Num comunicado enviado minutos depois das 10h30 à comunicação social (documento em PDF), a Procuradoria-Geral da República anuncia que José Sócrates está acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada. O Ministério Público especifica que o antigo primeiro-ministro acumulou na Suíça 24 milhões de euros "com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale de Lobo".
Ricardo Salgado é acusado de 21 crimes (entre eles corrupção activa), Zeinal Bava de cinco e Henrique Granadeiro de oito. Armando Vara, por sua vez, é acusado de cinco crimes.
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal precisa que o despacho final da Operação Marquês tem mais de 4000 páginas e além da acusação integra nove despachos de arquivamento "em relação ao arguidos João Abrantes Serra [ advogado], Joaquim Paulo da Conceição [administrador-executivo do Grupo Lena] e [o empresário] Paulo Lalanda e Castro". Relativamente a este último, adianta a nota, "foi extraída uma certidão para investigação de factos relativos a sociedades que controlava". A PGR explica que o Ministério Público extraiu 15 certidões que lhe vão permitir continuar a investigar suspeitas de crimes relacionadas com este caso em novos processos, agora abertos.
Sobre o conteúdo da acusação, a PGR diz que a investigação se debruçou sobre factos ocorridos entre 2006 e 2015. O Ministério Público considera ter reunido provas que "José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro e também após a cessação dessas funções" cometeu vários crimes, tendo sido corrompido em três ocasiões.
Um dos corruptores activos terá sido o fundador do grupo Lena, Joaquim Barroca, o que, segundo a acusação, "permitiu a obtenção", por parte daquele grupo, "de benefícios comerciais". O amigo próximo do antigo primeiro-ministro, Carlos Santos Silva, "interveio como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o referido grupo", afirma a PGR, que considera o empresário um testa-de-ferro de Sócrates .
O antigo banqueiro Ricardo Salgado também terá pago "luvas" ao antigo governante, segundo a acusação. "Salgado utilizou o arguido Helder Bataglia para fazer circular fundos por contas no estrangeiro contraladas por este último. Todos esses pagamentos eram justificados com contratos fictícios".
O Ministério Público sustenta igualmente que Sócrates "conluiado com o arguido Armando Vara, à data administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD), recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale de Lobo", tendo em vista "facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD".
Segundo a acusação, o dinheiro reunido na Suíça foi, ”num primeiro momento, recebido em contas controladas pelo arguido José Paulo Pinto de Sousa [primo de Sócrates] e, mais tarde, em contas de Carlos Santos Silva (neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca)”.
A nota adianta que o amigo próximo de Sócrates transferiu o dinheiro para Portugal, através de uma “pretensa adesão” ao segundo regime extraordinário de regularização de dívidas ao Estado, com o objectivo de “limpar” o dinheiro e colocá-lo em contas abertas em Portugal. O Ministério Público insiste que apesar dos milhões não estarem em nome do antigo governante, o dinheiro era utilizado no “interesse de José Sócrates”. E servia para financiar todo o tipo de gastos como a aquisição de imóveis, obras de arte, pagar viagens ou comprar exemplares do livro do antigo primeiro-ministro.
Tal acontecia através de "entregas de quantias em numerário a José Sócrates, as quais eram efectuadas com a intervenção de Carlos Santos Silva, mas também dos arguidos Inês do Rosário [mulher de Santos Silva], [do motorista] João Perna e do [advogado e colaborador do amigo do antigo PM] Gonçalo Ferreira".
O Ministério Público afirma que a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava - a quem imputa um crime de branqueamento de capitais e outro de falsificação de documento - aceitou figurar como compradora de uma propriedade conhecida como Monte das Margaridas, em Montemor-o-Novo, adquirido com "um financiamento bancário garantido por Carlos Santos Silva, suportado nos fundos trazidos da Suíça".
A acusação sustenta igualmente que Ricardo Salgado mandou fazer pagamentos a dois antigos gestores de topo da Portugal Telecom (PT), Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. “Entre 2006 e 2010, estes arguidos exerceram funções na administração da Portugal Telecom, tendo aceitado esses pagamentos para agir em conformidade com interesses definidos por Ricardo Salgado para o BES [Banco Espírito Santo] enquanto accionista da PT”, lê-se na nota da PGR.
A acusação sustenta que também por determinação de Salgado, já em 2010 e 2011, “Carlos Santos Silva terá montado um esquema, em conjunto com Joaquim Barroca e Helder Bataglia, com vista à atribuição de nova quantia a favor de José Sócrates”.
A referência diz respeito à forma como decorreu a venda de um terreno do grupo Lena em Angola, conhecido como Kanhangulo, que foi acordado por 35 milhões de euros e acabou por ser vendido por cerca de 20 milhões. Isto já depois de o grupo ter retido um sinal de oito milhões de euros e ter dado o negócio sem efeitos por incumprimento do comprador. Através do pretenso incumprimento do contrato de promessa, diz a nota da PGR, “foi justificada a transferência de uma quantia para as contas do grupo Lena que ficou com o encargo de devolver o mesmo montante a Carlos Santos Silva ou a sociedades do mesmo, para este, por sua vez, fazer chegar o dinheiro a José Sócrates”.
No comunicado, o Ministério Público contabiliza que ao longo do inquérito foram efectuadas "cerca de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, quer domiciliadas em Portugal quer no estrangeiro". (PUBLICO)