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Capitalistas de pacotilha: cumplicidades envoltas nas fortunas angolanas

Post by: 09 Outubro, 2017

José Eduardo dos Santos (JES) não distribuiu, mas dividiu os angolanos num fosso entre ricos e pobres de proporções medievais

No contexto da distribuição administrativa da riqueza e dos rendimentos, da qual não abriu mão mesmo com as imposições da liberalização económica, José Eduardo dos Santos (JES) não distribuiu, mas dividiu os angolanos num fosso entre ricos e pobres de proporções medievais.

A lista das fortunas angolanas publicada este ano pela revista Forbes aponta, num país com 24 milhões de habitantes e uma riqueza estimada em 75 mil milhões de dólares, apenas 6.100 milionários (de um a dez milhões de dólares) e 320 multimilionários (de dez milhões em diante), o que representa apenas 0,02 por cento da população.

Não se pode dizer, por isso, que com a liderança de JES, os angolanos prosperaram à medida das suas aspirações depois de terem conquistado a soberania e a cidadania – algo a que Agostinho Neto já nos tinha conduzido.

Ocupado a gerir a eventualidade de percalços do novo estabelecimento capitalista, o Presidente exacerbou os temores – nos quais sempre foi muito fértil – do surgimento de núcleos de poder endinheirados que não pudessem ser controlados de dentro do aparelho partidário do MPLA.

É assim que opta por um regime administrativo de formação da classe de capitalistas angolanos, baseado na firme garantia que, quem fosse receber os privilégios, ofereceria uma fidelidade canina ou fosse desprovido da sabedoria e do conhecimento necessário para constituir a ameaça de caminhar pelos próprios pés.

Com as reformas de mercado do começo dos anos 90, o Presidente permitiu primeiro a ascensão de comerciantes angolanos, homens poderosos no cômputo de uma aliança a prazo voltada a enfrentar a (naquele tempo) crónica penúria de bens no mercado de consumo.

A lealdade não se confirmou: em 96, numa altura de aperto na oferta de bens alimentares, JES foi defraudado ao solicitar a selecção de alguns importadores para trazerem do estrangeiro carregamentos de bens da cesta básica como arroz, feijão, óleo vegetal, sabão e outros.

O que chegou a Angola foram toneladas de arroz 25 por cento partido – um arroz para pássaros – e feijão “espera cunhado” – rijo como a pedra –, levando o Presidente a lamentar: “como é que podemos trabalhar com camaradas assim?”

Hoje, ninguém fala de empresários como Mello Xavier ou Pereira da Gama “Alpega”, para citar apenas dois exemplos, porque, a partir daí, JES decidiu seguir o seu próprio caminho, pouco dado a conselhos deliberativos e outras maçadas do aparelho.

Os seus filhos Isabel e Filomeno dos Santos estavam em vias de regressar a Angola depois de cursarem universidades no estrangeiro e sobre eles vieram a recair dos maiores privilégios proporcionados pelo regime, com o que a filha se tornou na mulher mais rica de África.

No espaço de uma geração, a família de JES, filho de um calceteiro da Câmara Municipal de Luanda, saiu da miséria mais abjecta para atingir os mais altos patamares das fortunas do mundo.

Nos anos 90, os negócios na área dos diamantes já beneficiavam alguns generais, via de regra abandonados pelos seus parceiros internacionais agastados com comportamentos usurpadores dos seus sócios angolanos.

Os accionistas angolanos das concessões diamantíferas privadas não realizavam as suas participações, limitando-se, como cipaio atrás do tributo, a ir buscar cada vez mais repetidamente envelopes e depósitos de dinheiro para sustentarem as vidas de opulência que incluíam esposas, concubinas, filhos e enteados, quando os projectos ainda estavam em prospecção: os investidores fugiram deles como o diabo da cruz.

Favorecidos e cúmplices

Pedro Ventura, jornalista de investigação, escreveu no Correio Angolense, a 22 de Junho, como todos os angolanos que se habilitaram, entre 2005 e 2006, à licitação de blocos petrolíferos das bacias do Kwanza e do Baixo Congo, tinham alguma ligação política ao MPLA e ao Governo. Ele não afirma, mas a manobra pode encobrir uma tentativa bem-sucedida de comprar lealdades e implicar políticos do partido nos esquemas de favorecimento.

O jornalista aponta a MAJOFA, onde se juntavam Afonso Van-Dúnem “Mbinda”, Brito Sozinho, Silva Neto e Octávio dos Santos, sobrinho de JES; a Poliedro de Roberto de Almeida, Bornito de Sousa, Generoso de Almeida, Mambo Café, Ruth Neto, Sousa e Santos, Ismael Martins, Noé Saúde, Celestino Dias e Pedro Filipe; a Force Petroleum criada pelo ex-ministro dos Petróleos Desidério Costa e o conhecido “broker” português José Guerra; e a Prodoil, fundada por Marta dos Santos, irmã mais nova do Presidente.

O Grupo GEMA de Carlos Feijó e António Pitra Neto, ambos membros do BP do MPLA, José Leitão, antigo chefe do Gabinete de José Eduardo dos Santos, Joaquim dos Reis Júnior, à data secretário do Conselho de Ministros, e Simão Júnior.

A Falcon Oil de Pierre Falcone e António Mosquito, a Initial Oil de um grupo de ex-executivos da Sonangol do qual alegadamente faziam parte Hermínio Escórcio, Viegas de Abreu, Freitas Jaime, Amadeu Maurício, Lago de Carvalho, a Wodege, eventualmente a mais encoberta de todas companhias petrolíferas angolanas, e a Angolan Consulting Resourcs (ACR) liderada por Carlos Amaral, antigo vice-ministro dos Petróleos.

As associações de capitalistas na banca também estão pejadas de nomes da mesma proveniência política, como são os casos de António Mosquito e Jaime Freitas no Caixa Geral de Angola, Higíno Carneiro, João de Matos e irmãos Faceira (todos eles generais das FAA) no Banco Regional Keve, Sebastião Lavrador (amigo de JES) e Coutinho Nobre Miguel no Banco Sol.

Natalino Lavrador (filho de Sebastião) no Banco Comercial do Huambo, José Leitão no Finibanco, Mário Palhares (ex-assessor económico de JES e ex-governador do BNA) no BNI, Lopo do Nascimento e França Van-Dúnem (primeiros-ministros e ministros do Planeamento) no Banco Comercial de Angola, Kundi Paihama (várias vezes ministro e governador provincial) no Banc, assim como Tchizé dos Santos e “Milucha” Abrantes (filha e mulher de JES) no Banco Prestígio.

Cágados no poleiro

Mas há uma estirpe de endinheirados com reputação de “descerebrados”, em torno dos quais se usa de forma recorrente, nas conversas, o ditado da sabedoria popular angolana segundo o qual “quando se vê um cágado empoleirado numa árvore, alguém o colocou lá”.

Os nomes de Bento Kangamba, Monteiro Kapunga, Henriques Miguel “Riquinho”, Santos Bikuku e Silvestre Tulumba acabaram por aparecer numa lista de devedores do banco público BPC com débitos individuais de centenas de milhões de dólares.

Nas conjecturas mais comuns, conclui-se que nenhum deles “comeu” o dinheiro que lhes é cobrado sozinho, havendo alguns espertalhões que lhes ficaram com a parte de leão.

O Presidente assinou autorizações para o Tesouro fazer emissões especiais de obrigações para capitalizar o banco, inviabilizado depois desses empréstimos se terem revelado de “cobrança difícil”. (Correio Angolense)

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