Num 'post' colocado no Twitter, rede social que habitualmente utiliza para comunicar, João Melo junta-se ainda às vozes em Angola que nos últimos dias reivindicam que o processo iniciado pelas autoridades portuguesas transite para a Justiça angolana, ao abrigo do acordo judiciário assinado pelos dois países.
"O acordo judiciário Angola-Portugal permite que todos os cidadãos dos dois países sejam julgados nos seus países pelos crimes de que foram acusados no outro. No caso, MV [Manuel Vicente], Angola pediu que o processo seja entregue às nossas autoridades, como reza o acordo. Soberania é isso", afirma o ministro João Melo.
"Portugal, ao não remeter o caso a Angola, está a desrespeitar o acordo judiciário mútuo", acrescenta.
O chefe da diplomacia angolana defendeu na quinta-feira a transferência para a Justiça do país do processo que em Portugal envolve o ex-vice-Presidente da República, Manuel Vicente, mas garantindo que Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal.
Em declarações à imprensa, o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, alertou igualmente que Angola não está à procura de "briga", mas que não vai fugir dela, para defender a soberania e dignidade do país.
Em causa está o caso "Operação Fizz", processo em que o ex-vice-Presidente de Angola e ex-presidente do conselho de administração da Sonangol, Manuel Vicente, é suspeito de ter corrompido, em Portugal, Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), do Ministério Público, que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.
Com este pedido, realçou o ministro das Relações Exteriores de Angola, o Estado angolano está apenas a fazer recurso a um instrumento judiciário que existe entre os dois países, de cooperação em matéria judicial.
Para Manuel Augusto, a desconfiança que o Ministério Público (MP) português apresenta em relação à Justiça angolana, de que a mesma não vá levar "esse caso com a seriedade necessária", "é um juízo de valor que não pode existir".
"Portugal e o seu poder político não têm o direito de pôr em causa o nosso sistema judiciário [angolano] até porque se assinaram com Angola um acordo judiciário, é porque reconheceram em Angola um parceiro credível para esse tipo de acordo. Aqui é um problema de soberania, não é um problema de birra, de complexo", atirou.
No referido processo, o antigo vice-Presidente de Angola e atualmente deputado à Assembleia Nacional é acusado de ter praticado alegados pagamentos no valor de 760 mil euros, ao então magistrado para obter decisões favoráveis em dois inquéritos que tramitaram no DCIAP.
Manuel Vicente está acusado de corrupção ativa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
A 04 de outubro último, o procurador-geral da República de Angola disse que as autoridades portuguesas chegaram a equacionar o envio do processo com a investigação ao ex-vice-Presidente angolano para Luanda, mas que recuaram após a publicação de uma Lei de Amnistia.
"Já tivemos várias abordagens. Numa primeira fase, o processo esteve quase a ser transmitido para as autoridades angolanas, as autoridades portuguesas depois fizeram um recuo, quando souberam que tinha sido publicada uma Lei da Amnistia em Angola. Daí para cá tem havido contactos, não só ao nível do Ministério Público, mas também ao nível do Estado, através do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos", explicou o procurador, questionado pela Lusa.
Sob proposta do então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, o parlamento angolano aprovou em 2016 uma Lei da Amnistia, que entrou em vigor a 12 de agosto do mesmo ano, abrangendo todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até 12 anos cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros até 11 de novembro de 2015, excetuando os de sangue.
Entretanto, José Eduardo dos Santos e Manuel Vicente cessaram funções a 26 de setembro, com a posse de João Lourenço e Bornito de Sousa, respetivamente como Presidente e vice-Presidente da República.
Contudo, o novo estatuto dos antigos Presidentes da República, que se aplica igualmente aos vice-presidentes, mantém a imunidade, sendo que no caso de Manuel Vicente, após cessar funções assumiu, a 28 de setembro, o cargo de deputado à Assembleia Nacional.