Com a entrega formal esta terça-feira dos Instrumentos Jurídicos e administrativos sectoriais e regulamentares do Acordo-Quadro entre Angola e a Santa Sé, os casamentos realizados pela Igreja Católica passam a ter validade na ordem jurídica angolana.
A medida consta do Acordo-Quadro celebrado em Setembro de 2019 pelo Estado angolano e a Santa Sé, que culminou, ontem, com a entrega dos Instrumentos Jurídicos pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, ao Núncio Apostólico, Dom Giovanni Gaspari.
O acto foi testemunhado pela ministra de Estado para a Área Social, Carolina Cerqueira, e pelos bispos das dioceses das 18 províncias.
O secretário de Estado para a Justiça, Orlando Fernandes, esclareceu que existe uma regra primária na organização do processo nas conservatórias. Antes do processo chegar ao ministro que vai celebrar o casamento na Igreja, explicou, é tudo tratado nas conservatórias, que por sua vez dão o aval inicial e tramita o processo para a Igreja.
Depois disso, a cerimónia é celebrada na Igreja e, por via da sua transcrição na Conservatória do Registo Civil, produz efeitos plenos na ordem jurídica angolana.
"Com este passo, cria-se uma parceria muito mais clara do que aquilo que actualmente vigora, o que representa um grande ganho em termos de processo do matrimónio", sublinhou.
Orlando Fernandes considerou marcante o Acordo e os instrumentos que dele decorrem. "Temos agora o chamado casamento concordatário. Não significa que a Conservatória esteja de todo despojada de intervenção nestes processos, pelo contrário, está no princípio e no final", esclareceu.
Regulamentação
O bispo da Diocese de Cabinda, Dom Belmiro Chissengueti, disse à imprensa que a assinatura do Acordo, em 2019, teve uma aplicação imediata dentro do ordenamento jurídico internacional e por conseguinte em Angola.
Os instrumentos, explicou, careciam de regulamentação, por existirem aspectos que necessitavam de esclarecimento para melhor realização.
Sobre o casamento canónico, esclareceu que em termos práticos o que se pretende é acabar com a questão de casamento civil e religioso. "Mas o casamento religioso só passa a ter validade civil, desde que se cumpra os aspectos civil e canónico", alertou.
Esclareceu que "não basta chegar na Igreja, casar e levar a certidão à Conservatória". "Primeiro é preciso ver a idoneidade do estado livre dos nubentes, se os mesmos cumprem a legislação civil e canónica. Consolidado o estado livre para a realização do acto matrimonial eles casam-se sem a necessidade das duas cerimónias", salientou.
Facilitação de vistos
A questão da facilitação de vistos para os missionários, prevista no Acordo-Quadro, foi considerada, pelo bispo de Cabinda, como uma "lufada de ar fresco", uma vez que vai permitir que cidadãos de outras partes do mundo convidados a fazer missão em Angola possam entrar no país sem muitos constrangimentos.
A tarefa da evangelização, disse, exige pessoal qualificado e neste sentido a Igreja tem encontrado alguma dificuldade na obtenção de vistos. "Com este Instrumento, ganhamos uma lufada de ar fresco", sublinhou.
Educação
A ministra da Educação, Luísa Grilo, disse que o Acordo demonstra o compromisso do Estado angolano para uma educação de qualidade para todas as crianças.
Em termos de educação, reconheceu, a Igreja Católica chega mais longe e mais próximo das comunidades, sobretudo do meio rural e do interior. Esclareceu que o instrumento vai ser o veículo mais rápido para se chegar a essas comunidades.
Basílica da Muxima
O ministro da Construção e Ordenamento do Território, Manuel Tavares de Almeida, reiterou que o Ministério vai fazer a infra-estrutura do projecto da Basílica da Muxima. O Gabinete de Obras Especiais, disse, vai desenhar o projecto da Basílica.
Quanto à data para o arranque das obras, esclareceu estar ainda em tratamento as questões de financiamento e ainda não há prazo de execução.
Angola quer manter relação sólida com a Santa Sé
O ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, reiterou a vontade do Presidente João Lourenço e do Estado an-golano em manter uma relação cada vez mais estreita, sólida e de colaboração com a Santa Sé e com a Igreja Católica.
Ao discursar na cerimónia de entrega formal dos Instrumentos Jurídicos e Administrativos sectoriais e regulamentares do Acordo-Quadro, Adão de Almeida disse que com o Acordo-Quadro e com os vários instrumentos que estão já em vigor, ficam formalizados, para efeito de aplicação na República de Angola, vários aspectos importantes da relação entre o Estado e Igreja.
Apontou a realização do casamento canónico e a sua validade na ordem jurídica angolana, aspectos respeitantes à realização e funcionamento das instituições de ensino pertencentes à Igreja Católica, bem como a criação de condições para a efectiva implementação de aspectos importantes como o regime fiscal aplicável à Igreja Católica. Consta igualmente no Acordo a facilitação de vistos para que missionários e quadros de diferentes níveis ao serviço da Igreja possam vir ao país e enfrentarem o mínimo de dificuldades possível.
Adão de Almeida disse ser hora de se repensar o conceito de separação entre o Estado e as igrejas. No seu entender, "a laicidade não estabelece uma relação de separação mas de cooperação e de colaboração entre o Estado e as igrejas". "A laicidade do Estado não impede, pelo contrário impõe uma relação de cooperação e colaboração entre o Estado e as igrejas e é este o entendimento que damos à nossa relação com a Igreja Católica", sublinhou.
Saudou o papel social da igreja no país, nos mais diferentes domínios, com destaque para a educação, formação de quadros nos diferentes níveis de ensino bem como na moralização da sociedade.Adão de Almeida felicitou o arcebispo de Saurimo. Dom Manuel Imbamba, eleito na se-gunda-feira presidente da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé).
CEAST agradece disponibilidade do Estado angolano
Para o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Dom Manuel Imbamba, o Acordo-Quadro vai permitir à Igreja trabalhar para o bem comum e em prol da sociedade angolana e de todos que querem ver Angola a crescer no caminho do bem, da justiça, paz e da unidade.
O também arcebispo de Saurimo realçou que a igreja quer ser esse espaço de encontro, comunhão e diálogo que vai ajudar a iluminar caminhos, consciências e perspectivas que nos ajudem a encontrar a dignidade e afirmação da felicidade e realização.
Dom Manuel Imbamba agradeceu a disponibilidade do Estado angolano em colaborar com a Igreja Católica.
Para o Núncio Apostólico em Angola e São Tomé, Giovanni Gaspari, o acto formal representa também o reconhecimento do papel desempenhado pela Igreja Católica em Angola na configuração moral, cultural e social da Nação.
Cabe ao Estado criar as condições normativas e materiais para que as instituições eclesiásticas possam responder, efectivamente, de acordo com os seus deveres e direitos.