A síntese e as considerações finais, resultantes de um ciclo de três sessões realizadas em janeiro e março deste ano pelo Grupo de Reflexão, Aconselhamento e Debate do Laboratório de Ciências e Humanidades da Universidade Católica de Angola, foram hoje apresentadas.
A reflexão incidiu sobre os seguintes temas “Antecedentes Históricos, Iniciativas Pós-Independência e a Cronologia da nova DPA [divisão político-administrativa]”, “Impactos da DPA na Vida Quotidiana dos Cidadãos”, “A Questão dos Recursos Humanos e a DPA” e “Os Impactos Financeiros da DPA”.
Em 15 de outubro de 2022, o Presidente angolano anunciou a proposta de uma nova divisão político-administrativa, que pressupõe a extinção de comunas e distritos urbanos, e a criação de 581 novos municípios, contra os atuais 164 municípios, documento que foi levado à consulta pública entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano.
Sobre a auscultação pública os promotores da análise conjunta com o Observatório Político e Social de Angola (OPSA) e Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) recomendaram mais inclusão, abertura, transparência e “investimento num novo e amplo processo de consulta pública, inclusivo, plural e participativo”.
Sobre os impactos financeiros da nova DPA, a análise comparativa entre os custos da já existente, e da proposta, revelaram que a atual divisão administrativa quando tiver os seus quadros orgânicos preenchidos custará ao Orçamento Geral do Estado (OGE) o equivalente a 701 milhões de dólares (639,8 milhões de euros)/ano.
Como o OGE de 2023 tem despesas para bens e serviços nesta rubrica equivalentes a 769 milhões de dólares (701,8 milhões de euros), o total de custos da atual DPA atingirá cerca de 1,4 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros), sem investimentos de infraestruturas que, este ano, têm uma dotação equivalente a 868 milhões de dólares (792,2 milhões de euros).
“Em face destes dados, o total de despesas com a atual DPA a suportar pelo OGE de 2023, mesmo com os seus quadros muito incompletos, ultrapassa já os dois mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros)”, refere a análise.
De acordo com o documento, a nova DPA, quando implementada e em funcionamento com os seus quadros orgânicos completos custará, “só em salários para os seus previstos 307.865 funcionários, incluindo já os subsídios de isolamento agora criados, o equivalente a 1,7 mil milhões de dólares (1,5 mil milhões de euros)/ano, ou seja, mais 153% do que a atual”, indica o documento.
“Mas extrapolando os valores dos Bens e Serviços da atual DPA no OGE de 2023, com os seus 164 municípios, para o total proposto na nova DPA - mais 518 novos municípios - atingimos o valor equivalente a 2,1 mil milhões de dólares (1,9 mil milhões de euros)/ano, ou seja um aumento de 181%”, destaca a pesquisa.
“Assim a nova DPA, após implementação só em salários e bens e serviços custará o equivalente a 3,9 mil milhões dólares (3,5 mil milhões de euros)/ano, ou seja mais 168% que a atual. Em virtude da nova DPA implicar investimentos em Infraestruturas, os mesmos foram calculados com dados dos investimentos feitos ao longo dos anos, atingindo um total calculado no equivalente a 1,8 mil milhões de dólares (1,6 mil milhões de euros)”, acrescenta.
Admitindo que as infraestruturas necessárias aos novos municípios se construiriam em cinco anos, o documento aponta para “um aumento das despesas que, temporariamente atingirão no total – salários, bens e serviços e infraestruturas – o equivalente a 4,3 mil milhões de dólares (3,9 mil milhões de euros)/ano”.
Para o grupo, a pertinência da nova DPA deve ser reavaliada como “estratégia de aproximação entre cidadãos, governo e administração” em detrimento do processo de descentralização e de instauração de autarquias locais.
É preciso também, salientam nas recomendações, que sejam demonstradas as vantagens da nova DPA, nomeadamente vantagens sociais, económicas e ambientais, para as comunidades locais e em termos regionais.
A análise considera que as consultas públicas realizadas “estão longe de satisfazer parâmetros mínimos”.
“O caso paradigmático é o de Luanda. Com uma população calculada em cerca de oio milhões de habitantes é muito pouco razoável esperar que a consulta pública a aproximadamente 100 munícipes seja considerada como a necessária e a desejada, para além de não ser legítima”, observa o documento.
Em declarações à agência Lusa, a cofundadora do Laboratório de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade Católica de Angola, Cesaltina Abreu, disse que a análise deste processo demonstra que tem havido “outros interesses que não os da sua população”.
“Primeiro os interesses coloniais e agora os interesses políticos de quem tem o poder de decidir e o faz sem realmente incluir as pessoas neste processo”, disse.
Cesaltina Abreu sublinhou que “há uma base cultural que não tem sido minimamente levada em conta”, porque se mantém a estrutura da divisão com base no que foi feito na era colonial, “principalmente no aspeto de continuar a dividir grupos sociais, com artificialismo de fronteiras e sem ter em conta a base cultural” e a pertença “das pessoas que estão nessas áreas a determinados grupos socioculturais”.