Muatchissengue Wa Tembo, o título real usado por José Estêvão, de 42 anos, que representa o povo Tchokwe argumentou que a existência de legislação específica para regular as autoridades tradicionais e a sua relação com o Estado seria benéfica até para afastar usurpadores, que têm sido usados, nas Lundas e não só, para fins políticos.
“Infelizmente, houve algumas autoridades que foram impostas no tempo colonial e, após a independência, houve autoridades fabricadas, que não eram de linhagem”, afirmou em entrevista à Lusa, justificando as usurpações de poder com questões políticas ou ambições pessoais, como aconteceu com o Muatchissengue que o antecedeu (seu tio materno) e que era visto como um opositor.
“Isto aconteceu nas Lundas, aconteceu em todo o país. E isto foi também culpa das próprias autoridades que não sabiam qual o seu papel nas comunidades e entraram em questões políticas, filiando-se no MPLA (partido no poder) ou na UNITA (maior partido da oposição angolana) para ter o seu poder assegurado”, visão da qual discorda.
“Tanto o MPLA, como a UNITA ou qualquer outro partido são filhos destas autoridades, (que são) como um pai que tivesse vários filhos. Havendo divergência no seio dos filhos cabe ao pai juntá-los, aconselhá-los e mostrar a quem está errado que o caminho não é este. Este é o papel das autoridades tradicionais, é velar pelas condições de vida das nossas populações”, vincou o Muatchissengue.
O rei das Lundas considera que o país está a viver momentos difíceis em termos políticos: “não estamos satisfeitos com o que estamos a ver”, disse, exortando a um maior envolvimento da sociedade civil e líderes tradicionais para aconselhar os atores políticos, em prol das comunidades.
“As pessoas pensam que as autoridades tradicionais são ativistas políticos, que devem fazer campanha devem aderir a movimentos. Não, o Muatchissengue é representante de um povo, de uma região, é um angolano que prima pela unidade, pela união, pela sã convivência, paz e amor entre os povos, não pode estar contra ou a favor do partido “a” ou “b”. Somos parceiros do estado e devemos colaborar com todos os que estão dispostos a ajudar as nossas comunidades”, destacou, acrescentando que os partidos políticos beneficiariam se ouvissem mais estes líderes que apontam caminhos.
“Em Angola quem critica o que estiver mal é opositor, quem elogia é bajulador, não podemos construir um país assim”, notou.
O rei das Lundas comentou também os incidentes de Cafunfo, vila mineira que este ano fez manchetes internacionais devido à morte de, pelo menos 13 pessoas, em confrontos entre a polícia e elementos do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe, sublinhando que a miséria e a pobreza foram os principais motores da revolta.
Questionado sobre se seria necessário dar autonomia às Lundas, como reclamam alguns movimentos independentistas, afirmou que o necessário é dar “maior atenção à região” para que as populações beneficiem da riqueza produzida, e sublinhou que a própria Constituição não permite a pretensão independentista, demarcando-se de grupos que “querem aproveitar-se, por vezes, das autoridades tradicionais”.
Falando à Lusa sobre os problemas que identifica nas províncias das Lundas, Norte e Sul, que estão entre as mais pobres de Angola apesar de serem das que mais riqueza geram para o país, devido a abundância de diamantes, lamentou que na região, rica em recursos mineiros, mas também em recursos hídricos e potencial agrícola, falte “quase tudo”.
Carentes de infraestruturas de saúde e educação, estradas, energia e água, aos habitantes das Lundas faltam também empregos, empurrando a maioria para o garimpo, uma atividade ilegal, a que muitos se dedicam, na esperança de melhorar a sua vida e que atrai agora, até mulheres.
“Tudo piorou, não há emprego e as pessoas acabam por se meter no garimpo, isto é tudo fruto de tanto sofrimento que leva muita gente a fazer praticas ilegais, é preciso sentar com as pessoas saber o que as pessoas querem, quais as suas necessidades”, sugeriu.
Defensor do diálogo entre governo, empresas e sociedade civil, Muatchissengue Wa Tembo considerou que deve ser criado um mecanismo que permita um licenciamento justo para a concessão de diamantes, bem como uma política de enquadramento da mão-de-obra local.
O representante dos Tchokwe admite que a iniciativa presidencial para uma nova Divisão Político Administrativa (DPA), que visa criar novas províncias em Angola pode ser benéfica, mas questiona o facto de nada referir sobre o estatuto politico-administrativo de Cafunfo, e outros locais que não são considerados localidades, nem vilas nem municípios, com consequente ausência da presença do Estado.
A Lunda "é uma região que tem muitos problemas, falta tudo. A divisão poderia ajudar se houver dinheiro para sustentar as províncias que vão ser criadas, senão não estaremos a fazer nada”, opinou, apontando as enormes distâncias de algumas localidades face às capitais das províncias como um dos problemas. Às vezes é mais fácil ir a Luanda do que ir ao Dundo (capital da Lunda Norte)”, rematou Muatchissengue Wa Tembo.