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“Eleições em angola estão a servir como ‘válvula de escape’ para descontentamento”

Post by: 06 Junho, 2017

Paulo Guilherme, analista do Africa Monitor, adverte que o processo eleitoral é "delicado" e realça a influência do MPLA a nível regional.

Qual é o cenário em que vão ocorrer as eleições em Angola?

O regime do MPLA nunca foi a eleições envolto em tamanho descontentamento social. Estamos a falar de três anos seguidos de profunda crise económica e financeira, num país com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do mundo (150º). Mesmo os números oficiais confirmam que houve recessão pelo menos durante metade do ano passado – com todas as consequências ao nível de desemprego ou salários em atraso. Muitas empresas estrangeiras reduziram operações, outras abandonaram o país. A isto soma-se o retorno da inflação galopante – 42% no ano passado – e a falta de divisas. Em vez da próxima potência regional africana, os angolanos depararam-se no último ano com um país afectado por debilidades no sistema de Ensino ou de Saúde – este último viveu momentos críticos com a epidemia de febre amarela. Há “apagões” frequentes em bairros de Luanda e noutros aglomerados urbanos; a água e saneamento continua ainda a ser apenas um privilégio para alguns. É claro que o angolano “comum” está há muito habituado a viver com dificuldades

O que se pode esperar nestas eleições?

A diferença, desta vez, é que estamos ao cabo de 15 anos de promessas, pós-final da guerra civil, em que as dificuldades aumentaram em vez de diminuírem. E há a perceção clara de que a classe política foi enriquecendo desmedidamente. É fácil de verificar uma desilusão geral e um desejo de mudança, mesmo entre aqueles que apoiaram o MPLA no passado. Inteligentemente, José Eduardo dos Santos percebeu que era altura de passar o testemunho, corporizando ele próprio essa mudança, e lançou João Lourenço.

Este chega com um discurso de renovação – note-se, nas suas intervenções das últimas semanas, o forte ênfase na necessidade de combater a corrupção e de evitar “erros do passado”. É uma espécie de “mea culpa” do regime. E uma promessa de regeneração e abertura. Creio que não passará de uma promessa, para fins eleitorais, mas, para já, teve como efeito mobilizar o partido, ele próprio muito desgastado, coesamente em torno de um novo candidato.

Quem é o vencedor mais provável?

Dada a desproporção de meios entre o MPLA e a oposição, é João Lourenço. Mas, para o MPLA, há mais em jogo: é vital manter a maioria de dois terços, até porque uma revisão da Constituição, fortemente presidencialista, é praticamente inevitável – e o MPLA não está de todo habituado a negociar com a oposição. José Eduardo dos Santos teve quase 72% em 2012, mas é muito improvável que Lourenço alcance esse nível.

Depois das eleições começará a verdadeira sucessão. José Eduardo dos Santos vai permanecer como líder do partido e o seu círculo mais próximo, bem como a sua família, serão ainda das figuras mais influentes na política e negócios do país. Apesar de Lourenço ser, talvez, o dirigente mais consensual no partido, há algumas relações difíceis entre figuras-chave, e os equilíbrios serão também eles difíceis.

Que risco político existe nestas eleições?

Os riscos parecem-me relativamente mitigados, mas existem. Politicamente, a sucessão é um processo muito delicado ao nível do governo e do partido. Há que ver que em torno das principais figuras do processo – família presidencial e sucessor – há fortes grupos de interesse (clientelas) com ramificações no Governo, banca, comunicação social, entre outros setores. Há, de facto, um potencial de conflitualidade, inclusivamente pública, entre estes grupos para assegurar interesses adquiridos e lugares “à mesa” no próximo ciclo. No passado, Santos jogou este “xadrez” com grande mestria. Inclusivamente, utilizando-o para consolidar o seu poder até alcançar uma hegemonia total dentro do partido e do Estado. Hoje, com 74 anos e problemas de saúde, a sua capacidade não é a mesma que tinha no passado, e tornaram-se frequentes os desabafos em relação à sua capacidade de resposta, num sistema que foi montado para que todas as decisões de monta sejam tomadas na Presidência.

E num cenário pós-eleitoral, há riscos?

Olhando para um cenário de vitória do MPLA superior a dois terços, penso haver algum risco político associado ao facto de os principais partidos da oposição, UNITA e CASA-CE, virem a rejeitar os resultados. Na oposição, prevalece a convicção de que se prepara uma fraude em grande escala – como, dizem, aconteceu em anos anteriores. Em 2012 e 2008 prevaleceu uma postura de colocar a preservação da paz e a estabilidade acima de interesses partidários. Desta vez, o cenário pode ser diferente, dado o nível de descontentamento da população. As eleições estão a servir como “válvula de escape” para esse descontentamento latente, mas, se no momento da divulgação dos resultados os apoiantes da oposição acreditarem que o processo foi fraudulento, podemos ter tensão social.

Poderá ter impacto a nível regional?

Tudo o que acontece no MPLA tem impacto directo e imediato em partidos e regimes de que o MPLA é financiador, como é o caso do MLSTP em São Tomé e Príncipe. Em Moçambique, que terá eleições no próximo ano, a Frelimo estará naturalmente empenhada na manutenção do actual “status quo” dos partidos “herdeiros” das independências que governam os seus países ininterruptamente há mais de 40 anos – e a oposição (Frelimo e MDM), estará atenta a possíveis ganhos de partidos congéneres angolanos, como possível prenúncio de uma mudança no seu próprio país. Aliás, ressalvadas as diferentes circunstâncias, esta erosão visível de apoio aos partidos “libertadores” é um traço comum a Angola e Moçambique. No caso da vizinha África do Sul, naquelas que serão as eleições mais livres da região, também o ANC tem vindo a perder apoio de forma acentuada. Em São Tomé, o MLSTP, outro ex-partido único perdeu o governo e a presidência.

E Cabo Verde?

É interessante o caso de Cabo Verde, uma das democracias mais perfeitas da África Subsaariana: no ano passado, o PAICV  perdeu não só governo e presidência, como as principais câmaras municipais do país. Foi reduzido quase ao estatuto do terceiro maior partido. Naturalmente que há diferenças entre todos estes países, mas com esse traço comum de perda de controlo por estes movimentos. Penso que isso traduz uma insatisfação social com os partidos históricos das independências, após décadas de promessas que ficaram por cumprir. É verdadeiramente uma luta pela sobrevivência aquilo a que estamos a assistir. Para os partidos que ainda estão no poder, será uma tentação inevitável tirar partido dos privilégios governativos, enquanto se ensaiam manobras mais ou menos sinceras de regeneração – como, aliás, o MPLA está a fazer.

Jornal Econômico

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