«Às vezes, vejo o meu irmão, meu amigo João Lourenço dizer que vai combater a corrupção. Ele vai conseguir lutar contra os donos desses prédios?», questiona o filho do nacionalista Mendes de Carvalho, em entrevista ao Novo Jornal.
Assume-se como a voz crítica e inconformada no MPLA. A entrevista concedida ao Novo Jornal em Catete, onde reside desde 1992, é um exemplo disso mesmo. Fiel às suas convicções e implacável contra os seus camaradas, Pacavira Mendes de Carvalho, General Paca, atira-se contra aqueles que diz estarem a desviar-se dos princípios do seu partido.
O senhor é uma das vozes críticas do seu partido, que fala de dentro para fora, tendo-se negado a abandoná-lo. O MPLA de hoje causa-lhe algum desencantos?
Isto não é o MPLA. Chama-se M’PELAS [entrevistado pronuncia Manpelas]. Uma organização dirigida por bandidos, indivíduos malfeitores. São os tais corruptos que estão a induzir em erro as camadas mais vulneráveis do meu povo, a juventude, na esperança de amanhã levá-la à terra prometida e isso jamais acontecerá.
Isto vindo de um militante com o seu historial, não belisca, diminui ou retira algum prestígio ao MPLA?
Não é o meu [MPLA]. Este partido, da forma como está a ser dirigido, não é o meu. O problema é de direcção, não é da sigla. A sigla a gente pode fazer. Agora os conteúdos programáticos já não são os mesmos. Roubam dinheiro, vão pôr biliões de dólares lá fora... Que política social para benefício do povo essa gente vai resolver? Primeiro, já é um mau patriota, porque um bom patriota deve fazer investimentos na sua própria terra.
Segundo, não deve roubar o erário para fins próprios. Terceiro, não pode potenciar os seus amigos, a sua família, com o dinheiro que não lhe pertence... [faz uma pausa] E a ostentarem riquezas, quando pessoas estão a morrer de fome. Você vai para os hospitais, não tem luva, não tem seringas, não tem água, não tem nada.
Tudo isso vai determinar o sentido de orientação de voto?
Acho que os angolanos não deveriam votar no MPLA.
Parece ser contraditório, porque o senhor diz ser “o MPLA” e agora...
Para o M’PELAS. Isto não é o MPLA, é o M’PELAS.
Mas o senhor vai votar no MPLA, certamente...
Não sei. Porque votar no MPLA é votar para continuidade desses males todos.
O MPLA tem um novo candidato...
Olha, mudar o volante de um carro não significa alterar por completo o carro.
Você está a pegar no volante, mas não está a pegar no motor. Pois... o que nos está a preocupar é o motor.
O que é que poderá comprometer o novo condutor?
Com um motor velho e todo rebentado, a melhor solução é ele pensar como vai substituir as peças para poder continuar. E não há força anímica. As pessoas estão muito desmoralizadas.
Não há força anímica, e força política?
Também. Não há. No meu tempo, os meninos andavam 200 quilómetros a pé para virem oferecer-se para ser guerrilheiros do MPLA. Choravam quando lhes transmitíssemos que não tínhamos comida, que não tínhamos condições para os receber. As pessoas ofereciam-se. Retiravam das suas casas os haveres para oferecerem à organização. Hoje você está a entrar na praça a ameaçar as pessoas “se não forem ao comício no Zango, em Cacuaco, vão deixar de vender!”. Isto é complicado, não é? Então, antigamente, em condições péssimas, você ia para o Terminal Militar, encontrava indivíduos doentes a apanharem os voos para ir ao Caiundo para ir combater, tinham pressa de sair dos hospitais. Há aqui qualquer coisa que está mal. A malta tem de parar para verificar isso!
E não acredita que com a nova liderança haja essa mudança positiva?
Não. Ele está cativo. Ele estará cativo do MPLA, e o presidente do MPLA é o camarada Zé Eduardo dos Santos. É o camarada Zé Eduardo dos Santos, com a sua direcção danosa, que arrastou o país para esta situação. Estão a construir um monte de prédios arranha-céus, isso tudo. Às vezes, vejo o meu irmão, meu amigo João Lourenço dizer que vai combater a corrupção. Ele vai conseguir lutar contra os donos desses prédios? Vai lutar contra o camarada Zé Eduardo dos Santos? Não acredito. É falso.
E que riscos o MPLA corre, olhando para a situação como o senhor a coloca?
O MPLA, para mim, ganhando ou perdendo as eleições é igual, porque eu sou angolano autóctone. Não estou a vir das ilhas de Cabo Verde, nem de São Tomé. Acho que as pessoas que estão mais preocupadas com a derrota do MPLA não são angolanas. E são muitos que estão na direcção do MPLA. Porque os autóctones de Angola conseguirão buscar solução para resolver o problema. Não vão ver isso do ponto de vista económico. As pessoas estão a ver mais do ponto de vista comercial.
O problema não é político?
É mais comercial. Cada um quer alimentar os seus negócios. Tira SIC, põe SIC. Tira DStv, põe ZAP. Eles estão mais preocupados com os negócios, não estão preocupados com os angolanos. E preocupar-se com os angolanos implicava dizer que o MPLA tivesse que fazer mudanças a que nível?
A todos.
Começando por...?
Pela economia.
E o que é que tinha de ser feito na economia?
Corrigir os erros totais.
É o slogan do MPLA...
O quê?
“Corrigir o que está mal e melhor o que está bem”...
É falso. É um slogan. É propaganda barata.
E o Programa de Governo ou o manifesto Eleitoral?
Olha, estive a ver aquilo, está tão pobrezinho! Você está a fazer eleições para os angolanos, que é para a gente melhorar a condição de vida dos angolanos... Você começa a fazer a campanha antes do tempo, utilizando os meios do Estado. A TPA não é do MPLA, a Rádio não é do MPLA. Os jornalistas que lá estão são pagos com o dinheiro do povo. Têm medo de quê?
Gostava de ter o MPLA a bater-se de igual para igual com os outros?
É salutar. Quem não deve não teme.
Há um candidato a deputado do MPLA que disse recentemente que não adiantava o debate entre os candidatos, uma vez que João Lourenço, por estar no aparelho de governo, tem maior domínio das questões do país do que os partidos na oposição.
Não acredito. Até o meu amigo Rafael Marques tem um domínio maior que os ministros que andam aí. Eu sou amigo do Rafael Marques, sou amigo do Samakuva, sou amigo do Abel, sou angolano.
Não ando aqui a discriminar. Isto aqui é mesmo “primeiro o angolano, segundo, terceiro, ...o angolano sempre”. É um slogan do Savimbi, mas é um slogan dos angolanos. Têm medo de quê? Não acredito que o camarada João Lourenço, num debate com o Abel, venha com esses dados todos. É uma máquina, é computador, é o quê? Vai pôr uma pen drive para ir buscar os dados durante o debate? Os debates têm tempo limitado. Os outros não sabem como?
O senhor é muitas vezes tido como radical. Como se definiria?
Para defender os meus interesses, defende-os com muito radicalismo. Quando nasci, meus avós eram ferroviários. Liam e escreviam. Nasci filho de um enfermeiro. Não estou a sair de um estábulo para apascentar gados, e depois vir para o MPLA para ser general, não. Na minha família estuda-se. Não vim para fazer exercício de charme no MPLA. Vim mesmo em busca de poder, para melhorar as condições de vida, minhas e daqueles que me acompanharam. Eu sou comissário político. E, com o meu discurso de comissário político, levei para a morte milhares de camaradas que não ouviam nem Zé Eduardo, nem Agostinho Neto, nem Pedalé, nem Iko, etc., etc... Eu é que falava para eles e os convencia.
Assim como outros especialistas como eu convenceram muita gente a ir para os combates. E era bonito, à noite, todos pomposos. Os indivíduos, que hoje se tornaram corruptos, a fazerem comunicações de “retumbante vitórias”. Isto custou muito sangue, muita carne.
E...
É muita miúda que anda aqui na rua prostituta, filha desta gente. É muita mãe que perdeu os filhos. É muito filho que anda aí despassarado. Como é que eu me sinto depois quando vejo alguém a ir comprar um relógio de 500 mil euros? Alguém que não fez nada, que tira 1% de cada barril da Sonangol que é vendido! Alguém que eu e os meus irmãos vimos crescer. Não posso entender isso.
No final das contas, as pessoas entraram para o MPLA para quê? Acho que é para resolver os problemas do povo. O problema do povo é o quê? É energia, água, educação, não é?
Hoje a política é mais uma questão de oportunismo do que propriamente ideológica?
Só aqui em Angola. Fizeram disso uma empresa, com umas caixas de ressonâncias que eles pagam para fazer som que o MPLA é o melhor.
As suas críticas são essencialmente voltadas para o MPLA...
Ele é que governa.
Mas há outras forças políticas...
Não governam.
E não têm nenhuma quota-parte de responsabilidade pelo que acontece no país?
Não. Não. Levantam-se às vezes problemas porque a UNITA matou. Eu nunca vi nenhum helicóptero da UNITA no ar. Nunca vi nenhum caça da UNITA no ar. Se formos ver pela quantidade numérica de mortos de um e de outro lado, acho que nós matámos muito mais. Aqui ninguém recebeu mandato de Deus para vir matar os outros. O contexto é outro. Temos de ser um bocado mais pacifistas, mais tolerantes, justos. Qualquer dia, do ponto de vista económico, quem toma conta deste país é o Mamadou, porque, enquanto nós estamos nessas quezílias, ele está a organizar-se economicamente. Certo? Quem é que os trouxe? Os corruptos do MPLA. Esses do M’PELAS que são os donos dessas empresas que trouxeram a cesta básica. Quem é que trouxe os libaneses? Não esvoaçaram para aqui. Alguém os trouxe. Quem são esses que os trouxeram?
Quando decidiu escrever “Os Conselhos do General” fê-lo porque sentiu necessidade de ver alguma mudança para melhor ou foi incentivado por uma atitude de frustração?
Eh, pá... [pausa] as duas coisas, porque me sinto enganado. A mim fazem muitas ofertas. Fazem ofertas de 100/200 mil dólares.
Para deixar de escrever os seus “conselhos” ou para se manter calado?
Para eu me manter calado. Mas eu sei fazer contas... Nem com 50 milhões de dólares você me cala.
Essas ofertas vêm de onde?
Eh, pá, vêm de muitos sítios, essencialmente do MPLA.
«Não existe povo do governo, não. Há, sim, o governo do povo» Vai continuar a escrever os seus “conselhos”?
Vou. Sempre.
Que são muito incómodos no seio do MPLA? Tem ideia disso?
Eu só costumo divulgar história de Angola, para destapar os gatos escondidos que têm o rabo de fora, para ficarem visíveis. Porque todos aparecem aqui com a arrogância de que são heróis. Há muitos que não os considero. Já tinham fugido do movimento, abandonaram, foram viver nos recantos mais longínquos deste mundo. Nós somos mais heróis do que eles. É como em Luanda, antes da guerrilha chegar, travaram-se combates. Tem heróis... Sabata, etc., etc. Você matou esses David Zés, esses lutaram muito por Angola.
Há quem trate essas figuras que mencionou como sendo lúmpenes... Sabata, etc., etc...
Os portugueses também chamaram Agostinho Neto de lúmpen, e toda a guerrilha! Um bando de lúmpenes. Eles nunca foram considerados como pessoas de bem. Tudo depende dos interesses. Quem é lúmpen? Tomara que muitos comandantes que vieram da guerrilha do MPLA estivessem ao nível do Sabata e esses lúmpenes, que ainda liam e escreviam. Muitos desses comandantes que vieram da guerrilha não liam nem escreviam.
Qual é que pensa que devia ser o melhor cenário para essas eleições em termos de resultados?
Esses M’PELAS só têm uma direcção péssima, corrupta. Porque a maior parte dos correligionários acompanhantes é gente muito sã que está enganada e outros que estão com medo de serem retaliados. Então vão... Para essas eleições, gostaria que o MPLA vencesse com 51% dos votos. Depois vinha a CASA-CE, a UNITA, etc., etc. Sabe porquê? Para fazer equilíbrios. A nós, angolanos autóctones, isso não nos mete medo. Anteontem passei toda a manhã a ver uma discussão no Parlamento espanhol... É bonito. Nem tudo agrada a todos, mas que se dê a possibilidade de o povo acompanhar. Você está a esconder o quê?
Sente-se incomodado com isso de não ver as sessões parlamentares?
Muito. Porque são meus servidores. Eu é que sou o patrão. É preciso que a gente mude de mentalidade de que você deputado ou presidente é que manda. Não. Você não manda. Você tem um mandato e tem de respeitar quem lhe deu o mandato. Não existe povo do governo, não. Há, sim, o governo do povo. Você é polícia? É agente. Eu sou poder. Eu sou o poder.
Como é que se muda isso?
Com luta política, ideológica, institucional.
Momento político actual «Estou a viver uma situação idêntica àquela que vivi no 27»
Nas suas declarações, dificilmente se nota alguma réstia de esperança. Há muito mais desencantos. Porquê?
Com essa gente não há encanto mesmo. E da forma como estão a levar este processo, estou com muitos temores, porque estou a viver uma situação quase idêntica àquela que vivi no 27 de Maio. Os discursos são inconfessos, são discursos muito ardilosos.
Mas os tempos não são iguais...
Para as pessoas honestas não são iguais, porque vão encarando as modificações do mundo. Para os ladrões, não sei... podem não ter tempo para verificar essas mudanças. Porque o oportunismo deles lhes cega.
Então remete isso para um ambiente semelhante ao de 1977?
Amigo, a fome de ontem e a fome de hoje que diferença têm? A fome é fome. O povo está a comer, mas não se alimenta.
Mas não está a vislumbrar um novo 27 de Maio?
Olhe, pela forma como estão a conduzir isso aqui, não tem outra solução. Os indivíduos sedentos de poder, e em função da pressão da oposição, ela que se acautele. Agora vamos para as eleições, há problemas muito sérios com o SINFIC, com não-sei-o-quê... Angola é Angola. Queremos um país uno e indivisível. Você tem de ser transparente, justo. Mas você não quer. Ocupa todo o tempo de antena, usa os meios do Estado para fazer campanha, tira o ministro da Defesa que não deve exercer nenhuma actividade político-partidária. Você é o maior violador das leis. E, quando o poder estiver a fugir da mão, você vai retaliar.
Retaliar em que termos?
Com medidas activas.
Quer ser mais claro?
Assassinatos.
Numa altura como esta?
As pacaças feridas e em desespero são capazes de tudo.
E quem são essas pacaças?
Vamos esperar pelas reacções, mas acho que o meu discurso não vai agradar a muita gente, especialmente indivíduos que têm envolvências nestes casos, mas que se têm apresentado como donzelas, umas puritanas, que nada sabem e nada fizeram. É o papel que todos eles fazem. São todos puros, não sabem de nada e o Agostinho Neto é que é o bandido.
RESULTADO ELEITORAL
«Quem está preocupado com a derrota só são os estrangeiros» Pensa que há um posicionamento ainda muito temerário nos cidadãos?
Há, muito grande. Porque o MPLA não está a ser dirigido por angolanos. Quem está preocupado com a derrota do MPLA só são os estrangeiros. Se a malta pegar um por um e ver as origens... é muito complicado.
O senhor não é visto como um mau militante?
Eh, pá, o meu pai foi para o MPLA depois de voltar da cadeia. Era um activista cívico. Nós somos activistas cívicos. A nossa responsabilidade é para com o povo e não para com os partidos. Não estamos preocupados com os partidos. A minha equipa, quero-a sempre vencedora, mas com justiça. E isso que esse M’PELAS, que está a usar a sigla do meu partido, está a fazer não é justo, não está correcto.
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