Após ter sido criticado por ativistas de ter dado os parabéns ao novo presidente de Angola de forma precoce, Marcelo Rebelo de Sousa estará presente na cerimónia de tomada de posse de João Lourenço em Luanda esta terça-feira. O presidente português já explicou que o relacionamento com Angola “é mais intenso” do que com outros países e até membros da oposição e ativistas reconhecem a lógica diplomática da visita. Continuam, contudo, a tecer críticas ao processo eleitoral que levou Lourenço à Cidade Alta.
Em declarações ao Jornal Económico, o porta-voz da UNITA salientou que “existem entre os dois Estados [Portugal e Angola] relações diplomáticas e penso que é no quadro destas relações diplomáticas que o convite foi endereçado ao Presidente da República portuguesa”, acrescentando que “como penso que foram enviados convites a outros chefes de Estado”.
As declarações do porta-voz da UNITA surgem depois do vice-presidente do partido, Raul Danda, ter considerado que Portugal se tem “vergado” nas relações com Angola e de se colocar numa “situação de verdadeira dependência”.
A UNITA já garantiu que não estará presente na cerimónia: “A não ida à tomada de posse do João Lourenço é uma chamada de atenção de que Angola necessita de processos eleitorais credíveis para que todos se sintam parte deste processo. Queremos processos transparentes”, diz Sakala.
O activista e jornalista Rafael Marques censurou Marcelo Rebelo de Sousa por ter congratulado Lourenço em agosto quando só haviam sido publicados resultados provisórios. “Critiquei e com justiça”, referiu Marques ao Jornal Económico, mas adiantou: “desejo ao presidente de Portugal boa estadia em Angola, assim como a todos os que irão participar na tomada de posse”.
À chegada à capital angolana, onde foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores de Angola, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou à Lusa que se trata de um momento “particularmente simbólico”.
“É um sentimento de grande alegria, um sentimento pessoal, mas sobretudo dos portugueses e das portuguesas que eu represento”, enfatizou.
Questionado sobre o facto de ter sido um dos primeiros presidentes a felicitar João Lourenço pela vitória nas eleições, o chefe de Estado português argumentou que o relacionamento de ambos é “mais intenso do que os outros relacionamentos dos outros Estados”.
Problema estrutural?
Nuno Dala, activista angolano e um dos réus do processo ’15+2′, escreveu, em agosto, uma carta aberta a Marcelo Rebelo de Sousa, na qual acusava o presidente português de ser “totalmente infeliz ao felicitar” João Lourenço pela sucessão a José Eduardo dos Santos, com base em resultados provisórios. Na véspera da cerimónia de tomada de posse, Dala reiterou as críticas ao Presidente da República português e voltou a afirmar que as eleições de 23 de agosto não foram justas. “O grupo dominante, através do MPLA, controla todas as instituições do Estado”, explicou, adiantando que “mesmo que ocorresse o milagre de o Tribunal Constitucional anular as eleições, por exemplo, o acórdão não seria respeitado, e os juízes sofreriam as serias consequências advenientes de terem feito justiça”.
Rafael Marques defende que “os acórdãos demonstram que o Tribunal Constitucional é um atrelado do MPLA” e sublinha que “o problema é estrutural”, referindo-se ao indeferimento por esse tribunal das queixas contra a Comissão Nacional de Angola e negou a ocorrência de irregularidades no processo eleitoral.
“A justiça, no geral, é a vontade dos líderes do MPLA. Por isso, o regime oferece um dos últimos modelos da marca Jaguar a cada um dos juizes do Tribunal Constitucional. As sentenças reflectem o apreço que têm pelos carros, pelos bens e pelo poder. O resto é conversa. Não há dignidade, não há sentido de responsabilidade para com o país, para com o povo angolano e para com a história”, defendeu Marques.
“As eleições de 23 de agosto foram grosseiramente fraudulentas. Disso não há dúvida absolutamente nenhuma. A UNITA agiu como era suposto fazê-lo: pedir impugnação junto do tribunal. Quanto ao acórdão daquela cantina judicial chamada Tribunal Constitucional (TC), não me surpreendi com o seu teor”, argumentou o ativista Nuno Dala.
Eleições autárquicas como objetivo
Alcides Sakala, da UNITA, salientou a posição comum de todos os partidos da oposição. “O apuramento não foi feito conforme a lei”, acusou o porta-voz, acrescentando que “houve aqui um conjunto de irregularidades que retiram a credibilidade e é por isso que os partidos políticos na oposição assumiram posições conjuntas pela forma como a CNE geriu este processo”.
“É um país onde não há respeito pelas leis, infelizmente. Nós em nome da paz, fizemos a nossa declaração de que iriamos continuar o nosso combate nas instituições do Estado: no parlamento angolano. Para que Angola conheça de facto processos eleitorais transparentes”, assegura Sakala.
Questionado sobre os próximos passos a tomar pela oposição, Sakala frisou que o primeiro objectivo estratégico está desenhado: “as eleições autárquicas, que ainda não existem no país”, diz, acrescentando que “é uma questão que há um acordo de princípio entre as forças parlamentares, um acordo jurídico que foi aprovado e que foi consensual mas que queremos agora passar para a prática”.
Jornal Económico