No requerimento, a que a Lusa teve acesso, a defesa de Carlos São Vicente, detido preventivamente na prisão de Viana, em Luanda, desde 20 de setembro de 2020, invoca também a "nulidade da remessa dos autos e da prolação do despacho de saneamento," datado de 20 março último.
Carlos São Vicente, dono do grupo de empresas AAA, um dos maiores conglomerados privados de Angola, e detentor durante vários anos do monopólio de seguros e resseguros da Sonangol, foi formalmente acusado dos crimes de peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal, tendo sido notificado do despacho de acusação no dia 17 de março.
"Quer o ato de remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento (...) quer a prolação do despacho de saneamento e a notificação para afeitos de apresentação de contestação (...), todos praticados em momento anterior ao terminus do prazo, estabelecido na Lei, para que o arguido requeira a abertura de instrução, estão eivados de nulidade insanável", afirmam os advogados, no documento.
Para os defensores do empresário, verificou-se uma falta na notificação para o exercício do direito de requerer “a abertura de instrução contraditória" do processo, recordando que se tratam de "atos legalmente obrigatórios”.
Os advogados consideram ainda que as nulidades invocadas assumem "tal gravidade que tornam absolutamente nulos tais atos", bem como outros consequentes.
Por isso, a defesa pede a revogação do despacho e a devolução dos autos ao magistrado do Ministério Público da secção de crimes do Tribunal de Luanda.
Ainda em relação à notificação de Acusação, os advogados dizem que esta foi-lhe entregue no dia 17 de março, mas salientam que "omitiu, por completo, qualquer referência ao início e fim do prazo legalmente estabelecido para efeitos de apresentação do requerimento de abertura de instrução".
O Código de Processo Penal (CPP) angolano estabelece que "a abertura da instrução contraditória pode ser requerida no prazo de dez dias, a contar daquele em que ocorrer a notificação da acusação".
Assim, defendem que aquela omissão gera "uma nulidade processual insanável" por "ser suscetível de privar o arguido do exercício, pleno e eficaz, da defesa e do seu direito ao contraditório".
A defesa de São Vicente realça ainda o facto de a notificação ter sido feita a 17 de março e haver um feriado a 23, com ponte no dia anterior, 22, o que constitui "uma irregularidade tempestiva, porquanto apresentada no primeiro dia útil imediatamente seguinte ao prazo de cinco dias previsto (...) no CPP". Assim, o prazo terminaria no dia 22, data de ponte dos feriados, por isso não considerado dia útil.
Os advogados sustentam que, "ao notificar o arguido para a apresentação de contestação e do rol de testemunhas, muito antes do decurso do prazo para requerer a abertura da instrução contraditória", o despacho "cerceia de forma intolerável, direitos fundamentais e invioláveis do arguido".
Desde logo, "o direito ao exercício pleno e eficaz, da defesa e ao contraditório, sendo, assim, inconstitucional", sublinham.
O despacho que determinou a prisão preventiva do empresário angolano Carlos São Vicente em setembro de 2020, referia que este levou a cabo “um esquema ilegal” que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares (cerca de 763,6 milhões de euros).
De acordo com o despacho de indiciação, a que a Lusa teve acesso naquela altura, o empresário angolano, que entre 2000 e 2005 desempenhou, em simultâneo, as funções de diretor de gestão de riscos da Sonangol e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, sociedade em que a petrolífera angolana era inicialmente única acionista, terá levado a cabo naquele período "um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no setor petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.
O documento concluía: “não restarem dúvidas, dos suficientes indícios de estar o arguido Carlos Manuel de São Vicente, incurso na prática dos crimes de peculato (…), recebimento indevido de vantagens (…), corrupção (…), participação económica em negócio (…) tráfico de influências (…)”.
Alguns destes crimes não foram, no entanto, confirmados pelo despacho de acusação, do qual o empresário foi agora notificado.
As autoridades judiciais angolanas ordenaram de seguida a apreensão de bens e contas bancárias pertencente ao empresário Carlos São Vicente, que está também a ser investigado na Suíça por peculato e branqueamento de capitais.
A PGR pediu também o congelamento de contas bancárias e apreensão de bens de Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, e mulher do empresário.