Num artigo publicado pelo CEDESA – Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África, João Shang, investigador associado desta rede multidisciplinar, afirma que o câmbio flutuante não cumpriu os seus objetivos, entre os quais o evitar branqueamento de capitais.
No dia 25 de outubro de 2024, Angola voltou a entrar na lista cinzenta do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e com escrutínio mais apertado no que diz respeito à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas.
Ao mesmo tempo, aponta o investigador do Kwenda Institute, ‘think tank’ chinês que agrega economistas, sociólogos, políticos, o câmbio flutuante em Angola também causou grave iliquidez cambial.
“Os empresários nacionais e estrangeiros não podem mandar divisas para fora para comprar as mercadorias, e para manter os negócios têm de usar o mercado informal.
Quando não mandam o dinheiro para fora para comprar as mercadorias novas, os preços no consumidor interno sobem fortemente”, descreve no seu artigo. Uma situação que “já perdura há muito tempo em Angola” devido ao facto de o kwanza, moeda angolana, ser uma moeda fraca face às moedas ocidentais.
“Desde que em 2018 [o Banco Nacional de Angola] introduziu o câmbio flutuante até agora o kwanza está desvalorizando e nunca para. Cancelar este sistema de câmbio flutuante é uma prioridade”, defende o académico.
O câmbio flutuante significa que o nível de preços da moeda nacional é determinado pelo mecanismo de oferta e procura sem interferência do banco central. João Shang refere no seu texto a desvalorização do kwanza desde 1 de janeiro de 2018, quando o dólar americano se trocava por 165.92 kwanzas, até ao dia 30 de dezembro, quando o dólar americano já valia 308 kwanzas.
No último ano, o dólar americano alcançou um máximo de 954,50 Kwanzas a 02 outubro de 2024. “Tal quer dizer que (…) o kwanza não conseguiu ter capacidade para confrontar as divisas estrangeiras, por isso está continuando a desvalorizar-se”, sublinhou o académico.
O também professor universitário refere que outras moedas internacionais, como o dólar ou o euro na União Europeia, são negociadas através de bolsas de divisas internacionais num sistema flutuante, mas os seus governos tentam determinar os preços das moedas, através de mecanismos indiretos de política monetária, para obter benefícios económicos.
“Por exemplo, os EUA apenas através de aumento dos juros podem diminuir os lucros dos países terceiros que usam dólares americanos”, notou, frisando que a implementação de taxas de câmbio flutuantes nas economias em desenvolvimento pode trazer “riscos de consequências imprevisíveis” especialmente em países com instituições políticas fracas, falta de transparência e Estado de direito frágil.
Além disso, “a decisão de fazer flutuar uma moeda durante um período de turbulência económica tem normalmente uma série de consequências negativas para a economia e para a sociedade”, entre as quais a inflação elevada.
“Os mercados externos também serão afetados porque a dívida externa que o país necessita de pagar aumenta, especialmente quando têm escassez de recursos em divisas”, realça João Shang. Por outro lado, os maiores beneficiários numa taxa de câmbio flutuante são aqueles que tinham poupanças em moeda estrangeira, a par dos grandes comerciantes, grossistas, agentes ou grandes importadores, produtores de matérias-primas para exportação, cuja produção depende da oferta local, ou até o governo, que reduz a carga sobre o orçamento geral do país ao desvalorizar significativamente a sua dívida interna.
Mas há também quem sofra perdas, designadamente aqueles que detêm poupanças em moeda local – que desvalorizam devido à redução do poder de compra da moeda, os credores denominados em moeda local e os detentores de mercadorias que não podem aumentar o seu preço de acordo com a depreciação da moeda.
Os importadores, que se verão confrontados com faturas elevadas, e também os assalariados, porque os seus salários não podem ser aumentados na mesma medida que a depreciação da moeda. Quanto aos efeitos positivos, destaca o da eliminação do mercado negro, uma vez que os comerciantes receberão uma taxa única de moeda estrangeira dentro de bancos e todas as outras instituições.
Em teoria, admite João Shang, as taxas de câmbio flutuantes podem ajudar a suprimir os crimes de branqueamento de capitais, já que as transações cambiais só podem ser realizadas através de canais oficiais, “canais que os gangues de branqueamento de capitais não podem utilizar”.