O relatório anual da organização não-governamental (ONG) tem uma perspetiva especialmente crítica sobre as respostas à pandemia que atingiram de forma mais severa os mais pobres, afetados pela rutura dos sistemas de saúde e de apoio económico e social, devido ao peso de décadas de negligência.
“Em nenhum outro lugar isto foi sentido de forma mais clara e cruel do que em África, motivo pelo qual a Amnistia Internacional lança hoje o seu relatório a partir da África do Sul”, destaca ONG.
A análise centra-se nas áreas de investigação da Amnistia Internacional (AI) sobre a situação dos direitos humanos em 154 países em 2021: saúde e desigualdades, o espaço da sociedade civil e a expulsão sumária de refugiados e migrantes nos países do Norte global.
Em Angola, a AI realça o uso excessivo de força por parte das autoridades para dispersar protestos pacíficos que juntaram centenas e milhares de pessoas, desafiando o confinamento.
Angola está entre um grupo de 12 países africanos onde morreram pessoas devido ao uso de munições reais para dispersar manifestantes.
A ONG destaca casos como os confrontos com a polícia durante uma manifestação em Cafunfo (Lunda Norte), em janeiro de 2021, que provocaram um número indeterminado de mortos e feridos, bem como as “prisões arbitrárias” de manifestantes e líderes da comunidade, entre os quais o líder do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe, José Mateus “Zecamutchima”.
Também em Cabinda, em 30 de maio, a polícia prendeu várias pessoas após pôr fim de forma violenta a uma marcha que visava protestar contra a fome, desemprego e custo de vida.
A liberdade de expressão e de reunião foi também posta em causa, em 04 de fevereiro, quando membros da sociedade civil contestatária de Luanda que defendiam alternativas políticas ao partido dirigente, MPLA, foram travados pela polícia.
O mesmo aconteceu em 21 de agosto, contra um grupo que protestava contra as violações de direitos humanos, a 30 de agosto com ativistas que se manifestavam contra a nova lei eleitoral, e em 25 de setembro, com o Movimento de Estudantes Angolanos que queria protestar contra o aumento das propinas.
O relatório da AI critica também os ataques à liberdade de imprensa, recordando a suspensão, por alegadas irregularidades administrativas, dos canais televisivos Zap Viva, Vida TV e TV Record Africa Angola, em abril do ano passado, resultando na perda de centenas de postos de trabalho.
Refere igualmente os acontecimentos de 11 de setembro de 2021 quando militantes da UNITA impediram jornalistas da TV Zimbo (antigo órgão privado que passou a integrar a esfera estatal no âmbito da recuperação de ativos promovida pelo executivo angolano) de fazer a cobertura de um protesto em Luanda, indicando que os repórteres preferiram permanecer anónimos para evitar represálias.
As alterações climáticas e a degradação ambiental são outra das preocupações da ONG nos países africanos.
Angola viveu o pior período de seca em 40 anos, refletindo-se no aumento da desnutrição devido à falta de alimentos e falta de acesso à água e saneamento adequado, afetando sobretudo as mulheres, crianças e idosos, aponta o relatório.
O documento indica que “a seca, juntamente com a ocupação ilegal por agricultores comerciais de pastagens comunais, destruíram a capacidade das comunidades pastoris produzirem alimentos para si mesmas”.
A morte do gado numa região que depende fortemente da pecuária como base da sua riqueza económica, social e cultural enfraqueceu a resiliência das comunidades, acrescenta o documento.
Pastores dos municípios de Curoca, Oukwanyama e Onamakunde, na província do Cunene, nos municípios de Quipungo e Gambos, na província da Huíla, e nos municípios de Virei e Bibala, na província do Namibe, foram particularmente afetados e ficaram sem acesso a alimentos, com dezenas a morrer de fome e desnutrição, sobretudo idosos e crianças.
A escassez extrema de água nas províncias do Sul afetou particularmente mulheres e meninas que têm de viajar longos períodos em busca de água, com a escassez de água a agravar o desenvolvimento de doenças relacionadas com higiene.
A AI salienta ainda que o desvio de fundos estatais prejudicou a capacidade do governo de aliviar as dificuldades económicas generalizadas e lidar com as dificuldades do setor de saúde, agravadas pela pandemia, persistindo preocupações com o aumento do custo de vida e a devastação económica e social relacionada com a covid-19.
“A consciência pública da desigualdade, especialmente entre os jovens, cresceu em resposta ao contraste chocante das imagens de pessoas famintas nas áreas rurais, particularmente na região sul, e a opulência na capital, Luanda”, salienta a ONG.
Enquanto a maioria dos angolanos enfrentava grave escassez de alimentos, a Operação Caranguejo, uma investigação liderada pelos Serviços de Informação e Segurança do Estado e pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), descobriu milhões em fundos públicos desviados, nas casas particulares de 24 altos funcionários do governo.
“O Presidente foi obrigado a demitir oito deles, a maioria dos quais eram generais militares e figuras próximas, mas o ceticismo público permaneceu”, concluiu o relatório da ONG.