"Nunca fui um mentor ou um testa-de-ferro" - Assessor de Isabel dos Santos

Post by: 15 Julho, 2025

INVESTIGAÇÃO EXCLUSIVA: AS REVELAÇÕES DE MÁRIO LEITE DA SILVA, O HOMEM DE CONFIANÇA DE ISABEL DOS SANTOS 2/5 || Em declarações de 2022 que só agora são reveladas, Mário Leite da Silva falou da relação com Américo Amorim e que foi o facto deste não o nomear para a administração da Galp que o levou a aceitar um convite de Ricardo Salgado e depois de Isabel dos Santos.

Reiterou inocência nos processos que o investigam, garantiu que Angola escondeu documentos e disse que nunca viu nada de errado no comportamento da filha do presidente José Eduardo dos Santos. O investigador dos Países Baixos perguntou-lhe como era possível que não duvidasse de alguém que usufruía das vantagens concedidas pelo pai e presidente José Eduardo dos Santos num país com altos níveis de corrupção

A gravação começou às 10h15, numa sala do Hotel Crowne Plaza, no Porto. Era segunda-feira, 30 de maio de 2022. Naquele sigiloso encontro que acabou por durar quase cinco horas, um investigador holandês e a sua assistente inquiriram o gestor Mário Leite da Silva, considerado um dos homens de maior confiança – e até suspeito de ser testa-de-ferro em investigações criminais em Portugal - de Isabel dos Santos quando a angolana dirigiu e terá defraudado em 2017 a empresa Sonangol em muitos milhões de euros. Mandatados para cumprir o despacho de 17 de setembro de 2020 das autoridades dos Países Baixos que, a pedido da Sonangol, ordenaram uma investigação aos negócios e relações da Esperaza (empresa holandesa participada por Angola), Willem Jan Van Andel e Eveline Neele iniciaram a entrevista com Leite da Silva pedindo-lhe que lhes falasse um pouco do respetivo percurso profissional.

- Willem Van Andel (WVA): “Este é o início da audição do sr. Silva, no Porto. Estamos a 30 de maio. Obrigado por ter vindo, Sr. Silva.”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Obrigado.”

- WVA: “(…) Acho que sua formação é principalmente financeira, não jurídica. Pode falar-nos um pouco sobre isso?”

- MLS: “Sim, mas em primeiro lugar, muito obrigado por esta oportunidade. Eu tentarei responder especificamente a todas as suas perguntas. Eu li o protocolo da entrevista e tentei fazer os trabalhos de casa, o que significa que entendi que estão a tentar encontrar explicações para coisas que ocorreram no período que está sob investigação. Eu tenho alguns dados que posso compartilhar, ou não, é como desejar.”

- WVA: “Deixe-me dizer que encontrar a verdade aqui é a minha principal função. Por isso, se tiver quaisquer documentos…”

- MLS: “Sim.”

- WVA: “… estou disposto a vê-los e, se possível, a aceitá-los.”

- MLS: “Perfeito.”

- WVA: “Presumo que sejam cópias?”

- MLS: “Sim, sim.”

O investigador holandês colocou-se à disposição do antigo braço direito de Isabel dos Santos para receber os eventuais documentos, mas Leite da Silva disse-lhe que entregaria os documentos internos da Sonangol, sobretudo decisões da Administração, e que responderia a todas as perguntas, mas que antes queria fazer uma declaração inicial. Van Andel concordou, mas insistiu que o gestor começasse pelo currículo e percurso profissional. E assim foi. Leite da Silva confirmou que a sua formação era financeira, que era licenciado em Economia pela Universidade do Porto e que fora professor de gestão em Braga e na Porto Business School. “Agora dou aulas também na Universidade do Porto, mas sobre finanças”, acrescentou antes de recuar no tempo para mencionar que começara a trabalhar como analista de crédito quando ainda estudava na faculdade.

Com o passar dos anos, acabou por entrar numa multinacional alemã que tinha uma sucursal em Portugal, a Grundig, onde trabalhou entre 1999/2001. O investigador holandês disse-lhe que conhecia a empresa e Leite da Silva acrescentou que pouco tempo depois de sair da Grundig para o grupo Amorim, a multinacional Delphi, um gigante mundial de componentes automóveis tinha aproveitado as dificuldades da Grundig para lhe comprar a fábrica de Braga. Mas o gestor regressou rapidamente a outra etapa do percurso profissional: “(…) a família Amorim é hoje a família mais rica do Portugal. Fiz muitas transações com o sr. Amorim, muito parecidas com o que fiz com o sr. Dokolo [Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos] e a sra. dos Santos [Isabel dos Santos].” O financeiro explicou que no grupo Amorim negociara com vários bancos e participara ativamente na reestruturação das empresas de Américo Amorim, um empresário cuja estratégia já incluía algo que viria a marcar o futuro do grupo: a compra de uma participação acionista na Galp. Mas também apostar de vez nos negócios em Angola, inclusive no setor bancário.

- Willem Van Andel (WVA): “Você esteve envolvido na criação do Banco BIC, certo?”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Nesse período, sim, estive com o sr. Amorim.”

- WVA: “É verdade que naquela altura eram o sr. Amorim, o sr. Teles [Fernando Teles] e a sra. dos Santos? Os três?”

- MLS: “Sim, sim. (…) Nós, Amorim, convidámos o sr. Fernando Teles para ser o CEO do banco. Permita-me dizer uma coisa muito importante. Eu digo sempre "nós, nós, nós", mas não sou acionista, nunca fui acionista. Quando digo “nós” é porque é mais fácil falar assim.”

- WVA: “Eu entendo.”

- MLS: “Eu sempre tratei da gestão (…) eu estava ao lado do sr. Amorim quando em 2004 fui pela primeira vez na vida a Angola. E foi durante aquela viagem que ele decidiu o que queria fazer. Ele compreendeu naquele momento que o preço do petróleo aumentaria e que países com recursos naturais como Angola teriam expectativas de crescimento e de grande desenvolvimento económico. Foi naquela viagem, a 10 de junho de 2004. Lembro-me bem da data porque 10 de junho é feriado em Portugal, é o Dia de Portugal. Tínhamos um plano estratégico e ele decidiu avançar com a abertura de um banco (…)”

“Não sou arguido por causa da Esperaza”

A conversa alongou-se sobre o banco, o gestor escolhido (Fernando Teles) para avançar, a relação acionista do banco BIC com o Eurobic em Portugal e outros pormenores históricos, até chegar ao que realmente interessava ao investigador holandês: como é que a empresa holandesa Esperaza, participada pelo Estado angolano e Isabel dos Santos, comprara uma participação na Galp. Mário Leite da Silva começou por dizer que não pretendia entrar em muitos detalhes, mas lembrou que em 2004/5 havia uma série de investidores que queriam comprar a participação da empresa italiana ENI na Galp.

Em retrospetiva, é evidente que naquele período foi marcante a associação de Américo Amorim a Isabel dos Santos e à Sonangol. Os caminhos já se tinham cruzado desde o tempo em que o empresário fora acionista da Petrocontrol, um grupo privado que foi acionista da Galp quando então se chamava Petrogal, e que várias vezes manifestou vontade de ter a Sonangol como acionista. Depois Américo Amorim fez parte, tal como a Sonangol, do consórcio da Carlyle que em julho de 2004 concorreu para comprar a participação da ENI na Galp, pois os italianos estavam a defrontar-se com uma forte oposição do governo português para aumentar o capital social na Galp Energia.

No início de novembro de 2005, Américo Amorim fez chegar ao Governo liderado por José Sócrates uma proposta para aquisição da participação da ENI com base numa avaliação de quatro mil milhões de euros, que depois viria a subir para cerca de cinco mil milhões. Nessa altura, a Amorim Energia tinha como acionistas a Power, Oil & Gas Investments B.V. (30%) e Oil Investments B.V. (5%) de Américo Amorim, a Amorim Investimentos Energéticos, SGPS, SA (20%) – em que Américo Amorim detinha 55%, a Caixa Galicia 45% e precisamente a Esperaza Holding B.V. (45%), em que a Sonangol detinha 60% e Isabel dos Santos/Sindika Dokolo os outros 40% através da Exem Energy B.V..

- Mário Leite da Silva (MLS): “Em 2004 e 2005, todos, e quando digo todos são realmente todos os que tiveram capacidade financeira em Portugal e também internacional, tentaram comprar a participação da ENI e só nós conseguimos, só nós conseguimos. Então, é isso…”

- Willem Van Andel (WVA): “Isso é 33%?”

- MLS: “Sim, 33%. Então isto marca uma diferença porque sei que a ENI foi abordada para vender. Naquela época, um potencial litígio entre a ENI, a empresa italiana, e o governo português quase aconteceu por causa de uma opção de compra que a ENI tinha e que caso fosse exercida lhes daria, na prática, o controle da empresa. E o governo português disse naquela época: ‘Nunca aceitaremos isso’. E a ENI decidiu: ‘Ok, não queremos entrar num litígio com um País, com o Estado Português, então vamos vender’ (…). A nossa primeira ideia foi: ‘Ok, vamos tentar comprá-los’. E foi isso que fizemos, nós, o grupo Amorim, juntamente com o sr. Dokolo e a sra. Isabel dos Santos, e antes de se ter abordado a Sonangol, está tudo documentado. A primeira reunião que na Amorim tivemos com a ENI, com o sr. Paolo Scaroni que naquela época era o CEO, e os seus representantes, foi até engraçada porque eles não nos levaram a sério e diziam ‘tudo bem, mas isso é muito dinheiro. Vejam bem as capacidades financeiras necessárias e é preciso know-how’. E é nesse momento que o sr. Amorim, juntamente com o sr. Dokolo e a sra. Isabel dos Santos, decidiram contratar um consultor jurídico, a Linklaters, e um financeiro que trabalhava com o Banco Santander. Não as trouxe, mas tenho as avaliações de 12 e de 25 de outubro de 2005. E a primeira reunião com a Sonangol aconteceu a 26 de outubro de 2005…”

Van Andel interrompeu Leite da Silva reiterando-lhe que nada daquilo estava em causa na investigação que corria nos Países Baixos e o gestor insistiu que chegara o tempo de ler a declaração que tinha preparado. Pegou em várias folhas de papel e avançou: “Não sou arguido em Portugal em qualquer processo criminal relativo à Esperaza ou à Exem. No processo penal português para se ser formalmente arguido o cidadão é chamado por um juiz, pelo Ministério Público ou por um agente da polícia e é indiciado com uma menção às disposições penais relativas a uma súmula de factos (…) O único caso onde fui formalmente chamado pelo Ministério Público em Portugal e constituído arguido é um caso que não tem nenhuma relação com a Esperaza ou a Exem, ou mesmo com qualquer outra empresa propriedade da sra. Isabel dos Santos ou do seu falecido marido. Nesse caso eu partilhei com o procurador [Jorge Rosário Teixeira, do DCIAP) todos os detalhes relativos à origem dos fundos e às operações envolvidas, negando qualquer suspeita de lavagem de dinheiro.”

Nesta altura, em 2022, e ainda hoje, Leite da Silva estava constituído arguido pelo Ministério Público (MP) português em apenas num dos mais de 20 inquéritos abertos (o caso da compra de uma moradia na Quinta do Lago com dinheiro suspeito de pertencer a Isabel dos Santos) na sequência do caso Luanda Leaks e das cartas rogatórias angolanas que deram origem em Portugal a vários arrestos preventivos de bens, ocorridos em março, setembro e outubro de 2020. Tal como Isabel dos Santos, Leite da Silva ficou com as contas bancárias arrestadas, inclusive as que detinha também com a mulher Paula. A primeira grande operação de buscas dos processos autónomos portugueses, na altura ainda sete, ocorreu também no início do verão de 2020, sendo que um dos alvos principais, além de empresas detidas por Isabel dos Santos e administradas por Mário Leite da Silva, foi o próprio gestor português. A moradia no Porto e um apartamento em Lisboa foram alvo de buscas.

Num dos mandados o MP escreveu que, além de Sarju Raikundalia (ex-CEO da Sonangol) e da empresária Paula Oliveira, Mário Leite da Silva e a mulher Paula eram suspeitos de, “por iniciativa própria” ou por “subordinação às instruções de Isabel dos Santos”, ajudarem a branquear milhões de euros obtidos na Sonangol de forma alegadamente criminosa. As autoridades suspeitavam que parte substancial deste dinheiro, que foi inicialmente para o Dubai, teria acabado por regressar em 2017/18 a Portugal para contas de empresas controladas por Isabel dos Santos e pelos seus testas de ferro.

Retomando à declaração inicial que fez em 2022 perante o investigador Willem Van Andel, Leite da Silva destacou ainda: “Também fui chamado em Portugal a prestar declarações por causa de uma carta rogatória das autoridades angolanas, uma investigação criminal relativa a um projeto de reestruturação na Sonangol. Novamente, cooperei totalmente e entreguei todos os documentos e dei todas as explicações. Nunca fui chamado para falar sobre qualquer alegada investigação criminal conduzida em Angola que possa estar relacionada com a Exem ou a Esperaza, mas ofereci toda a minha cooperação às autoridades daquele país, sendo ali representado por um escritório local de advogados.”

Mário Leite da Silva continuou a ler. Disse que tinha recebido em Portugal, de novo através de uma carta rogatória angolana, uma notificação de um processo cível naquele país e que fora no âmbito desse inquérito que descobrira alegadamente “um conjunto muito relevante de documentação escondida das autoridades holandesas” e de C. B. Schutte, um advogado nomeado diretor da Esperaza Holding, BV, durante as investigações que decorriam em Amesterdão na sequência da queixa intentada pela Sonangol e a Esperaza contra a Exem Energy BV, Isabel dos Santos, Konema Mwenenge, Sarju Raikundalia e o próprio Mário Leite da Silva, entre outros.

Mário Leite da Silva: "Nunca fui um mentor ou um testa-de-ferro da sra. dos Santos ou do sr. Dokolo (...) Nego veementemente que tenha corrompido ou sido corrompido por alguém, ou que tenha tido qualquer conhecimento de atos corruptos de pessoas com quem trabalhei"

Sobre as muitas notícias publicadas que já o tinham dado como colaborador dos esquemas alegadamente criminosos de Isabel dos Santos e do marido, Leite da Silva disse de forma perentória: “Nunca fui um mentor ou um testa-de-ferro da sra. dos Santos ou do sr. Dokolo.” Frisando que se limitara a trabalhar como consultor ou administrador em algumas empresas, garantiu que nunca teve qualquer participação acionista nas empresas ou nas transações e também que não recebera qualquer remuneração da Esperaza Holding BV, da Exem ou da Sonangol, apesar de ter colaborado com estas empresas. “Durante todos esses anos limitei-me a trabalhar para estes dois empresários angolanos, como fiz no passado com o sr. Américo Amorim. Tanto quanto sei, a sra. dos Santos e as suas empresas estão sob investigação em Angola, Portugal e noutras jurisdições, e isso inclui investigar o meu conhecimento dos fatos e que tipo de participação tive nesses fatos. Mas é relevante dizer que ofereci total colaboração às autoridades, como fiz no caso da arbitragem na Holanda (…)”

Finalmente, concluiu: “Não aceito que tenha cometido qualquer infração penal ou mesmo ato ilícito ou ilegal. Nego veementemente que tenha corrompido ou sido corrompido por alguém, ou que tenha tido qualquer conhecimento de atos corruptos de pessoas com quem trabalhei (…) A Sonangol e o estado angolano obtiveram um lucro de centenas de milhões de euros devido ao meu trabalho na Esperaza e posteriormente no quadro da equipa de consultores que coordenei na empresa Matter, Business Solutions [entidade que intermediou a contratação de consultadorias para a Sonangol avaliadas em dezenas de milhões de euros durante a presidência de Isabel dos Santos]. Isso poupou centenas de milhões de dólares em custos à Sonangol.”

Já tinha um compromisso com o sr. Ricardo Salgado”

Depois de ouvir atentamente estes e outros pontos da declaração de Leite da Silva, o investigador Van Andel perguntou: “Você disse que há muita informação escondida das autoridades?” Leite da Silva respondeu-lhe logo: “Há, sim.” As perguntas e respostas curtas sucederam-se: “Isso é bom. Mas quem, quem escondeu isso?”/“A Sonangol e advogados da Sonangol”; “Está a dizer que a Sonangol forneceu deliberadamente informações seletivas ao procurador?”/“Sim”; “O MP está a investigar um caso de peculato, fraude, etc. e você diz que eles [Sonangol e advogados desta] não lhe deram a documentação que tem a ver com todas as situações?”/ “Precisamente”.

- Willem Van Andel (WVA): “Isso é o que você diz, ok. Não posso julgar isso. Além de que não sou eu que está encarregue de qualquer processo criminal, mas é claro que estou interessado nisso (…)”

O investigador holandês pediu a Mário Leite da Silva que lhe desse apenas o exemplo mais marcante dos documentos do Conselho da Administração da Sonangol que tinha sido propositadamente escondido por Angola das investigações que decorriam em Luanda, Portugal e nos Países Baixos. Depois de várias hesitações, o gestor foi ao essencial: “Este documento é o relatório elaborado em outubro de 2018 por este consultor financeiro, a Duff & Phelps [consultora centenária norte-americana] (…) e este documento mostra o cálculo da dívida e o cálculo do valor das ações detidas pela Exem. A Sonangol escondeu isto, mas eu traduzo porque pedi a tradução e é bastante relevante. Esta é uma resolução da administração da Sonangol assinada por todos os membros do conselho e, como você pode ver aqui, diz que o acordo de liquidação [da Esperaza] foi previamente aprovado pelo Presidente do República, o sr. João Lourenço, e por Hélder Pitta Grós, o procurador-geral da República Angola. Está aqui.”

Willem Van Andel prometeu que leria mais tarde os documentos, mas Leite da Silva continuou a reiterar que tinham sido escondidos de propósito. O investigador holandês decidiu mudar de assunto voltando atrás no tempo, à história de como Leite da Silva fora contratado por Isabel dos Santos e pelo marido Sindika Dokolo: “Como foi, por assim dizer, a transição da Amorim para a Esperaza?” 

- Mário Leite da Silva (MLS): “Não aconteceu diretamente como você mencionou. Em 2005 estava no grupo Amorim, trabalhava diariamente com o sr. Amorim, e eu comprei para a Amorim, e em nome dos demais sócios, uma série de empresas. Fui à Holanda visitar o escritório de advocacia Freshfields [com sede em Londres, o Freshfields Bruckhaus Deringer é um dos maiores escritórios de advocacia do mundo], e, no dia 6 de dezembro, comprei em nome da Amorim Energia a Almentor Investments, a Esperaza, a Power Oil and Gas (…) depois, no dia 7 de dezembro, assinámos os acordos com a EDP para comprar a primeira parcela porque, tal como a negociação, o acordo aconteceu em várias etapas. Portanto, antes de qualquer coisa assinada com o sr. Dokolo ou com a Sonangol, a 7 de dezembro de 2005, comprometemo-nos a investir €1,7 mil milhões com base num acordo verbal feito entre o sr. Amorim, o sr. Dokolo e sra. dos Santos. E depois de assinarmos o acordo de acionistas com o Governo português a 30 de dezembro de 2005, tirei alguns dias de folga com minha família.”

De seguida, Leite da Silva garantiu que naquela altura já tinha tomado a decisão de sair do grupo Amorim e que até falara disso com a mulher, Paula Silva, que começou por lhe dizer que se tratava de uma loucura. O problema era que o gestor estava chateado porque queria ir para a administração da Galp, mas Américo Amorim não parecia disposto a fazer-lhe a vontade. A mulher de Leite da Silva ainda o incentivou a insistir com Amorim, algo que o gestor garante ter feito em janeiro de 2006, logo após o regresso das curtas férias. Segundo esta versão, a conversa decorreu com Américo Amorim e um dos seus homens de confiança, José Carvalho Neto. “Eu sempre tive um relacionamento incrível com o sr. Amorim. Eu trabalhava sete dias por semana com ele. Eu era sempre o primeiro ou o segundo a chegar de manhã ao escritório. Quando eu era o segundo, o primeiro era ele. E eu era também o último ou o penúltimo a sair do escritório no final do dia. Se alguém ficava depois de mim, era o sr. Amorim. Trabalhávamos sábados e domingos todas as semanas”, recordou Leite da Silva.

O trabalho seria tão intenso que, em 2005, na noite da véspera de Natal, o gestor ficou no escritório até às 21h30. “Eu estava quase a divorciar-me por causa do trabalho. Então, em janeiro de 2006, falei com o sr. Amorim e o sr. Carvalho Neto e disse-lhes: ‘Eu tenho 32 anos e estou muito grato por todas as oportunidades que tive. Eu fiz algumas das maiores transações, isso aconteceu ano após ano em Portugal. Ninguém da minha idade tem essas possibilidades e estou muito grato pela confiança que o sr. Amorim depositou em mim. Mas como tenho 32 anos preciso de respirar. Preciso ver outras coisas e para ver outras realidades, quero ir para a administração executiva da Galp’. Ele respondeu: "Não, não. Isso não é uma hipótese. Você continuará aqui porque temos um ótimo relacionamento’. E tínhamos, mas o meu problema não era com o sr. Amorim, era com o genro do Sr. Amorim. Não as filhas, o genro do sr. Amorim, que é hoje administrador não executivo da Galp [Francisco Teixeira Rêgo, casado com Luísa Amorim] e eu não lhe reconhecia naquela altura o perfil para o cargo. Mas foi aí que pensei: ‘Ok, mas ele é família, não vou arranjar confusão (…) e eu disse-lhe que iria apresentar a demissão, e sem ter qualquer outra hipótese de emprego. Foi só no final de janeiro [de 2006] que recebi um convite. Fui abordado por diversas pessoas, mas acabei por receber um convite formal de emprego de uma seguradora dos Espírito Santo, a Tranquilidade (…), e aceitei.”

- Willem Van Andel (WVA): “Mas você trabalhou em seguradoras?”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Não, não, não (…), recebi o convite no final de janeiro, e em meados de março estive numa reunião com o sr. Dokolo, a sra. dos Santos e o sr. Carvalho Neto. No final dessa reunião pedi alguns minutos a sós com a sra. dos Santos e o sr. Dokolo e informei-os: ‘Dentro de duas semanas, ou uns 10 dias, terão um novo interlocutor do lado da Amorim’. E ela perguntou-me se ia ter outras responsabilidades e eu disse-lhe: ‘Não, vou sair do grupo e começarei na Tranquilidade. Serei CFO da Tranquilidade’, que era a segunda maior seguradora em Portugal. Pela relação que desenvolvemos com a criação do Banco BIC, com a Galp e com outros negócios – discutia-se a possibilidade de investimento conjunto numa empresa de cimento, a Nova Cimangola, em Angola -, senti que os devia informar. Foi então que ouvi: ‘Precisamos de alguém para trabalhar connosco’. Foi então que me disseram que o sr. Teles lhes tinha sugerido o meu nome, porque sabia que eu não estava completamente feliz na Amorim por causa do genro do sr. Amorim. O sr. Teles nunca me falara disso e a sra. Isabel e o sr. Dokolo também não. ‘Não faça isso. Vamos trabalhar juntos’, disseram-me. Eu ainda lhes referi que já tinha um compromisso com o sr. Ricardo Salgado, mas eles responderam-me que eu podia falar com ele para resolver a situação.”

“Para ser honesto, nunca vi nada de errado”

E ficou resolvida, tendo Mário Leite da Silva começado a trabalhar nos primeiros meses de 2006 para o marido e a filha do presidente de Angola José Eduardo dos Santos – “O trabalho e as responsabilidades eram muito semelhantes ao que eu fazia com o sr. Amorim”, voltou a dizer o gestor na audição com os dois investigadores holandeses em 2022. Mas a resposta de Leite da Silva levou Van Andel a perguntar o óbvio: “Esta é uma pergunta que faço com a visão retrospetiva que temos, com o conhecimento atual, mas já então era um facto que Angola nunca teve uma posição elevada nos índices de não corrupção. Sempre foram bastante baixos. Quando o sr. Amorim e você conversaram em 2004 sobre o Banco BIC, ou em 2005/6 sobre a Galp, a Sonangol e a Exem, e quando você foi trabalhar com eles em 2006, nunca pensou ‘Eu tenho de ser cauteloso.’”

- Mário Leite da Silva (MLS): “Com certeza. Mas para ser honesto, nunca vi nada de errado, e negociei em Portugal com todos os maiores grupos que você pode mencionar. Por exemplo, a Sonae. A Sonae é...”

- Willem Van Andel (WVA): “Não, não vamos entrar nisso. A minha questão é apenas uma observação. E talvez isso tenha acontecido mais tarde, em 2013, ou sei lá, quando ela foi considerada de longe a mulher mais rica da África. Eu não conheço outras mulheres bilionárias em África. Talvez você saiba ... eu não sei. É claro que ela diz: ‘É porque sou uma boa mulher de negócios’ (…) você não pensou... eu não estou a julgar: ‘Não poderá haver uma ligação entre o facto dessa mulher ser tão rica e ser filha de um Presidente que já está no poder há 20/30 anos e cujo regime tem a reputação de ser muito corrupto’? Estou apenas a tentar entender quais eram os seus pensamentos sobre isso.”

- MLS: “Sr. Van Andel, quando você tem alguém como o sr. Amorim, uma pessoa mais velha, muito experiente, que faz negócios em todo o mundo, e decide investir em Angola e investir com a sra. dos Santos… E negócios sem nunca existirem conversas do tipo: ‘Você precisa me dar isso como presente’, ou ‘Preciso ser compensado por aquilo’, nunca, nunca. Então, eu... como diria?... era cauteloso sobre isso? Com certeza. Sempre. Mas posso justificar todas as transações em que estive envolvido. Todas as transações desde o início.”

- WVA: “Sim, ok, só estou a falar disto porque me chama a atenção. Por exemplo, a Isabel dos Santos, acho que ela nasceu em 1974, 1973, algo assim [nasceu a 20 de abril de 1973] (…) pelo que entendi, quando tinha 20 e muitos anos, ela já tinha uma participação de 25% na maior operadora de telecomunicações móveis de Angola, a Unitel.”

- MLS: “Posso corrigir?”

- WVA: “... bem, então você começa a corrigir-me. Isso é bom. Então farei a pergunta depois de me corrigir.”

- MLS: “Não, só para dizer que ela me contou... eu não estava a trabalhar com ela naquela época. A Unitel foi criada no início dos anos 2000 [foi criada em 1998 e entrou no mercado em 2001].”

- WVA: “Eu sei.”

- MLS: “A empresa foi criada durante a guerra civil [1975/2002]. Ninguém queria investir em Angola. Ninguém queria correr esse risco. O investimento era muito semelhante ao do Banco BIC hoje. O Banco BIC é uma instituição enorme, enorme. O investimento inicial foi de 6 milhões de dólares. Começámos em maio de 2005 o Banco BIC e no final do ano, segundo os balanços auditados, o lucro líquido foi de 5,8 milhões. No ano seguinte, o lucro líquido auditado após impostos foi de 32 milhões. No ano seguinte, foram cerca de 80 milhões de euros. Então, o que eu quero dizer é que sim, era um mercado muito arriscado, mas quem estivesse disposto a correr o risco, poderia obter um bom retorno (…) Resumindo: Angola era um mercado com investimentos arriscados, mas com um bom potencial de retorno.”

- WVA: “Você disse que eu estava errado, mas ela era acionista da Unitel com 25%, via Vidatel, certo?”

Mário Leite da Silva concordou, mas voltou a lembrar que Isabel dos Santos tinha construído a empresa ao longo dos anos. Aliás, a Unitel foi, até janeiro de 2020, controlada por quatro acionistas, cada um dos quais com 25%: a PT Ventures (detida primeiro pela PT e depois pela brasileira Oi), a Sonangol, a Vidatel (de Isabel dos Santos) e a Geni (do general Leopoldino "Dino" Fragoso do Nascimento). A falhada fusão da PT com a brasileira Oi, em 2014, levou ainda assim que os 25% do capital da Unitel ficassem nas mãos da operadora brasileira, na sequência de uma fusão que acabou na realidade por nunca acontecer. A Vidatel, a Mercury (Sonangol) e a Geni decidiram avançar com um processo no Tribunal de Recurso de Paris considerando que no âmbito dessa venda tinha sido violado o acordo parassocial de acionistas, mas o tribunal deu razão à PT Ventures, que entretanto (desde janeiro de 2020) já era controlada pela Sonangol, que comprou a posição da PT Ventures por mil milhões de dólares, tornando-se a maior acionista da operadora angolana.

No final de 2020, Isabel dos Santos acabou por perder o controlo da companhia Vidatel, por decisão do Tribunal Supremo das Ilhas Virgens Britânicas, onde estava registada a empresa. A decisão incluiu a nomeação de administradores judiciais para “preservar e assegurar” os ativos da Vidatel, incluindo as contas bancárias, na sequência de uma sentença do Tribunal de Relação de Paris que condenou Isabel dos Santos a pagar quase €340 milhões. Entretanto também já o Tribunal Provincial de Luanda tinha decretado o arresto preventivo dos bens de Isabel dos Santos, entre eles a participação na Unitel.

Este artigo é o segundo da investigação exclusiva sobre as revelações de Mário Leite da Silva, o homem de confiança de Isabel dos Santos. CNN Portugal

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