“Os portugueses em Angola vivem em liberdade, mas aqui na terra deles somos lixo” - mãe de Maria Luemba

Post by: 07 Julho, 2025

Aos 42 anos, a cidadã angolana Ladis Baltazar perde a segunda de três filhos, num crime que ocorreu em Sever de Vouga, Aveiro ( Portugal) e que ao NJ pede justiça pela morte da filha de apenas 17 anos , que alega ter sido vitima de ódio racial.

Família diz nunca ter sido ouvida pela Policia Judiciaria portuguesa e fala em tentativa de proteccção do principal suspeito, um cidadão português, filho de uma família poderosa e influente da região. Solicita também apoio e intervenção do Presidente da República, João Lourenço e instituições do Estado angolano.

Pois diga, desculpe, desculpe mãe, até agora não recebeu resultado da autópsia? Até ao momento nada: nem PJ, nem GNR, nem bombeiro, nem ninguém ainda visitou a casa para virem dar pelo menos uma informação, uma satisfação, nem nada, nem advogado, nem ninguém. Há muitas especulações nas redes sociais, muita gente a abrir live a falar mal de mim, que eu sou uma mãe que não estou a aparecer nas lives, que não estou a falar nada, mas eu fico a perguntar-me, vou falar o quê? Eu saí para ir trabalhar, encontrei minha filha morta e ninguém me dá uma explicação. O que vou falar? O que é que eu vou ouvir nas redes sociais para vir dizer, para vir falar alguma coisa? Vou falar o quê? O que é que vou explicar se eu não sei de nada? Eles dizem que vão fazer perícia. A casa não está isolada, primeiramente. A casa não está isolada. Eles não têm a chave da casa e nem um PJ que diz que abriram requerimento, que abriram sei lá o quê... Vou ofender mesmo, realmente, p*** que pariu, sei lá o que que eles fizeram. Nem nada. Então, com que cara eles vão fazer a investigação? Vão investigar quem? Eles já chegaram à vizinhança para perguntar como é que era a minha vida com os meus filhos? Ninguém. Algum investigador já saiu para investigar os vizinhos, para investigar a área em que eu vivia, para vir a casa investigar a família? Ninguém!

Até ao momento, a senhora não foi ouvida pelas autoridades? Ninguém. Ninguém. Que país é esse? Os portugueses em Angola vivem em liberdade, são mais protegidos. Primeiro, estão os portugueses, depois os angolanos. São bem servidos, mas aqui na terra deles nós somos lixos. Para eles, nós somos famintos. Para eles, nós somos mendigos. Para eles, nós somos escravos. A escravatura aqui em Portugal ainda não terminou, ainda... Nós trabalhamos duro. Todos nós ganhamos o salário, o mesmo salário, mas, quando vêem que é uma preta que entrou, é uma escravidão que vocês não imaginam.

Sofria muitas ameaças, muita intolerância? Muita. E todo o mundo via, todo o mundo via. Inclusive, se eu não tivesse uma condução lenta, hoje eu estaria presa, porque ele se fez de vítima, entrando na frente do meu carro eu a conduzir e a filmar-me, a fazer de tudo para que eu o atropelasse naquele momento. E ‘tava cheio a tasca, a caixa ‘tava cheia com senhores aí fora. Ninguém conseguiu dizer: “Ó fulano, pára com isso, deixa a senhora passar.” Ninguém! Todo o mundo aí a olhar o filme que ele estava a fazer-me.

E há quanto tempo esse cidadão a persegue, ofende, ataca?... Isso desde Setembro. Desde Setembro, eu peguei a casa em Agosto, eu peguei o restaurante em Agosto e, em Setembro, começámos já a dar a conhecer que eu era a nova dona. E ali os problemas começaram, aí os problemas começaram: primeiramente partiram os vidros, depois meteram fezes dentro do restaurante, um saco de fezes mesmo. Mesmo esse que me pediu boleia também é um dos actores. O irmão desse próprio indivíduo que partiu o vidro não parava de me atazanar à frente dos clientes, assim como a mulher desse mesmo indivíduo. O irmão do indivíduo também já foi até lá fazer escândalo diante da minha menina. Quer dizer, as pessoas implicavam-se connosco sem mais nem menos.

E o que é que ele lhe dizia? Quais foram as ofensas que ele dirigia? Que nós não estávamos ali para servir comida, mas, sim, para agradar os clientes. Prostituição. Metem aqui uns ferros. Vocês são bonitas, têm um bom rabo, têm um bom corpo. A vossa simpatia, vocês aqui agradarem os clientes, não sei quê. Essa casa vai andar, vai ir mais em cima. Vocês vão ter lucros, vão ter boa vida, não sei quê, não sei quê. E eu sou pessoa que não falo muito, não sou de falar muito. Eu olho as coisas e deixo andar. E pá, vão para as vossas vidas, cuida das vossas vidas. Você não entra mais aqui nesse restaurante, não te quero mais ver aqui no restaurante, não entra mais. Ninguém atende mais bebida. Mesmo se nós não vendermos, eu vou pegar na bebida, eu vou beber e depois vou pôr com o meu dinheiro, porque eu sei donde tirar para meter.

Agora, quando as pessoas vão na live dizer que nós temos agência de viagem, que, às vezes, fazemos negócio e não deu certo. Por isso, houve dívida, houve não sei quê, sei lá o que é que estão a inventar ali. E teve mais comentários de pessoas a dizerem que, às vezes, essa mãe era problema, essa família era problemática nessa zona, por isso é que eles fizeram isso. Venham viver na minha pele! Vocês só estão por trás das redes sociais a esconder-se, fazendo os comentários anónimos. Venham viver na minha! Por quê que a PJ, que dizem ser a polícia mais confiável de Portugal, se é verdade ou é mentira, ou são todos corruptos, todos a mesma m****, não vem fazer essa investigação?

Nunca fizeram investigação? Nunca, nunca se levantou... nunca. Eu não me lembro, nem me lembro.

A senhora não foi contactada depois da morte da sua filha?

Nunca. Nunca, nunca, nunca. Ninguém se levantou até hoje para vir aqui fazer uma perícia. A casa ‘tá ali, as minhas coisas estão lá. Tudo o que está naquela casa é meu. Eu não tenho roupas, porque eu não tenho como ir lá, porque ali já não entro. Eu já não entro. Eu não sei se o que matou a minha filha [se foi] por eu pedir um apoio ao arrendamento, porque a casa pertence à fundação, porque aqui uma negra não pode ganhar uma casa. Porque não sei, eu não sei o que é que matou a minha filha. Como é que eu vou nas redes sociais dar uma explicação, dar informações às pessoas? É isso aí.

E essa teoria de suicídio, como é que é possível uma menina cometer suicídio e depois [está] com mãos atadas, como é que se suicida dessa forma? Eu, até ao momento, bato no peito e digo que a Maria não se matou.

A minha filha não teria coragem, porque a minha filha não gosta de sentir dor. E sendo ela mais alta que a janela, uma persiana, ela não estaria ali sentada. Se tivesse um tecto - eu não sei se vão compreender-me isso que eu vou dizer -, se tivesse um tecto que ela pegasse, amarrasse um fio no tecto, metia uma cadeira e bicava a cadeira, eu ia dizer: “A minha filha matou-se”.

...mãos atadas

Agora sentada no chão, bem organizada, bem endireitada, encostada na parede com o fio. O fio não fez aquele aperto de matança, não. O fio só foi colocado aí para agarrá-la de pé, porque eu abri o pescoço da minha filha.

A senhora... O fio é fino. Então, se ela se matou, o fio sendo fino, primeiramente a persiana desabava pelo peso dela e segundo cortava-a.

AL - Acredita que a sua filha foi estrangulada? Acredito. Acredito porque essa gente é maldosa de mais.

Vítima de ódio racial. Vítima de ódio racial.

A sua filha foi vítima de ódio racial?

Foi. O meu carro também foi vítima disso. Ele não escondia, dizia: “Tenho raiva dela. Eu tenho raiva dela e do restaurante.” Ele dizia isso... Eu tenho testemunhas.

Você chegou a ver o corpo da sua filha?

O corpo não só o rosto. Eles não deixaram. Não deixaram ver o corpo. Não deixaram.

E depois de ter levado o corpo daqui, a GNR nunca mais... a senhora teve... Nunca, nunca. Eles nunca se importaram com as queixas que apresentei.

Pois é esta informação, que também tenho, é que as queixas que a senhora apresentou sobre estas pessoas que a ameaçavam, afinal, nunca foram registadas?

Nunca. Quando eu li o processo, dei conta que tudo o que eu falei não estava escrito ali. É ali onde eu perdi a esperança com a GNR e fui recorrer ao presidente da junta de freguesia. Também não tive sucesso. Infelizmente, ele dizia que vai resolver e nunca resolveu porque é amigo da família. Ah, como vi que também não estava a ter sucesso, fui para a Câmara Municipal, falei com o presidente da Câmara Municipal daqui de Sever do Vouga, ele mandou-me para a Acção Social, onde também não recebi uma resposta convincente, que só foi “está bem, vamos resolver isso. Qual é o nome da pessoa?” Dei o nome, apontei no papel. Ali saí também, não me senti satisfeita. Fui para casa. No dia seguinte, vim ter novamente já com a vereadora.

Já era tarde. Já era tarde, enquanto eu estava a falar com a vereadora, afinal na minha casa estavam-se a passar os problemas. Já era tarde!

E onde é que está esse indivíduo? Está aqui ou está foragido? Só ouvi dizer que pertence a... Nós temos ouvido em todos os cantos, conforme eles também mandam pessoas aqui para virem ouvir e dar informações falsas. Nós também temos ouvido em todos os cantos. Estamos a ouvir que estão a tirar o indivíduo. Então, se ele não fez nada, é inocente, porque é que estão a tirar Sever de Vouga? O que eu vi aqui, o que eu notei desde que eu estou aqui, é que os polícias vivem mais de banga.

OK...

Vivem mais de banga. Eles, quando vêm para resolver um problema, as mãos estão nos bolsos, enchem os peitos, ficam aí a fazer passagem de modelo. É só vaidade! Só ficam a mostrar os corpos, mostrar uniformes, ao invés de actuarem, conforme a nossa polícia angolana, sobretudo quando se trata de um preto.

Desde que houve esses incidentes, muitos angolanos estão a passar mal, estão a mandar parar, estão a receber cartas, estão a não sei quê, pequena coisa, pretos, pequena coisa, não sei quê. Os angolanos aqui já não estão a andar como deve ser. Muitos já estão a ser despedidos nas empresas.

É retaliação. Muitos já estão a ser despedidos nas empresas. O Pingo Doce já despediu, o Confertil já despediu... através do óbito... Tudo isso...

Sente-se segura com essa situação toda? Não me sinto segura, pois não sei o que as pessoas estão a fazer. Estão a dizer que estão a apoiar. Eu, até o momento, não estou a entender e até já me assusto quando o meu filho fica à janela de casa. Quando batem à porta, fico logo assustada. Eu tenho medo de andar na rua, porque, há dias, eu saí à rua para levar a minha filha ao estágio, todos do GNR quando me viram ficaram todos ‘ensalsados, atrapalhados. Um tirava a matrícula do meu carro, o outro ficava sinceramente a seguir os meus passos, aonde eu ia.

Sente-se segura aqui?

Sinto-me insegura. Aqui já não tenho protecção de ninguém.

E ao nível das autoridades angolanas, a embaixada já vos contactou? Como é que é?

A embaixada está connosco desde que tomou conhecimento do caso, já veio aqui, foram até... para nós sabermos de tudo isso, foram eles.

O consulado...

O consulado, o vice-cônsul e a associação dos aveirenses. Sim, sim, sim. Porque nós não sabíamos mesmo de nada. Não sabíamos onde é que estava o corpo. Não, não tínhamos nada, nenhuma informação, nem nada. Mas, quando eles vieram aqui, tiveram a paciência de andar a par e passo em todos os cantos que eu falei, eles foram e eles constataram mesmo que eu estou sempre a dizer, desde o princípio que eu entrei no quarto da minha filha... - eu sou bem observadora, eu posso estar aqui, alguém que está tu atrás a fazer algo, vou dar conta. Desde o momento que entrei no quarto da minha filha, vi o cenário, eu disse “a minha filha não se enforcou”. Falei com a psicóloga, ela disse “vem aqui, vamos conversar”. Eu disse, a minha filha não se enforcou, não se enforcou nem sequer um minuto. E além disso, não tinham de tirar o corpo de onde estava, sem sequer a família chegar primeiro, sem sequer a família ver como é que estava o corpo, como é que não estava. Não tinham de pegar... fazerem vossa organização só entre vocês, sem nenhum de nós. Lá ela olhou no outro parcei ro que estava de lado e disse: “Tens mesmo certeza do que estás a falar? Tens noção do que estás a falar?” Eu disse: “Nem que for para nós irmos até aos tribunais, eu vou para dizer, explicar e ainda posso apontar quem matou a minha filha”.

Eu respondi isso para ela e tiraram-me para fora, chamaram o meu irmão. O meu irmão entrou para tirar foto, não deixaram nem tirar foto no corpo. Eu encontrei a minha filha já limpa, porque eles queriam que, no dia seguinte, tínhamos de enterrar já, já havia caixão, já tinha tudo, tudo organizado já, que isso não sa...

Até agora não tem resultado da autópsia, não é? Até agora, até ao momento, ninguém se pronuncia, ninguém se diz nada, só estão aí nos jornais, quer dizer, eles estão aí nos jornais, mas nem sequer ainda vieram ter com a família. As informações estão aí nos jornais, mas nem sequer a família tem conhecimento de tudo o que está a sair nos jornais.

O que é que a senhora quer da parte das autoridades angolanas por via das coisas? Quer apoio porque eles já tiveram nisso, mas precisa de mais apoio ao nível de segurança e que a justiça se efective. Claro, claro. Eu preciso de apoio, preciso de segurança, preciso de transparência. Eles têm de ser verdadeiros. Quero a perícia na casa, investigação rigorosa, como deve ser, como ser humano, porque ela não é animal, é um ser humano. É isso que eu peço da polícia, se é que existe mesmo polícias honestos aqui. Estou a pedir justiça pela minha filha e transparência, no caso, investigação em rigor... Há muita tenção nesse caso. Nesse caso, precisa-se de atenção. Esse caso não tem atenção jurídica. Não tem, não tem...

Não há atenção da parte quem? Das autoridades daqui e das nossas, também? Tanto faz. Não tem.

Acho que devia haver um envolvimento maior, a um outro nível, por parte das nossas autoridades para pressionar. Claro que sim, porque eu, até ao momento, vou nas redes sociais falar o quê? O que é que eu vou explicar? Você está a cobrar-me. Mas não fala, não diz nada. Vou falar o quê? Se eu não sei de nada. Eu saí de casa, fui trabalhar, eu só sei que a minha filha está morta. Eu vi a minha filha ser enterrada. Alguém que eu deixei bem saudável. ‘Tá enterrada. Vou falar o quê? O que é que as pessoas querem de mim? Vem viver o que eu estou a viver. Vem sentir na pele o que eu estou a sentir antes de falar, antes de julgar. Primeiro vivam na pele da pessoa!

A dor de uma mãe que perdeu uma filha de 17 anos. 17 anos. Minha filha de sofrimento. Minha filha de sofrimento que muito me custou. Amo os meus filhos, eu não tenho filho que veio acidentalmente ou que calhou.

Planeou-os todos. Sim, são planeados. Todos os meus filhos. Cada meu filho, cada um, cada nome do meu filho tem significado. A minha primeira filha é Eduarda. O nome significa... é surpresa. Eu tenho a Maria, a Maria é cessar, para cessar problemas de abortos, porque eu abortava muito. A Eduarda me surpreendeu e dei-lhe nome de surpresa, porque nós fizemos o tratamento e pensamos que o tratamento n ão tinha dado certo. Demos o nome de surpresa. A Maria foi para cessar os abortos. O nome da Maria é cessar. Se virem que eu escrevo ali é cessar. O Samuel porque o pedi na igreja. É meu Samuel. É Elias profeta, é meu Samuel. Todo o mundo sabe disso. Não há lógica, não tem porquê. Ele chegar a tirar a minha filha assim, de mão beijada.

(Fim do primeiro áudio)

Qual é o sentimento que tem nesta altura? De revolta, de mágoa? É difícil explicar. É difícil explicar porque não me falta vontade de sair dessa, por isso é que estou a dizer eu não posso ficar mais aqui, porque, se eu ficar aqui, vou cometer. Para isso não acontecer, eu prefiro sair daqui.

Quer sair daqui? Quer deixar isso?

Quero deixar isso para que a justiça seja mesmo a polícia, seja mesmo o trabalho da polícia, fazer a justiça. Se for eu, não vou esperar a polícia, porque não vai ser só um, não vai ser só de todos os responsáveis que me fizeram deixar a porta aberta, até os mesmos que estavam lá dentro, que fizeram a limpeza e me disseram que é suicídio. E eu respondo, eles são investigadores?

Pois quando fala...

Os bombeiros são investigadores? Os bombeiros são investigadores?

Quando fala deixar a porta aberta, terá deixado a porta aberta de casa porque alguém lhe disse que ia arranjar o quadro? Sim. Deixei, não tranquei a porta porque eu mesmo quando ‘tou a sair, eu tranco a porta, mesmo com eles dentro, porque sempre me senti insegura e vi o que essa pessoa é capaz.

Então deixou a porta destrancada porque alguém comunicou-lhe que tinha um problema no quadro da luz. ...que tinha problema no quadro, que tinha de vir ver o quadro, que ia mandar homens para virem ver esse problema. Isso é que me fez deixar a porta aberta.

AL - E quem foi que lhe disse isso, que o quadro tinha problemas? Alguma empresa, alguma... Eu só posso dizer isso...

Hum hum. Mãe - ...na presença do advogado.

  1. Isso tem a ver com a junta da freguesia; porque eu sou vizinha da junta da freguesia.

A junta da freguesia tá por baixo e eu estou por cima.

A casa é da junta? É da junta, sim. Pertence à fundação.

Então, no dia da morte da sua filha, recebeu um telefonema [a dizer] que tinha que deixar a casa destrancada porque iam ver um problema com quadro. Falou comigo na quarta-feira no fim da tarde, assim que eu cheguei em casa. chamou-me e me disse que tá com problema... e eu disse: “Não, aqui em cima não tenho problema.” “Ah, não, tem que ver o quadro”, não sei quê... Eu disse: “‘Tá bem, amanhã eu deixo.” Era para eu deixar a chave, mas a menina me disse, me diz: “Mamã, eu não vou à escola porque estou de pausa, vou fazer exames, vou estudar para exames.”

Eu disse-lhe: “Está bem, filha, como...” - porque eu falo mesmo assim com as minhas filhas -, “está bem, filha, como vais ficar em casa, fica atenta, vão vir homens. O senhor fulano mandou, disse que vai vir homens para virem arranjar, para virem ver o quadro, virem ver o problema da energia.” Ela disse: “Está be m, mamã, vou ficar atenta. A única ligação que eu recebi da minha, a única mensagem que eu recebi da minha filha é 7h22 - que ela reclamou de uma meia que eu deixei do irmão, porque é ela que prepara o irmão para levar ao transporte do jardim à porta -, que ela reclamou: “Mamãe, essa meia ‘tá rasgada.” E também foi algo, também que eu lhe disse, “como é que tá rasgada?” Tenho todas as mensagens aí com ela que ela disse, “como é que tá rasgada, filha? Se eu deixei tudo bem”, disse “uma delas está”. Foi a última conversa que eu tive com a minha filha. Minha filha é alguém chata, chata, chata, chata. Ela liga, ela não quer saber se ‘tá no trabalho, ela liga a toda a hora. Qualquer coisa que ela tá a fazer, ela liga. Se ela ‘tiver a cozinhar, vai te enviar o vídeo do que ela tá a fazer. Tudo que ela ‘tiver a fazer, ela vai te enviar mensagem, vídeo, tudo. Mas naquele dia, a única informação, a única mensagem que eu recebi da minha filha era só isso da meia. E mais nada. Houve um silêncio total. Tanto faz da pessoa que disse que podia mandar lá alguém para ir arranjar o quadro ou ver o quadro, qual era o problema que tinha, só ele é quem sabe, tanto faz... para a minha filha.

Resumindo e concluindo, a tal pessoa não veio ver o... Não veio nem até hoje nunca se pronunciou

Se foi ou não, nem até hoje nunca ligou para mim para dar umas condolências, nem até hoje lá de eu me apercebi, eu tava não sei quê e foi a mesma pessoa que estava no esconder dentro da junta para nós não ficarmos lá fora a chorar porque era um escândalo e estava a nos meter dentro da junta para ninguém saber de choros do que eu estava a ver aí.

A sua filha estava sozinha em casa. Estava sozinha em casa, estava sozinha em casa.

  1. Diga uma coisa, eu quero saber, fale-me da Maria. O que, como é que era Maria para si? Quais são os sonhos que ela tinha? Ela queria ser o quê? Essa parte não tenho assim muita, muita força.

Mas ela queria ser o quê? Dizia ela o que queria ser. A minha filha, ela queria ser tudo. Ela queria ser parteira, era muito fanática de bebés recém-nascidos. Ela queria ser parteira. Ela porque nós todos aqui temos problema de ossos, dores dos do corpo. E ela que faz bem, ela faz muito bem a massagem e ela dizia que também vai ser fisioterapeuta... que também podia ser isso. E o mais o que ela mais queria ser era estilista, porque ela é boa de moda, muito. Se vocês acompanharem os vídeos dela, os penteados que ela se fazia tudo aquilo sozinha, maquilhagem, não sei quê..., se preparar roupas, coser roupa, essa coisa toda, ela fazia tudo isso. E no dia 16 era para eu lhe inscrever lá na escola na costura. Lhe inscrevi no [Centro de] Arte (???) ali mesmo por trás da Câmara Municipal, ao lado da Câmara Municipal. Fui lá lhe inscrever porque ela também disse: “Mamã, eu também quero fazer a arte... também e não sei quê.” Fui lhe inscrever que era para começar já esse mês. Ah, tudo isso... era cozinha, é cozinha era com ela, todas as sobremesas, não sei quê ela fazia tudo isso.

Eu vi um relato muito sentido de uma que era professora, não, creio eu, no funeral. É uma colega, é uma colega na escola. Na escola, só bastava entrar na escola. “É a mãe da Maria.” Sim, isso é... Tens uma filha superespecial. Aquela outra é mais assim fechada, mas a Maria... só no mesmo dia em que ela faleceu, quando saí do trabalho, até antes de vir pegar a mãe, eu fui na escola lá para ir fazer a matrícula do menino. Só se falava da Maria, só se falava da Maria. A Maria é uma menina espectacular, é uma menina não sei quê. Eu disse, eu vos falei porque quando eu cheguei eu encontrei a minha filha mal, encontrei a minha filha mal, sofria bullying, essa coisa toda. Em 2022 que ela começou a estudar. Então quando eu cheguei aqui, eu disse: “Eu conheço minha filha, minha filha n [ão é] esse tipo de pessoa, minha filha é inteligente e eu sei que ela vai recuperar” e ali as pessoas me deram força, “fica com a tua filha, tudo vai dar certo”. E aí foi naquele dia que eu estava a falar, na quinta-feira, eu vos disse que minha filha não era esse tipo de pessoa. Minha filha é mega, é mansa. É alguém espetacular que no bairro todo mundo, todo mundo fala lá... “tu tens uma filha muito doce, muito, muito”. É aqui de manhã nós estamos a falar, minha mãe me pediu ajuda no telefone. Eu disse: Mãe, eu tô aqui a me perguntar quando nós sairmos daqui, irmos na nossa casa, como é que vai ser de mim? Como é que vai ser de mim? Televisão não sei mexer. Televisão aqui... Computador ela é que me ajuda a enviar email, enviar quê... a abrir Wha tsApp no computador é ela que me ajuda no telefone se tiver algum problema. Eu quero é com ela. É uma menina com uma inteligência...

(Silêncio. Mãe chora.)

É a dor que fica. É verdade. O que se pede é só justiça. Vamos pedir. É, é o que eu tenho a pedir. Justiça, transparência, igualdade.

Todos nós somos seres humanos. Não importa a cor. Todos nós somos ser humano. As pessoas não podem nos tratar com indiferenças. As pessoas não podem nos maltratar porque nós temos cores diferentes. Nós somos maltratados em todos os empregos que nós entramos. Nós somos maltratados quando sabem que essa é imigrante, é preta, é nova, é um caso sério. Te contratam para a cozinha, mas vão te meter na lixeira, a transportar lixo, a limpar o chão, a fazer não sei quê. Te contratam para uma coisa, chega ali, te metem numa escravidão, que a pessoa não consegue entender, não consegue perceber. É, é um caso sério.

É triste que ainda se viva isso em pleno século XXI, quando eles fazem isso com imigrantes, quando os portugueses espalhados pelo mundo, de Angola, vivem... Há muita hipocrisia, muita hipocrisia. Coração frio, coração negro. É muita hipocrisia rirem contigo... no fundo, no fundo se fazem de tão amigo no fundo, no fundo... são mesmo eles a te prejudicarem. É muita hipocrisia o que eu vivo aqui, que eu... só de pouco que eu já passei muitos trabalhos aqui. É muita hipocrisia. É muita hipocrisia. Hum, hum.

Mas, alegadamente, chegar até este ponto é muito grave. Muito.

O ódio não pode chegar até este ponto. Muito, muito. Porque eles, olha, não há ninguém que não via eu a ser agredida aí na rua. Não há ninguém que não via isso. E eu sempre perguntava, mas será que vocês não vêem isso? Vocês riem comigo, comem comigo, bebem comigo, acham mesmo isso certo? Ah, ele é maluco, ele não sei quê. Todos nós sabemos que todo mundo que consome droga é perigoso. Todo mundo sabe isso. Toda a gente sabe que toda a gente que consome droga é um agente perigoso, perigosíssimo, que nem podia até estar livre, livre em liberdade na sociedade. Não devia, porque é capaz de muita coisa. Assalta casa, assalta carteiras das pessoas, chave do carro, rouba nas lojas, faz não sei quê... sempre à solta GNR não faz nada, só fica ali com a mão no bolso a mostrar o peito, a vaidade eh pá, o GNR daqui de Sever do Vouga são muito, são muito ‘bangal’, né? É assim que se diz, vaidosos. Eles vivem mais pela vaidade, não pelos seus serviços. Esses não juraram bandeira como a gente jura bandeira na nossa polícia. Hum, hum. Esses não, esses não juraram defender. Se defender, defendem mesmo entre eles, é defender mesmo entre eles, porque ele não fazia até só comigo, até mesmo com a gente deles, mas a GNR nunca o prendeu. Mas se alguém fizer alguma coisa nele, ali, a GNR aparece e faz como se fosse uma GNR já comprado, já tá comprado para proteger essa pessoa.

É assim que eu digo, a GNR daqui de Sever do Vouga é comprado por essa gente, porque dizem que a mãe quando ele faz algo, a mãe paga para ele não ficar preso. Então quer dizer que é uma GN... e eu falo isso com provas, é uma GNR comprada.

Comprometida. Pois, de certa forma, quando falava aqui e nós terminamos no envolvimento ao mais alto nível e, de certa forma, também pode ser mesmo ao nível até dos chefes de estado, porque não se tem visto pronunciamento das autoridades. Eu vi o próprio ministro do Interior, fez uma nota nas suas redes, no Facebook, mas acho que este é um caso que já deve ir ao mais alto nível.

Hum. Eu quero ver.

Eu para ter certeza eu tenho que ver. Enquanto eu não estiver a ver, ainda estou sentada, nessa cama à espera de alguém que vem...

A dor de uma mãe angolana... ...que vem ter comigo. Aí sim. Eu não estou a ver, só estou a ver notícias nas redes sociais, nos jornais, não estou a ver nada, ninguém ainda veio comigo... enquanto eu tiver só a ver notícias para mim é blá-blá-blá...

Não recebeu um telefonema nem do Ministério da Família, nem da... nada de Angola... Nem da p*** que pariu, perdão, nem de p*** que pariu. Ainda não recebi m**** nenhuma.

Até ao momento.

Até ao momento. Até ao momento, quer dizer, é só mais uma, deixa ir enterrar. Já enterraram mesmo. Nós não enterramos porque tínhamos pressa, conforme a população tá a dizer, a família tinha muita pressa, foi ameaçada, foi paga. Eu assim, minha filha, que eu sofri sozinha, que eu criei mesmo, batalhei mesmo sozinha mesmo na minha vida, criar minha filha. Assim eu vou aceitar mesmo ser paga, hein? Para mim calar a boca. Assim eu vou aceitar mesmo, hein? Vir-me corromper porque enterra, enterra. Eu enterrei minha filha porque era sofrimento demais no gelo. Era sofrimento demais desde o dia 12 até o dia 28.

Hein? Guardar o corpo parece que eu estou a guardar peixe. Conforme vocês guardam os frescos na vossa arca até criar gelo. É também que eu tinha que fazer também com a minha filha. Vem viver na minha pele antes de vocês falarem. Vem viver o que eu estou a viver. Vem viver o que eu estou... Não me frustra mais do que eu já estou. Porque eu estou à espera da justiça dos homens. Estou à espera da justiça dos tribunais, da polícia, porque vocês não me frustrem com que eu própria me levante e faço a minha justiça.

Não provoquem isso. Porque é que vocês estão... Porque hoje vocês só estão a falar, amanhã quando acontecer factos, vocês serão os primeiros a esconderem as caras, a esconderem as vossas caudas. Vocês serão os primeiros. Então não me frustrem mais do que eu já estou

Recebeu algum apoio para funeral? Por parte da junta ou das autoridades angolanas? Não, não, não recebi nenhum apoio. Não recebi. Recebi condolências da que veio a partir da Paloma. Agradeço por isso. Ela reclamou que a gente não tá agradecer, não tá não sei quê. Eh, a Paloma mandou uma contribuição realmente de 500 €. Recebi, sim, senhora. Aqui a nossa sociedade africana também deram uma contribuição de 265 €. Ah, o consulado, segundo eles dizem que é de parte, eles dizem isso, né, que é de parte da senhora cônsul, que mandou 350 €.

Não é institucional, não é o consulado como tal, é a iniciativa da senhora. Não, segundo eles dizem que não é, e não é não

Terceira pessoa - Mas isso foi depois de eu ir gritar nas redes sociais, não sei.

Agora a minha igreja, a minha igreja ajudou a agência, a caixa, a casa mortuária, a igreja.

De que igreja é? Eu sou a Igreja Pentecostal Evangélica. Hum hum.

Tá bem. Obrigado. Isso. A Paloma, quem é Paloma? Quem é? Eu..

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