Para entendermos, de uma perspectiva realista, as razões desta possível mudança, vendo para além das sempre simpáticas retóricas de circunstância, devemos analisar os interesses de parte a parte, ou seja, o que é que africanos e americanos podem ganhar com uma eventual aproximação ou colaboração.
Num mundo que deixou de ser bipolar e onde a hegemonia norte-americana, que perdurou nos vinte anos que se seguiram à Guerra Fria, deixou de ser indiscutível, a segurança dos Estados Unidos, dos seus cidadãos e dos seus interesses estratégicos e económicos, é medida em função das ameaças. E a actual Administração norte-americana segue uma linha de nacionalismo político-económico que privilegia a segurança externa dos seus interesses.
Estas ameaças são, sobretudo, duas: a República Popular da China, que é agora o challenger da América na competição político-económica; e o terrorismo jihadista, que é a sua grande preocupação político-securitária. Quanto à Economia, a África, no seu conjunto continental, tem vastos recursos de oil and gas e de minérios estratégicos (pelos quais a China também compete). E caso tenha estabilidade política e uma economia baseada nas regras do mercado aberto e do Estado de Direito pode vir a ter condições de desenvolvimento, gerando grandes oportunidades, graças ao seu crescimento demográfico, que se prevê explosivo.
Quanto à segurança, a ameaça jihadista, que preocupa a América, transpôs-se em grande parte para África: toda a zona do Sahel, do Mali e do Burkina Faso, até ao Nordeste da Nigéria, está polvilhada de grupos terroristas que as forças militares e de segurança locais se mostram incapazes de controlar, apesar do apoio de países europeus – sobretudo da França, mas também dos Estados Unidos.
Está em curso um fenómeno importante: os grupos terroristas de maior dimensão, como o ISIS ou ISIL e a Al Shahab, posicionados no Médio-Oriente, intensificaram a sua expansão para a África Subsaariana. Na África Ocidental, o Estado Islâmico da Província da África Ocidental (ISWAP) reforçou as suas operações na área do Chade, atacou e apoderou-se de recursos das Forças Armadas nigerianas e aproximou-se do seu aliado do Grande Saara, o ISGS, enquanto a Al-Qaeda se mantém forte e actua no Sahel e na Somália. A ameaça terrorista pende sobre o Nordeste do Burkina Faso, ao longo da fronteira com o Níger, e agora também sobre Estados litorais da região da África Ocidental, como a Costa do Marfim, o Togo, o Benim e o Gana. Ou seja, está a deslocar-se do interior para a faixa costeira. A França tem na região 4.500 homens, enquanto os norte-americanos vão dando apoio aéreo.
Mas apesar do treino e formação de unidades especiais, apesar do apoio de intelligence e aéreo, os Estados Unidos não têm em África tropas com “botas no chão”.
A viagem de Pompeo
Neste quadro, há uma certa contradição nas declarações e decisões da Administração americana, nomeadamente as dos responsáveis do Pentágono por África, que falam da retirada de cerca de 1000 militares dos escassos 7000 que têm no continente.
Isto não pode deixar de inquietar os políticos locais. Ora a viagem do Secretário Pompeo ao triângulo Dakar-Luanda-Adis Abeba parece ter tido a preocupação de os tranquilizar sobre a permanência do interesse de Washington na África Ocidental, Austral e Oriental.
Angola é, sem dúvida, o país que sai mais beneficiado pela visita. Porque, quer nos seus encontros com o Presidente João Lourenço, quer com o Ministro dos Estrangeiros Manuel Augusto, Pompeo, além de ter salientado o interesse estratégico dos Estados Unidos em Angola, elogiou publicamente a política angolana anti-corrupção e afirmou claramente que as instituições financeiras e policiais norte-americanas iam apoiar Luanda na detecção, busca e recuperação dos capitais “expatriados”.
Washington parece finalmente ter-se dado conta do factor de estabilidade que Angola representa na região. Tradicionalmente, havia uma espécie de preconceito das administrações norte-americanas em privilegiar como grandes parceiros em África a Nigéria e a República da África do Sul, países com economias poderosas, populações grandes e, talvez mais importante, países anglófonos.
Ora a Nigéria, dividida entre um norte muçulmano e um sul cristão, tem identidades tribais fortes e, apesar do alegado poder militar, mostra-se incapaz de erradicar os guerrilheiros do Boko Haram; e a África do Sul, que com os constantes problemas e divisões raciais herdadas do Apartheid, só temporariamente superadas pela transição Mandela, vive momentos social e economicamente difíceis, tem um exército muito marcado pelas quotas identitárias, parte das empresas públicas em falência técnica e índices de criminalidade violenta arrepiantes.
A consideração destes factores leva Angola a sair bem da comparação. O país tem uma tradição integradora e a guerra civil provocou uma urbanização e uma destribalização aceleradas. Fenómenos como o progresso eleitoral da oposição em Luanda ou a eleição de um mestiço, Adalberto da Costa Júnior, para líder da UNITA, reforçam a percepção de uma sociedade em que a identidade nacional vai apagando as identidades étnico-regionais.
Se pensarmos que hoje, a nível global, a conflitualidade e a confrontação já não são determinadas pela luta de classes definidas em termos sócio-económicos mas por identidades definidas por factores como a religião ou a etnia, percebemos a vantagem comparativa de Angola, em termos de futura estabilidade política, em relação a outros poderes continentais e regionais, como a Nigéria e a República da África do Sul. Não falando já de um Estado sempre em risco de fragmentação e com zonas “vazias” de lei e ordem, como a República Democrática do Congo (RDC).
Washington parece também ter-se dado conta do papel pacificador de Luanda na região, em iniciativas como a Cimeira quadripartida, que reuniu recentemente na capital de Angola os presidentes da RDC, do Uganda e do Ruanda.
A viagem de Pompeo veio também coroar e confirmar uma série de iniciativas em vigor desde Julho do ano passado, quando foi assinado um Memorando de Entendimento de Segurança e Ordem Pública entre Angola e os Estados Unidos, envolvendo as áreas da Justiça, dos Estrangeiros, da Inteligência e do Interior.
Estas vantagens comparativas em termos de estabilidade estrutural não apagam os efeitos da corrupção e da falta de investimento e de diversificação da economia, nem impedem Angola de estar, neste momento, sob fortes pressões, enfrentando, mercê da baixa dos preços do crude e da paragem por alguns anos no desenvolvimento de novos projectos, uma crise económica séria que pode trazer perturbações sociais.
Estabilidade Política e Abertura Económica
Mas também aqui há alguma reversão de tendências: a Chanceler Merkel esteve há pouco em Luanda, trazendo um significativo naipe de investimentos; e Macron irá em Maio – Paris segue Berlim na Europa que subsiste –, também com novidades nesta área.
Tal como Pompeo reiterou, o retorno do investimento americano, fora do oil and gas, é indissociável da consolidação da política angolana anticorrupção e da melhoria do ambiente político-jurídico dos
investimentos e negócios.
Mas não tenhamos ilusões, o tecido económico angolano vai ainda ser, por alguns anos, dominado pelo petróleo, sobretudo nas exportações, e a Chevron, a Total e a ENI estão a avançar com novos projectos. No entanto, há uma abertura efectiva e generalizada das economias “ocidentais” a Angola, o que pode permitir ao país libertar-se da forte dependência do endividamento à China.
Angola sempre procurou diversificar alianças e parceiros e parece que as potências “ocidentais” começam a perceber que a economia não é só “económica” e que a estabilidade estrutural de um Estado, sobretudo num continente onde predominam as fragmentações identitárias, é um bem raro, que convém preservar, incentivar e desenvolver. Observador