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Portugal: Ministério Público envia caso Manuel Vicente para o Tribunal de Instrução Criminal

18 Mai, 2017

Tribunal de Instrução Criminal vai decidir se n.º 2 de Angola será julgado em Portugal por corrupção e branqueamento de capitais. Defesa contesta envio decidido por falta de notificação da acusação.

O caso que envolve o vice-presidente, Manuel Vicente, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais entrou numa nova fase

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal remeteu no dia 8 de maio os autos do processo que envolve Manuel Vicente para o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa. As magistradas do DCIAP pretendem com essa decisão que seja iniciada a fase de instrução criminal e que Vicente e mais três arguidos sejam pronunciados para julgamento.

O vice-presidente de Angola foi formalmente acusado a 16 de fevereiro da alegada prática dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais por alegadamente ter subornado o procurador Orlando Figueira para conseguir o arquivamento de uma investigação em que era visado.

Apesar de Vicente ainda não ter sido notificado do despacho de acusação emitido pelo DCIAP, as procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão consideram que se encontram esgotadas todas as diligências possíveis para notificar o ex-presidente da Sonangol do despacho de acusação. Como as magistradas entendem que se esgotaram os prazos para a apresentação dos requerimentos de abertura de instrução, remeteram os autos para o TIC de Lisboa.

Em declarações ao Observador, Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente, assegurou que o MP não notificou a defesa da sua decisão. “Apenas a senhora juíza de instrução o fez”, afirma. “A defesa manifestará agora no processo a sua discordância com mais esta inesperada e estranha iniciativa processual do MP”, diz o advogado. O sócio do escritório Morais Leitão Galvão Teles acrescenta: “Este é o único comentário que quero fazer fora do processo. A delicadeza, a gravidade e a complexidade das questões que estão em causa devem ser abordadas no processo, com ponderação, recato e respeito institucional e sem precipitações e processos de intenção”.

Apenas um dos 4 arguidos acusados pelo DCIAP decidiu contestar a acusação, o que faz com que os seus argumentos sejam os únicos que serão apreciados pela juíza Ana Cristina Carvalho durante a fase de instrução. Trata-se de Armindo Pires, procurador de Manuel Vicente em vários negócios particulares que desenvolveu em Portugal, que foi acusado dos crimes de corrupção ativa (em co-autoria com o advogado Paulo Blanco e Manuel Vicente), de branqueamento e de falsificação de documento (em co-autoria com os restantes arguidos).

O caso do vice-presidente de Angola, contudo, tem contornos especiais devido ao facto de, tal como o MP assume, não ter sido notificado do despacho de acusação. Em relação a Vicente, são dois os cenários em cima da mesa:

Ou a juíza Ana Cristina Carvalho aceita os argumentos das procuradoras do DCIAP, declara aberta a fase de instrução e inclui Manuel Vicente na ponderação que terá de fazer sobre os arguidos que serão pronunciados para julgamento;

Ou o TIC de Lisboa entende que a não notificação de Vicente é uma nulidade, separa os processos e ordena a remessa das suspeitas sobre o governante angolano para o MP, de forma a que a notificação seja concretizada. Neste cenário, apenas os arguidos Armindo Pires, Orlando Figueira e Paulo Blanco serão avaliados para uma eventual pronúncia para julgamento.

Fontes das defesas dos arguidos deste caso acrescentam que existem outras matérias a decidir a montante destas e asseguram que a juíza ainda não abriu formalmente a fase de instrução. Isto porque terá de analisar questões prévias, a começar pela pergunta óbvia: o processo foi enviado de forma correta para o TIC, mesmo não estando um dos arguidos notificado do despacho de acusação?

Por outro lado, as defesas queixam-se, tal como Rui Patrício, de que não foram notificadas da decisão do MP de remeter os autos para o TIC.

Os argumentos do Ministério Público

A notificação de Manuel Vicente é uma telenovela que dura desde 16 fevereiro de 2017 — dia em que o DCIAP emitiu o despacho de acusação deste caso. Mas, para perceber todos os episódios, é necessário recuar a fevereiro de 2016, altura em que o procurador Orlando Figueira foi detido preventivamente e os restantes arguidos foram alvo de buscas.

Todas as notícias do media portugueses sobre o caso permitiram a Manuel Vicente ter conhecimento genérico das suspeitas de corrupção que lhe eram imputadas pelo MP. O que levou Rui Patrício, advogado do n.º 2 do Governo angolano, a enviar a primeira de várias cartas para o DCIAP a manifestar a disponibilidade do seu cliente em esclarecer a situação.

Tal disponibilidade, contudo, sempre foi encarada pelas procuradoras responsáveis pela investigação como não sendo real. Isto porque o braço-direito de José Eduardo dos Santos exigia ser ouvido ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP, subscrita por Portugal e Angola, que permite a emissão de um salvo conduto que, no caso concreto, impediria que o DCIAP pudesse aplicar medidas de coação privativas da liberdade e até, no entendimento do MP, a constituição como arguido. Essa possibilidade sempre foi rejeitada porque as magistradas entendiam que isso era uma forma inaceitável de condicionar o trabalho do MP.

Certo é, contudo, que o ex-presidente da Sonangol nunca se mostrou disponível para combinar uma data concreta para viajar para Portugal e ser interrogado pelo MP português.

As tentativas de notificação de Manuel Vicente para ser constituído arguido e prestar declarações chegou a envolver as procuradorias-gerais de Portugal e Angola. Seguindo os trâmites protocolares normais, o DCIAP enviou em outubro de 2016 uma carta rogatória para a PGR para que esta fosse expedida para a PGR de Angola. Seria esta autoridade judiciária angolana, liderada pelo general João Maria de Sousa, que deveria notificar Manuel Vicente, constituí-lo arguido e interrogá-lo. Como aconteceu com Hélder Bataglia, por exemplo, na Operação Marquês.

A procuradora-geral Joana Marques Vidal decidiu auscultar, através de ofícios escritos, o seu congénere angolano, de forma a perceber a viabilidade de ser cumprida tal carta rogatória. O general João Maria de Sousa recusou cumprir a mesma em novembro de 2016 e em janeiro de 2017 pelas seguintes razões:

  • Manuel Vicente, enquanto vice-presidente de Angola, tinha imunidade equiparada ao presidente José Eduardo dos Santos;
  • Segundo a lei angolana, só podia ser investigado pelo Tribunal Supremo de Angola cinco anos após sair do cargo;
  • Não podia ser extraditado, pois trata-se de um cidadão angolano residente em Angola. Este país, tal com muitos outros, não extradita os seus nacionais.

Em suma: a PGR portuguesa decidiu não enviar a carta rogatória para Angola por ter a convicção de que a mesma nunca seria cumprida por Angola por desejo expresso do procurador-geral angolano.

As magistradas do DCIAP entendem, por isso, que realizaram todas as diligências possíveis para proceder à constituição como arguido e interrogatório de Manuel Vicente, não existindo qualquer nulidade nessa matéria.

Mais tarde, aquando da emissão do despacho de acusação a 16 de fevereiro, o MP notificou o advogado Rui Patrício do mesmo e a PGR portuguesa remeteu o despacho por carta rogatória para a sua congénere angolana. Contrariando os argumentos apresentados anteriormente, a autoridade judiciária liderada pelo general João Maria de Sousa informou que iria pedir um parecer ao Tribunal Constitucional de Angola sobre a possibilidade de levantamento da imunidade atribuída pela lei a Manuel Vicente. E adiou a notificação do despacho de acusação. 

Observador 

Last modified on Sábado, 20 Mai 2017 12:38

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