Em causa está a "Operação Resgate", colocada em prática pelas autoridades angolanas a 06 de novembro e que visa reforçar a autoridade do Estado em todos os domínios, reduzir os principais fatores desencadeadores da desordem e insegurança, bem como os da violência urbana e da sinistralidade rodoviária, aperfeiçoar os mecanismos e instrumentos para a prevenção e combate à imigração ilegal, e proibir a venda de produtos não autorizados em mercados informais.
Hoje, aparentemente de forma espontânea, cerca de 50 'zungueiras' - mulheres que vendem todo o tipo de produtos pelas ruas -, todas oriundas do Mercado de São Paulo, em Luanda, surpreenderam as autoridades locais que só conseguiram pará-las a poucas centenas de metros do Palácio Presidencial, sem que se tenham registado quaisquer incidentes.
Zangadas, Antónia Domingos e Maldina Odete Félix, ambas vendedoras há 18 anos naquele que ainda é o maior mercado informal da capital de Angola, afirmaram à agência Lusa que apenas pretendem obter uma resposta ao pedido de as deixarem vender nos passeios durante o mês de dezembro, uma vez que, caso contrário, voltarão terça-feira para "invadir o Palácio".
"Nós não vendemos na rua, vendemos no passeio. Outras vendem atrás da 'gajajeira' [uma espécie de armazém municipal]. Já nos disseram que vamos sair do Mercado de São Paulo a partir de janeiro. Só queremos vender durante o mês de dezembro", disse Antónia Domingos.
"O senhor governador [de Luanda] está-nos a ouvir e queríamos que ele arranjasse uma solução para que, a partir de hoje, nos deixe vender amanhã. Porque não sabemos como vamos fazer. Temos filhos, algumas de nós são viúvas e não temos dinheiro para dar de comer os nossos filhos. Tiram-nos da rua e nós ficamos como? Fica difícil. Têm de arranjar um lugar para nós podermos vender", acrescentou.
Questionada pela Lusa sobre o que farão se não obtiverem qualquer resposta oficial, a decisão é voltar de novo aos protestos, já terça-feira.
"Se não houver resposta, vamos voltar de novo. Nós vamos voltar, amanhã vamos vir de novo. Se não nos derem uma resposta hoje vamos voltar amanhã. Vai vir muita gente e vamos invadir o palácio", gritou, salientando que os produtos para venda foram confiscados pela polícia.
"Levaram todos os negócios [produtos]. Estão com os cães, com os cavalos e estão a dar corrida nas pessoas. É por isso que viemos aqui no Palácio, nós todas. Algumas senhoras estão ali a chorar, outras desmaiaram, como é? Está mal, está complicado, só queremos vender durante o mês de dezembro", insistiu.
Por seu lado, Maldina Odete Félix indicou que algumas das 'zungueiras' têm maridos que auferem salários mensais, mas que estão "há três, quatro meses" sem os receber.
"Nós, como mães, é que pagamos as propinas dos nossos filhos, mas não temos dinheiro na mão. Por isso estamos a pedir que nos deixem vender só este mês de dezembro e, em janeiro, cada uma vai vender para o sítio que quiser. É só isso que estamos a pedir", afirmou.
Questionada sobre com quem pretendem falar, Odete Félix disse querer explicar ao Presidente angolano, João Lourenço, a situação.
"Viemos aqui ao Palácio para ver se nos dão essa decisão [de vender durante dezembro]. Como vai ser o mês de dezembro? É só isso que estamos a pedir", respondeu, indicando que a polícia criou um cordão de segurança nos arredores do complexo em que está instalado o edifício.
"[A polícia] não nos deixou passar. Eles [autoridades] que deem uma resposta, só queremos que nos deem uma resposta. Já perdemos [hoje] quatro horas. Dependemos desse negócio para poder comprar pão para os nossos filhos. Têm de nos dar de volta o nosso negócio", sublinhou Odete Félix.
"Disseram-nos que essa operação ['Resgate'] é só para os 'langa' [cidadãos da República Democrática do Congo) e agora estão a afetar as 'zungueiras'. Os gatunos ficam ali soltos e nós, que estamos a trabalhar, a ganhar o dinheiro para comprar o pão para os nossos filhos, não nos deixam trabalhar. É complicado.
Cerca de uma hora depois, a polícia, já na zona da Maianga, conseguiu dispersar a meia centena de "zungueiras", que partiram, a pé e a cantar, de volta ao Mercado de São Paulo, depois de a polícia lhes ter dado garantias, ouvidas pela Lusa, que os produtos confiscados e guardados nas "gajajeiras" serão devolvidos.