A posição foi assumida hoje, em entrevista exclusiva à agência Lusa, por Marcolino Moco, militante do MPLA, partido no poder em Angola e pelo qual assumiu o cargo de primeiro-ministro entre 1992 e 1996, depois de no sábado ter estado na tribuna do comício de encerramento da campanha eleitoral de João Lourenço, que tenta suceder à liderança de 38 anos de José Eduardo dos Santos como chefe de Estado angolano.
"Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido", afirmou.
De acordo com Marcolino Moco, nas últimas semanas já manteve contactos diretos, em duas ocasiões, com João Lourenço, o cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais de quarta-feira.
Questionado pela Lusa sobre se admite voltar a trabalhar diretamente com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: "Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão".
Uma aproximação que, insiste Marcolino Moco, surge como benefício da dúvida quando o partido está em renovação, com a saída de José Eduardo dos Santos.
"Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximação repentina à minha pessoa. Uma aproximação que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo", disse.
Ainda assim, Marcolino Moco espera para ver, tendo em conta a alegada manipulação das imagens e declarações de um dos encontros, públicos, que teve, em Luanda, com João Lourenço, pela televisão estatal.
"Posso dizer - e disse-o ao João Lourenço - que para ir ao comício no sábado deixei muita gente a chorar, dividida, em casa. Que não queriam que eu fosse, depois desse episódio, em que me passaram de crítico a um dos bajuladores mais reles, me humilharam. É importante dizer que eu só fui lá porque o secretário-geral do MPLA me disse que o Presidente José Eduardo do Santos [que também esteve no comício de encerramento] pediu para que eu lá fosse, no dia em que faria a última intervenção", recordou.
Mesmo na hora da aproximação e valorizando a intervenção de José Eduardo do Santos no comício, "por não ter feito um discurso sectário ou partidário", porque "o que vem aí é muito difícil", Marcolino Moco não deixa a crítica.
"Começamos a fazer eleições sem primeiro criar condições para que essas eleições sejam úteis. Das primeiras resultou uma guerra, demorou por aí uns quantos anos, da segunda e da terceira resultou a entrega do país a uma família. Então, é esse benefício da dúvida que eu dou ao MPLA", apontou.
Apesar da postura crítica dos últimos anos, o ex-primeiro-ministro reconhece que o partido "teve o bom senso" de não o expulsar, apesar de "estar preparado para o efeito".
"É um partido muito intolerante para com qualquer ideia diferente lá dentro", justifica, sobre o facto de ter deixado de participar ativamente na vida do partido, sob liderança de José Eduardo dos Santos.
"Há uma família que toma conta do país e estraga tudo, que é a família do Presidente, que acham que com o desaparecimento de Jonas Savimbi o país estava nas suas mãos, tinham direito a tudo", aponta.
"Foi uma gestão desastrosa e vergonhosa. Queria evitar utilizar esses termos agora, mas é inevitável, é evidente, quando um Presidente cria um Fundo Soberano sem consultar a Assembleia Nacional e nomeia o seu filho para o dirigir", acrescentou.
Após encontros com João Lourenço que descreve como "breves mais significativos", Marcolino Moco conclui com o aviso: "Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa".
Marcolino Moco foi o primeiro secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização criada em 1996.