“Eu se for para Angola e se o meu cateter der algum problema eles não têm como reverter o caso. Já aqui, qualquer coisa que aconteça eles sabem como fazer e Angola não sabe o que fazer”, disse à Lusa Amélia Domingos, uma das angolanas que hoje se manifestou frente a uma das duas pensões em Lisboa onde alguns destes doentes residem.
Estes cerca de 200 pacientes recebiam apoio do Estado angolano para a estadia enquanto realizavam tratamentos em Portugal, mas a 30 de janeiro o executivo angolano anunciou o encerramento da junta de saúde em Portugal, a partir de fevereiro, após uma auditoria que terá identificados vários abusos no uso deste mecanismo.
Sem receber o subsídio desde setembro do ano passado, e já sem direito a pernoitarem nas pensões – que para já ainda os acolhem – cerca de uma dúzia de doentes protestaram contra o regresso e alegam mesmo que isso vai significar a sua morte.
“Eles querem o quê? Assinar a sentença de óbito aos doentes todos? Isso é desumano”, lamentou Amélia Domingos, insuficiente renal há 17 anos e há 12 em Portugal.
Quando chegou, os médicos nem acreditavam no estado em que se encontrava, após anos a fazer hemodiálise nas costas. Agora, após infeções que a obrigaram a parar a diálise peritoneal, Amélia tem um cateter na veia cava e aguarda por um transplante.
“Se um dia for transplantada e tudo estiver tratado eu quero voltar, porque tenho saudades dos meus”, disse, acrescentando que agora não quer voltar, pois sabe que lá encontrará “morte certa”.
Vitorino Leonardo, secretário-geral da Associação de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal (ADAP), onde vive há 12 anos e há quatro com um rim transplantado, garante que estes doentes tudo farão para continuarem a receber os tratamentos nos serviços de saúde portugueses.
Garante que não existem condições para o regresso e conta que dois doentes que optaram por voltar estão neste momento “a ser abandalhados” e que os próprios médicos que os seguem os questionam sobre a razão de terem voltado.
“Se os doentes voltarem para Angola, eles estão a ir para a morte”, disse, agradecendo a Portugal o “comportamento isento, plausível” que tem demonstrado para com estes angolanos.
Segundo Vitorino Leonardo, os doentes que mais cuidados necessitam são os oncológicos, os transplantados e os hemodialisados.
No seu caso, quando falou com o médico sobre um eventual regresso, este ter-lhe-á dito que sem tratamentos iria morrer e perder-se-ia um rim que podia ter ido para um português, afirmou.
O secretário-geral da ADAP pede ajuda a Portugal, pois “as pessoas vão sair das pensões e não podem ir para a rua”.
“Precisamos que Portugal nos ajude. Já que o nosso Governo nos descarta, vamos ter de recorrer à União Europeia, para ver se acolhem o pessoal para ficarmos vivos”, disse.
Domingos Fragoso não consegue conter as lágrimas quando aborda um eventual regresso a Angola. Este angolano sofre de uma doença renal crónica e está há quatro anos em Portugal, agora a aguardar por um transplante de rim.
“Estou em consulta de pré-transplante e já estou na lista de transplante”, contou.
Foi “triste e com muita dor na alma” que recebeu a ordem de regresso a um país com “débeis condições em termos de saúde”.
“Em Angola há muitas dificuldades e o país nem sequer faz transplantes. Quero ter uma melhor qualidade de vida e voltar a trabalhar”, referiu.
A ADAP já tinha enviado uma carta ao Presidente angolano, João Lourenço, a chamar a atenção para a situação particular de alguns doentes que necessitam de um seguimento que não encontram em Angola.
A associação pediu a João Lourenço “uma moratória ou revisão da decisão tomada, para se evitarem situações desagradáveis e de consequências imprevisíveis” e que se proceda a uma “análise e avaliação de caso por caso, em função da patologia dos doentes que estão em condições de regressar ao país, com garantias da continuação da assistência médica e medicamentosa”.