80% dos angolanos estão contra a governação de João Lourenço

Post by: 17 Agosto, 2024

Cerca de 80 por cento dos angolanos estão contra a governação de João Lourenço e igual percentagem desaprova a sua tão propalada bandeira política: o combate à corrupção.

Segundo a nova pesquisa da Afrobarometer sobre governação, democracia e cidadania, apresentada na semana passada pelos seus autores, os sociólogos angolanos Carlos Pacatolo e David Boio, 93% dos cidadãos nacionais manifestam-se contra o elevado preço dos bens essenciais, sobretudo alimentares.

A pesquisa sociológica, realizada entre 27 de Março e 19 de Abril do ano em curso, mostra que nas zonas urbanas há maior consciência das injustiças da governação que nos meios rurais.

É na capital do País, Luanda, e na região Norte, nomeadamente nas províncias de Cabinda, Zaire e Uíge, onde se encontram os cidadãos com melhor percepção da situação política, económica e social de Angola e suas causas.

Os dados do estudo confirmam a crescente perda de popularidade do MPLA de João Lourenço, no País, particularmente nas províncias de Cabinda, Zaire e Luanda, círculos eleitorais onde o partido no Poder foi derrotado nas eleições de 2022.

De recordar que os resultados oficiais das referidas eleições ditaram a vitória da UNITA de Adalberto Costa Júnior, em Cabinda por 68,5% contra 26,4% do MPLA, em Luanda (62,6% / 33,3%) e Zaire (52,1% contra 36,3%).

A aprovação do desempenho do Presidente Lourenço apresenta uma acentuada trajectória decrescente. De 2019 a 2024, baixou de 44% para 26%. Na capital, com pelo menos 10 milhões de habitantes, apenas 16% aprovam a governação do Presidente do MPLA e na região Norte a cifra é de 17 por cento.

Sendo João Lourenço o único titular do Poder Executivo, ou seja, tendo envolvimento directo em toda a acção e inacção governativa, o Executivo segue pelo mesmo caminho, com uma reprovação de 74%, tal como o Parlamento que, pelo seu papel de caixa de ressonância do Governo, por força da maioria absoluta do MPLA, tem uma aprovação abaixo dos 26 por cento.

A avaliação da prestação do Governo também apresenta uma rota decrescente assinalável nas questões económicas, com a inflação a manter o último lugar e o combate à corrupção com quedas mais significativas. Entre 2019 e 2024, essas quedas foram de 34 para 21 por cento.

A reprovação do Presidente da República e do MPLA deve-se, sobretudo, aos elevados níveis de pobreza que, de acordo com a pesquisa, atinge pelo menos 80 por cento da população. Em 2024, a pobreza extrema em Angola aumentou 11 pontos percentuais em relação a 2019, atingindo hoje quase metade dos angolanos (46%), enquanto a moderada afecta 30 por cento.

Resultados em linha com o relatório da FAO, recentemente divulgado, que alerta para a existência de mais de 11 milhões de angolanos a passar fome ou com dificuldades em aceder a alimentos.

A agência das Nações Unidas adianta que 80% da população tem restrições na alimentação e que, entre 2021 e 2023, o número de pessoas desnutridas em Angola subiu de 6,8 milhões para 8,3 milhões.

No ano passado, sublinha o documento da FAO, 79% da população, cerca de 28 milhões de pessoas, esteve em estado de insegurança alimentar moderada, ou seja, teve dificuldades para se alimentar.

Ao apontarem a pobreza como a principal razão para rejeitar a governação do Presidente Lourenço, os angolanos recusam a normalização da pobreza, classificando-a, desta forma, como um problema político, que resulta das acções governativas, nomeadamente das práticas políticas do Executivo e do seu Chefe.

Esta percepção dos angolanos representa, objectivamente, uma tomada de consciência sobre as gritantes desigualdades económicas, sociais e políticas que têm como base a má distribuição da riqueza no País, onde se exibem gastos supérfluos e luxuosos da elite política em contraste com a miséria em que vive a maioria.

Perante este quadro de má prestação política e o crescimento diário da emigração de jovens, incluindo qualificados e muito qualificados, que fogem de Angola em busca de melhores condições de vida e de segurança, 63% dos inquiridos consideram que a situação económica do País piorou nos últimos 12 meses. E tão só 22% consideram que a actual situação económica de Angola está "razoavelmente boa" ou "muito boa".

A deterioração das condições de vida do Povo, a que se junta o cercear das liberdades, nomeadamente perseguição de cidadãos nacionais, até no estrangeiro, leva os inquiridos a fazer associação entre qualidade e dignidade de vida e prática política.

Neste quadro, rejeitam a classificação do País como uma democracia. Recusam a "falsa ideia de democracia" e a "democracia como armadilha verbal", nas palavras do investigador Arcénio Cuco, no seu livro "Democracia e Outras Coisas de Moçambique".

Assim, somente 27% dos inquiridos afirmam que Angola é "uma democracia com pequenos problemas e/ou uma democracia completa". Na capital, Luanda, a maior e principal praça política nacional, apenas 18% têm a percepção de estar a viver num País democrático.

No entanto, nos meios rurais, onde a taxa de escolarização é menor, há mais gente a considerar que o País é uma democracia. Por conseguinte, é na Huíla, uma das províncias mais rurais de Angola, como lembra David Boio, onde há mais inquiridos (52%) a classificar o País como uma democracia.

Apesar da baixíssima taxa de aprovação de João Lourenço, mesmo com o crescimento da tendência para votar na UNITA, em termos de intenção de voto, regista-se, pela primeira vez, um empate técnico, com ligeira vantagem para o partido no Poder (MPLA 30%, UNITA 27%), numa situação em que a abstenção ronda os 60 por cento.

Isto significa que a oposição não consegue capitalizar o descontentamento dos angolanos. Por outro lado, pode também traduzir a sua co-responsabilização no estado em que o País se encontra, por inépcia, omissão ou desadequação das suas acções.

Pode ainda significar um divórcio entre as prioridades da agenda política da oposição e os principais problemas que preocupam a maioria pobre. Ou, poderá resultar da tomada de consciência de que, no actual contexto nacional, a oposição dificilmente se constituirá em alternativa.

A posição céptica pode também mostrar desconhecimento das iniciativas da UNITA, consequência de uma espécie de "boicote" às actividades políticas da oposição por parte dos grandes e capturados media, nomeadamente, rádios e TV de capitais públicos, únicos com implantação nacional.

De notar que, em meios rurais, esses órgãos de comunicação social de capitais públicos são, muitas vezes, os únicos meios de que a população dispõe para se informar sobre a realidade política, económica e social do País e do mundo.

Nestes casos, à oposição restam as redes sociais e as modernas plataformas de comunicação, fora do alcance de grande parte da população que tem elevadas taxas de analfabetismo e de iliteracia e com grandes dificuldades de acesso à internet.

Ainda no domínio do Estado de Direito, o estudo da Afrobarometer conclui que 52% dos angolanos consideram que o Presidente deve sempre obedecer às leis e aos tribunais. A maioria (63%) está convencida de que os juízes e os procuradores recebem orientações políticas. Essa percepção é mais difundida em Luanda (75%), seguida da região Norte, com 70 por cento.

Uma maioria relativa de inquiridos (47%) é de opinião que o Presidente deve, regularmente, prestar contas à Assembleia Nacional e 58% defende que os deputados devem legislar de acordo com os interesses do Povo.

Perante um regime esgotado, empobrecedor da maioria, sem soluções para problemas estruturais nem para as questões por si criadas, estes dados demostram vontade de mudar de sistema político de governação e de regime.

Demonstram oposição ao "centralismo presidencialista absoluto", caracterizado, segundo o intelectual moçambicano Teodato Hunguana, pela concentração de "ultrapoderes" no Presidente da República, situação que propicia corrupção, por falta de mecanismos de controlo.

Ao defenderem a prestação de contas pelo mais alto magistrado da Nação e um papel mais interventivo da Assembleia Nacional na gestão do País, os angolanos manifestam-se contra os poderes excessivos do PR, preferindo maior equilíbrio de poderes entre o Parlamento e Chefe de Estado.

Com isso, estão mais próximos da defesa de um semipresidencialismo ou presidencialismo mitigado ou mesmo parlamentarismo, em que há maior equilíbrio e divisão clara de poderes entre Presidente, Parlamento e Justiça e uma Assembleia Nacional que funciona como fiscalizadora de toda a acção governativa. Um sistema em que o Governo emana do Parlamento.

Ao provar a total rejeição do desempenho do actual PR, bem como a incapacidade da oposição em capitalizar esse descontentamento, a pesquisa mostra que o País está numa encruzilhada.

Com a pobreza e a insatisfação em níveis muito altos, perante um MPLA indiferente aos problemas do Povo e as instituições, nomeadamente o Governo e Parlamento, sem credibilidade, a elite política nacional devia olhar com preocupação para os estudos da Afrobarometer e da FAO e equacionar as consequências para a estabilidade do actual quadro de miséria.

Devia lembrar que o País, principalmente a sua capital, tem elevadas taxas de desemprego juvenil e de criminalidade violenta, olhar para o que se passa no continente e perceber que em Angola estão presentes os factores que provocam protestos violentos em África.

E ter em conta que, de acordo com o editorial "O ónus da impopularidade" do director deste jornal, Armindo Laureano, "não podemos cair na falácia de que somos imunes ao que vimos acontecer aos outros países".

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