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Angola precisa 'gerir ansiedades e raivas da população’, diz ativista Luaty Beirão

Post by: 07 Outubro, 2018

RIO E LUANDA — Preso várias vezes em Angola ,  o ativista e rapper Luaty Beirão conta que a mudança de governo traz de volta a vontade de diálogo. Segundo ele — conhecido como um “filho rebelde do regime” porque seu pai era João Beirão, dirigente histórico do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e primeiro presidente da Fundação José Eduardo dos Santos (FESA) —, suas obras críticas à família Santos já se espalham sem o mesmo controle estatal. Enquanto isso, o presidente atual, João Lourenço , que já completou um ano de mandato, busca apresentar-se como um novo aliado da população e conduz simbólicas investigações contra a elite próxima do seu antecessor, incluindo contra os poderosos filhos do ex-governante, embora seja seu herdeiro no mesmo partido.

Hoje, o medo de sofrer repressão é menor, mas os traumas deixados por 38 anos de um governo autoritário, contra o qual Luaty em 2015 fez uma greve de fome na prisão, ainda deixam a população e ativistas políticos reticentes. Em 2016, lançou o livro “Sou eu mais livre, então: diário de um preso político angolano” (Tinta da China), disponível no Brasil.

As investigações contra a elite política em Angola são esperança de mudança?

Temos muitas reticências a qualquer coisa que alguém do MPLA possa fazer com sinceridade, sentido de Estado e a pátria em primeiro lugar. Muitas destas coisas  novas nos apanham de surpresa depois de 38 anos de uma liderança, se é que podemos chamá-la assim, em que as coisas eram previsíveis e já se sabia que intenção cada ação escondia. Estamos todos sem saber como interpretar as atitudes de João Lourenço. Mas elas vão em linha com o que nós, críticos, consideramos essencial fazer. Então, está difícil manter uma desconfiança tão ostensiva que não possamos dar o benefício da dúvida, porque ele faz por merecê-lo. Existe sempre o risco de estas medidas serem apenas para tranquilizar os ânimos das pessoas porque ele não tem dinheiro para gerir. O país foi deixado na bancarrota pela administração anterior, então é necessário gerir as expectativas, ansiedades, raivas e frustrações da população. Podem ser medidas apenas temporárias e superficiais, ou a transferência de uma antigo grupo hegemônico para um novo, e estas coisas vão se modelar à medida que o tempo for passando. Mas parece que finalmente colocamos o país acima do partido.

Há significado simbólico neste processo?

Tremendo e inegável. Consigo perceber que alguns ainda são céticos ou pessimistas. De alguma forma, estão traumatizados com tantos anos de promessas não cumpridas por este mesmo partido, porque as suas pessoas não vão de repente se tornar boazinhas. Mas o fato de este processo  começar de cima é um sinal muito forte de que ninguém está ao abrigo do braço da lei. De uma vez só, dá credibilidade a uma Justiça que não a tinha totalmente, embora todos saibamos que a Justiça não faz isso por livre e espontânea vontade, uma vez que seus membros são indicados. Não se trata de um sistema independente como é desejável numa democracia. Porém aqueles que chamamos de "cabuenhas", as pessoas que estão muito embaixo na pirâmide do poder, vão perceber o sinal e começar a se comportar de outra forma por medo de sofrerem represálias jurídicas e acabarem presos. A maior parte das pessoas está esperançosa, mas também não quer se entregar mais uma vez a uma aventura de sonho, porque já caímos no engodo diversas vezes. Monitoramos as eleições, e considero João Lourenço um presidente ilegítimo ao nível de processo democrático eleitoral, porque a votação foi tudo menos transparente e justa. Houve fraude massiva. Porém ele conquista legitimidade aos olhos das pessoas.

O receio de sofrer violações da liberdade de expressão já é menor?

Há ganhos que seria injusto negar ao nível da capacidade de se exprimir e de se fazer ouvir. Decidimos ir para a rua em 2011 e dizer que o problema era o José Eduardo dos Santos porque estávamos num labirinto de muros muito altos e intransponíveis, nos quais éramos rapidamente oprimidos se queríamos dizer alguma coisa. Éramos emparedados de forma que as únicas soluções eram recolher-nos em um canto e deixar-nos ser intimidados e reduzidos a silêncio; ou enfrentar o muro com socos de punhos nus. Pode parecer suicida, mas era também um ato de desespero. O que foi conquistado com tantas quedas foi este espaço que me parece ser um reconhecimento de João Lourenço, que percebeu que as reivindicações eram irreversíveis e que a forma de lidar com elas não era a diabolização política. Com janelas, portas e frestas, temos vontade de experimentar a via do diálogo de novo. Estamos fazendo testes deste governo. Minha música, por exemplo, era completamente proibida, então dificilmente eu conseguia trabalhar sem que os promotores do evento fossem ameaçados ou se vissem forçados a cancelá-lo. Às vezes até fechavam as portas e perdiam as licenças dos seus estabelecimentos. Experimento agora sair de Luanda, que sempre foi mais aberta em relação ao resto do país. O fato de eu conseguir lançar meu livro em oito províncias sem ser incomodado e usar locais do Estado para isso são indícios de novos limites. G1

Last modified on Domingo, 07 Outubro 2018 18:07
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