Numa intervenção que constituiu uma "réplica" ao discurso sobre o estado da Nação, proferido pelo Presidente de Angola, João Lourenço, a 15 deste mês no parlamento, o líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido da oposição), Isaías Samakuva, defendeu que "não deve haver pressa" para pagar uma dívida que "não se conhece".
"Não deve haver pressa em pagar uma dívida que não conhecemos nem aprovamos, especialmente nos casos em que os próprios credores foram coniventes nos desvios e mau uso desses dinheiros ao longo dos anos. O Presidente João Lourenço [...] terá certamente a legitimidade política e social para propor aos nossos credores a renegociação da dívida que os legítimos representantes do soberano desconhecem e sempre desconheceram", frisou.
Nesse sentido, Samakuva apelou a João Lourenço que, "em nome da transparência e da defesa do interesse nacional", viabilize este "exercício" através da criação de uma Comissão Mista Nacional, integrada por peritos indicados pelo Governo e pelo Parlamento.
Para Samakuva, os dados económicos "não são animadores", o que tem arrastado Angola para próximo da terceira recessão consecutiva, em que as taxas de juro "subiram", o valor cambial do kwanza "baixou" e os gastos públicos "emagreceram", deixando o país "sem estímulos para a procura e sem crescimento sustentável".
Segundo o líder da UNITA, apesar da descida da inflação, "repetida por João Lourenço", o Presidente de Angola não disse que a "taxa de corrosão do poder de compra" das famílias está a "aumentar cumulativamente desde 2016".
"Os trabalhadores angolanos entrarão em 2019 vendo o poder de compra reduzido em 84%, que corresponde à taxa de inflação acumulada de 2016 a 2018, período em que os acionistas dos bancos viram os seus rendimentos brutos aumentarem em mais de 100%", criticou.
Defendendo mais cortes na despesa pública, Samakuva afirmou que os riscos "devem ser mitigados" e "protegidos" os setores mais vulneráveis, como as crianças, a saúde, os pensionistas e os desmobilizados, bem como nos hospitais, medicamentos, agricultura e outros.
"Os cortes devem ser feitos nas faturações ao Estado, nos contratos milionários, na divida falsa, nos roubos e nos gastos supérfluos do Governo. O Parlamento deve identificar no OGE [Orçamento geral do Estado, neste caso, para 2019] todos os furos potenciais passíveis de alimentar o peculato e a corrupção, quer do lado da receita, quer do lado da despesa", recomendou.
Sobre os empréstimos obtidos por Angola ao longo de um ano de governação de João Lourenço, o líder da UNITA destacou o caso chinês, em que o Governo "pareceu muito entusiasmado por ter contraído mais dívidas em nome dos angolanos para se pagar".
"Desta vez, mais de 11.000 milhões de dólares e 500 milhões de euros. Os angolanos não devem aplaudir o Governo por nos aumentar o peso da dívida pública, cujo 'stock' real não conhecemos e para cujo serviço o país já tem de gastar mais de 50% das suas receitas fiscais. Deve haver mais transparência", defendeu
"O Governo deve primeiro provar que toda a dívida contraída até hoje é legítima. Deve revelar ao país o custo financeiro da dívida pública, interna e externa, os prazos de pagamento, as garantias que forneceu e quem beneficiou delas e como", afirmou Samakuva.
Segundo o líder da UNITA, a "coragem" com que o Presidente angolano está a exercer o mandato "já revelou ao país" que foi o anterior executivo que contraiu a maior parte das dívidas acumuladas.
"Ao Presidente da República atual ainda damos o benefício da dúvida, mas ao anterior e á sua equipa não. Muito do que roubaram foi através da dívida que contraíram em nosso nome e que agora o Governo está muito apressado em querer pagar. Porque é que não se audita primeiro a dívida? O que se pretende esconder? Será porque os que a negociaram são as mesmas pessoas que continuam a gerir as finanças públicas, agora sob a supervisão do novo Presidente?", questionou Samakuva.
Samakuva lembrou que, no passado, Angola ia buscar dinheiro ao Ocidente, mas que, a partir do momento em que esses bancos ocidentais começaram a exigir maior transparência na gestão, o ex-presidente José Eduardo dos Santos "fugiu das exigências e recorreu à China".
"Até hoje, a China já deve ter desembolsado mais de 23.000 milhões de dólares. E agora é a China que nos vem dizer que este dinheiro foi mal gasto e que já não nos vai emprestar a quantidade de dinheiro que Angola pede. Mas os atuais governantes nunca nos disseram nada. No fundo, a China estará a reconhecer os desvios e a corrupção", afirmou o líder da UNITA.
"Quem ficou com os dinheiros da China?", questionou Samakuva.