Ex-vice-presidente de Angola e antigo líder da Sonangol está a preparar um livro sobre o BCP e os bastidores que envolveram a entrada da petrolífera no capital do banco. Decisão de Manuel Vicente é vista como um sinal de afirmação política.
Oantigo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, está a preparar um livro no qual irá contar a sua versão da entrada da Sonangol no capital do BCP, sabe Negócios. Esta decisão, segundo fontes angolanas conhecedoras do processo, deve ser interpretada com um ato de “afirmação política” do ex-número dois de José Eduardo dos Santos.
O livro, mesmo antes de ser conhecido o seu teor está, naturalmente, a gerar muitas expectativas (e também especulações), até pelo sigilo que tem sido guardado pelo autor relativamente ao seu propósito.
Manuel Vicente está a preparar o livro no Dubai, onde se encontra a viver desde 2020. Segundo os mesmos interlocutores, o livro está a ser escrito com a ajuda de especialistas portugueses. Desde que se instalou naquele país, o ex-presidente da Sonangol não mais voltou a Angola.
Em outubro de 2022, terminou o período de imunidade de cinco anos concedido a titulares de cargos públicos e levantou-se a possibilidade de a justiça angolana dar seguimento ao julgamento do caso que tem entre mãos, desde 2018, e foi transferido de Portugal.
Neste processo, Manuel Vicente é acusado de ter pagado mais de 760 mil euros e oferecido emprego ao ex-procurador Orlando Figueira como assessor jurídico do Banco Privado Atlântico, em Angola, em contrapartida pelo arquivamento de inquéritos em que o também antigo presidente da Sonangol era visado, designadamente na aquisição de um imóvel de luxo no edifício Estoril-sol, por 3,8 milhões de euros. Todavia, até agora, o processo encontra-se parado.
Manuel Vicente, enquanto presidente da Sonangol, foi o estratego da entrada da petrolífera angolana no capital do BCP em 2007, ano em que comprou 2% desta instituição financeira por 200 milhões de dólares. Esta aposta na banca ganhou ainda maior dimensão em 2012, quando a Sonangol se tornou no maior acionista do banco, passando a deter 11,6% do capital. Em 2007, o BCP era liderado por Paulo Teixeira Pinto, tendo sido este gestor que liderou as negociações com Manuel Vicente. À data, o primeiro-ministro de Portugal era José Sócrates. Atualmente, a Sonangol tem 19,4% do BCP.
Sonangol entrou no BCP em plena guerra de acionistas
O caldo entre estratégia política e negócios que permitiu este investimento é passível de ser resumido na afirmação de Jardim Gonçalves, fundador do banco, numa entrevista concedida em 2010 ao Jornal de Notícias: “Os atuais acionistas do BCP têm interesses conduzidos pelos Estados português e angolano”.
Em setembro de 2007, quando a guerra entre acionistas do BCP que culminou com o afastamento de Jardim Gonçalves estava ao rubro, Manuel Vicente, numa rara entrevista, concedida do Diário Económico, comentava assim a situação: “Não é salutar para o banco, nem para o negócio, nem para os acionistas da instituição. Se não estou em erro – não conheço na totalidade a sociedade financeira portuguesa –, mas creio que o BCP é um dos maiores grupos financeiros portugueses. Por isso, mais responsabilidade haveria, ou deveria haver. Nós auguramos que esta situação se possa resolver o mais rapidamente possível, a bem das instituições e da cooperação entre as nossas instituições e a da cooperação entre os dois países. Lamento que a Sonangol tenha sido usada no meio disto, mas não temos absolutamente nada a ver com esta situação”.
O investimento da Sonangol no BCP, por razões diversas, acabou por se traduzir em perdas substanciais para a petrolífera angolana ao longo dos anos.
O livro de Manuel Vicente irá surgir numa altura em que se comenta uma eventual saída da Sonangol do capital ou de uma redução da posição, para permitir ao banco avançar na corrida à compra do Novo Banco, com a entrada de um novo acionista de referência. Existe, certamente, muito apetite por ouvir a versão de Manuel Vicente sobre o BCP, até porque outros, casos de Jardim Gonçalves ou Filipe Pinhal, já contaram a sua versão da história e também para saber qual o comportamento do Governo português dirigido por José Sócrates.
Para já, Angola assegura não ter intenção de sair do capital do banco. “A Sonangol tem, nos investimentos na Galp e no Millennium BCP interesses estratégicos e financeiros, e por esta razão mantém a sua participação nas duas empresas, continuando a acompanhar o seu desempenho, no sentido de assegurar a sua valorização e ganhos com dividendos. A Sonangol vai manter os seus investimentos nas duas empresas, enquanto se mostrar estratégica e financeiramente viável”, afirmou Sebastião Gaspar Martins, no início deste ano, em entrevista à Reuters.
Jornal de Negócios