldades e depois é que iria dar os primeiros passos para aquilo que seria a nova era. Mas pensamos que também é o momento em que os angolanos devem aprender a gerir o pouco que têm, para quando as coisas melhorarem poderem ter um pouco mais. Esperamos que tudo se faça para melhorar a economia para o nosso povo viver bem. Não estamos condenados a viver mal, somente as nossas consciências nos levam a viver mal. Por isso, espero que os gestores actuais, a todos os níveis, aprendam isso.

ANG -  A seu ver, a luta contra a corrupção está a ser bem conduzida?

AN - Angola está a fazer um caminho inédito, sobretudo em África. Não são muitos exemplos assim, sobretudo em que a própria pessoa que comete coloca-se à lupa para ser vasculhada, pois, quem está a fazer a luta contra a corrupção é o próprio MPLA que está na governação durante muito tempo. É uma atitude de coragem. Agora os resultados ainda não são bem visíveis, porque é uma actividade muito difícil de combater. A corrupção é uma teia que se enrola e quando você vê já tem flores em cima das árvores na floresta, porque em baixo já criou o que chamamos de rodilha grande. Para desactivar não é algo de dois minutos, é preciso paciência, sabedoria, entrega e sobretudo coragem de quem está à frente a liderar o processo. Tem de ter coragem, porque este tipo de comportamento cria também anticorpos e resistem contra as acções externas. É preciso que todos os angolanos não deixem isso só para o Presidente da República e tenham consciência de que é um bom combate que se está levar a cabo, para que possamos moralizar a nossa sociedade e a nossa economia, as nossas finanças, as nossas empresas e assim podermos, amanhã, ter um bom país.

A minha recomendação é que quem está à frente deste combate não deve baixar a guarda, tem de continuar nessa luta, sejam quais forem as dificuldades que encontrar. Com a ajuda de todos deve continuar, para que se possa expurgar da consciência dos angolanos o pensamento de é de todos é meu.

ANG  - Quanto às medidas económicas do Governo, que já anunciou uma revisão em baixa do OGE 2019, satisfazem as expectativas?

AN - Pensemos naquilo que  já  disse atrás. Ao confiarmos somente no petróleo, estamos sujeitos a este tipo de revisões em baixa. Quando se aprovou este orçamento, se fosse como nos países onde antigamente se consultava os homens de Deus, eu teria emitido a minha opinião. Diria que, pelo menos, deveriam elaborar um orçamento com preço de referência de 50 dólares o barril do petróleo, não 68. Mas como o Mundo de hoje acha que está em condições perfeitas para a sua própria consciência fazer tudo, então erram nas previsões. Volto a dizer, se nos consultassem, eu teria dito que não, aí não, fica um pouco mais para baixo. Porque é melhor estar em baixo e subir, do que estar em cima e descer. Isso cria sempre constrangimentos.

Infelizmente teriam que fazer isso, porque se você não tem cinco quilos de fuba não pode ter três litros de água na panela, sob pena de fazer papa, pois tem de ter dois litros e meio água para poder fazer o funge e estar em condições. Isso significa que a medida é boa, mas a precipitação de olhar para muito longe levou a esta previsão errada. Aliás, hoje os economistas no Mundo sempre erram, nunca mais tiveram previsões acertadas, porque confiam mais nas suas consciências e na ciência, abandonaram aquele que tem todo o poder e consciência e isso não é só em Angola. Todas as previsões no Mundo falham, por causa deste desvio que o Mundo vive. Espero que sejam prudentes na previsão que vão fazer, para evitar que hajam mais erros e se possa, no futuro, ter uma execução financeira mais de acordo com a realidade do país.

ANG – Senhor bispo, que perspectivas se abrem para o povo, com a realização das eleições autárquicas, previstas para 2020?

AN - Penso que a perspectiva é boa, porque é uma descentralização do exercício do poder, não só do exercício da autoridade, mas também económica e financeira, que vai ajudar o próprio povo naquilo que se vai realizar na circunscrição, assim como permitirá um melhor acompanhamento na comunidade. É boa iniciativa e esperamos que tudo corra em conformidade com o que está a ser planificado. Quando nós (tocoístas) realizamos a nossa conferência sobre as autarquias, tínhamos dado duas versões. Se não se pode realizar de forma generalizada em todo o território nacional, que se reduzisse o tempo. Em vez de ser 15 anos, que fossem 10. 

Um grupo de municípios primeiro, depois de cinco anos outro. Enquanto os outros esperam por esta ascensão, que fossem também municiados com recursos financeiros e humanos, para que, quando terminarem os cinco anos, que é fase em que vão ser também abrangidos, tenham já as mínimas condições criadas e subam a este nível com capacidade de caminhar com os seus próprios pés. Estamos em consonância com o que é agora o pensamento do próprio MPLA. Há dias estive com a vice-presidente desse partido, que também nos deu esta versão que tínhamos proposto.

Deus sempre dá duas escolhas e cada uma com as suas consequências. E foi o que nós fizemos. Cinco anos é bom, mas em caso de dificuldades 10 anos e não 15. Se não pode fazer em todo o território nacional, de uma só vez, então que se faça em duas fases: a primeira em 2020 e a segunda em 2025, altura para terminarmos tudo e todo barulho. Já disse que não há mais discussões tão acaloradas, porque cinco anos não é um tempo longo para que possam discutir, pois o tempo foi encurtado e também a prudência é a melhor divisa para fazer bem as coisas. Por isso, estou de acordo que se faça desta forma, desde que a escolha dos primeiros municípios não seja somente ao nível do litoral, mas que também possam abranger os que estão na Angola profunda, para que na próxima sejam também elevados à categoria de autarquias e o processo culmine. Porém, as pessoas devem saber que as autarquias  não são uma varinha mágica onde tudo vai acontecer de repente. Os municípios que ascenderem à categoria de autarquia não terão todos os problemas resolvidos ao mesmo tempo, terão que ultrapassar um determinado período para que as autarquias possam solucionar os problemas mais prementes das populações, uma vez que alguns não vão ter ainda uma autonomia financeira como desejam. Este facto não ocorre somente em Angola, mas em outros países também, por exemplo Portugal, que começou há quase 40 anos, mas tem municípios que somente agora estão a ser autonomizados em dotação financeira. Um país como o nosso não foge à regra.

Este processo tem de ser levados a cabo paulatinamente, pois é um exercício novo em que o próprio autarca tem que aprender ainda como manejar os dinheiros, uma vez que não vai ser como agora, em que o administrador municipal recebe cinco milhões ou 10 e quando se lhe pergunta onde foi o dinheiro responde que não sabe. Os políticos que têm esta responsabilidade no Parlamento que sejam, acima de tudo, patriotas e encontrem consensos, para que o processo não crie mais discrepâncias.

ANG - Senhor bispo, além das autarquias, quais os grandes desafios que se colocam ao Presidente João Lourenço, até ao fim do seu mandato?

AN - A tarefa do Presidente João Lourenço é fazer com que todo angolano se sinta feliz com a distribuição equitativa da riqueza, em que até o pobre consiga comer três vezes ao dia. Não é tarefa de cinco anos, mas tem de começar, como está a começar, e precisa do apoio de todos para conseguir levar a bom porto. Mas cinco anos são apenas para começar. Se calhar, num segundo mandato, se Deus quiser, vai tentar completar a parte que vai ficar no primeiro mandato. Então, tem esta tarefa árdua de satisfazer os angolanos que têm tantos anseios e ficaram muito tempo fechados, e hoje estão como galinhas que estavam na gaiola e saíram todas ao mesmo tempo e todas gritam.

Então, quem está com a responsabilidade de velar por essa situação tem nas suas mãos uma responsabilidade tremenda. Mas, como tenho dito várias vezes, Deus não indica só. O cargo de Presidente da República não é só para quem quer, é para quem ele aceita e indica.

ANG – Já que fala sobre essa providência de Deus, em certos círculos sociais diz-se que o senhor bispo é uma entidade muito chegada ao MPLA. Quer comentar?

AN - Eu tenho dito várias vezes que não tenho qualquer filiação partidária, mas como cidadão e líder espiritual tenho a minha visão das coisas e posso, em algum momento, pronunciar-me de uma forma que as pessoas não entendam. Como líder espiritual muito mais, aceitamos o que está bom e criticamos o que está mal. Eu não tenho cartão do MPLA e nem posso ter, por causa da minha responsabilidade. Mas o MPLA é o partido que governa este país. É aqui onde reside o problema que os angolanos devem aprender. O governo dirigido pelo MPLA não é o MPLA. Não é a mesma coisa eu participar numa actividade organizada pelo Governo suportado pelo MPLA e participar numa actividade do partido. As pessoas pensam que, por o Presidente chamar e eu ir, também tenho de ir se um partido chamar. Não é assim. Governo é Governo e partido é partido. Nós temos de ter mais aproximação com o Governo, porque está a dirigir o país e é com ele que temos de tratar os assuntos relacionados com a nação e com o povo. Os partidos são importantes, mas a nossa relação mais directa é com o Governo.

ANG – Já na recta final, senhor bispo, quais foram os grandes projectos sociais da Igreja Tocoísta, ao longo dos seus 70 anos de existência?

AN – Da 1ª à 3ª etapa da relembrança da igreja, não fizemos quase nada, mas na quarta etapa, que é a actual, temos projectos que vieram de 1950, 1974 e 1975, os quais  estamos a realizar agora, como a construção de escolas, templos, hospitais e universidades. De 2000 até aqui, estamos a realizar isso não somente em Angola, mas também em outros países onde não tínhamos pelo menos uma infra-estrutura. Hoje temos umas construídas de raiz e outras compradas. Em Angola estamos, de acordo com as nossas capacidades, a construir escolas, postos médicos, templos em todo o território nacional e estamos a projectar construir um grande hospital. Pensamos que, em termos sociais, estamos a dar um passo que foi impedido durante muitos anos, porque a Igreja Tocoísta é do povo para o povo, dos pobres para os pobres. 

ANG - Para terminar, uma mensagem aos angolanos sobre a forma como deverão olhar o país, a fim de se criar uma sociedade mais justa, amenizada e próspera.

AN - Nós pensamos que é tempo de viver em paz e agradecermos o Despacho Presidencial que cria a comissão para a reconciliação, sobretudo para que todos os que sofreram com a guerra possam ser ouvidos ou homenageados. É uma atitude nobre e necessária, mas acima de tudo, além das homenagens, o ponto mais importantes é o perdão. Chegou o momento de o país pedir perdão aos seus filhos, pois, de uma maneira ou outra, todos os angolanos sofreram. Com esta decisão do Presidente da República de pedir perdão, irá cancelar todas as mágoas e Deus Pai irá contentar-se. A iniciativa é muito boa e os tocoístas têm uma palavra a dizer, uma vez que muitos não foram mortos pelos colonos, mas sim durante o conflito, devido às suas ideologias diferentes. Isso levou a que muitos tocoístas fossem massacrados. Nós temos valas comuns e esta atitude vai sarar, de facto, estas feridas que ainda existem. Temos a dizer que o Presidente João Lourenço tomou uma atitude muito oportuna e espero que a comissão trabalhe como deve e ouça todos. Quando se fizer esta homenagem e o perdão da nação aos seus filhos que tombaram directa ou indirectamente, aí vamos ter um país a surgir e certamente Deus, nos céus, se sentirá satisfeito quando os homens reconhecerem a sua culpa.

Last modified on Friday, 10 May 2019 16:19
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