A defesa de Manuel Vicente — protagonizada pelos advogados Rui Patrício e João Cluny — insiste que o ex-vice-presidente deva ser julgado em Angola e não pela Justiça portuguesa. O requerimento de 17 páginas a que o ECO teve acesso foi entregue na semana passada ao juiz do processo da Operação Fizz.
Em causa o processo cujo julgamento começou há um mês, mas que não tem contado com a presença do arguido Manuel Vicente, já que a parte relativa ao ex-presidente da Sonangol foi separada do processo principal. Orlando Figueira — à data dos factos procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) — é acusado de corrupção passiva, branqueamento de capitais (em coautoria com os outros três arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos). Em concreto, Orlando Figueira é acusado de receber 763 mil euros para arquivar os inquéritos por corrupção que corriam contra o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
No requerimento, os advogados da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados destacam várias razões para que este processo relativo a Vicente seja, de uma vez por todas, transferido para Angola, para evitar um caso de “denegação de justiça”. Ou seja, situação que se verifica quando não estão a ser cumpridas as normas processuais em proveito de alguma das partes. Um dos argumentos passa pela possibilidade — prevista na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal — de as autoridades judiciárias portuguesas poderem recuperar “o direito de proceder criminalmente” contra Manuel Vicente, caso Angola não dê andamento ao processo.
Argumentos da defesa para que o processo seja julgado em Angola:
- Única forma de garantir efetiva administração da justiça (atenta a imunidade e o foro próprio), por oposição ao impasse e denegação de justiça da situação presente;
- Não se pode dizer que a amnistia de Manuel Vicente se aplique, como já explicado por Angola pelo menos duas vezes;
- Vontade e disposição das autoridades angolanas para o julgar o processo em Angola no foro próprio;
- Vontade e pedido de Manuel Vicente, quer o dirigido pelos advogados a Portugal em Setembro de 2017, quer o dirigido pelo próprio a Angola pela carta de 19 de janeiro;
- Existência de um processo separado novo e que não interfere com outros arguidos;
- Possibilidade de em certas circunstâncias Portugal recuperar direito a proceder penalmente, conforme prevê a lei.
O ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, à data dos factos presidente da Sonangol, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), de branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).
Na primeira sessão da Operação Fizz, o coletivo de juízes decidiu separar o processo relativo ao ex-vice-presidente angolano do processo principal. Isto depois de as autoridades angolanas terem respondido à carta rogatória do Ministério Público (MP) português. O MP angolano recusou notificar Manuel Vicente da constituição de arguido e do despacho de acusação. Devido ao facto de, segundo as autoridades angolanas, Manuel Vicente gozar de imunidade.
Este processo está a causar incómodo diplomático, sobretudo depois de no dia 8 de janeiro o presidente angolano João Lourenço ter dado uma conferência de imprensa onde disse que era “ofensa” a decisão de Portugal de não transferir o processo de Manuel Vicente para Angola. Deste então têm acontecido nos bastidores contactos e, no final de janeiro, o primeiro-ministro português encontrou-se com João Lourenço em Davos, na Suíça, numa tentativa de tentar desdramatizar o quadro das relações entre os dois países.
"Respeitosamente solicitamos que seja determinada a delegação do procedimento criminal em que é visado o senhor engenheiro Manuel Vicente no Estado angolano, nos termos e para o efeito do artigo 91º, nº1, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, por se encontrarem verificados todos os requisitos de que depende essa transmissão e, bem assim, por constituir a única solução susceptível de evitar ocorrência de um caso de denegação de Justiça”
Na altura, António Costa disse que não havia “nenhum problema entre Portugal e Angola dos pontos de vista económico e político. Há uma questão que transcende o poder político, que não diz respeito ao Presidente da República, ao Governo ou à Assembleia da República. É um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias”.
Contactado pelo ECO, o advogado Rui Patrício preferiu não comentar.