Com o máximo sigilo, a operação foi preparada ao pormenor durante vários dias no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e na Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ). Como habitualmente, as buscas e apreensões iniciais tinham de ser feitas quase em simultâneo para não estragarem o efeito-surpresa. Mais ainda quando esta era a fase decisiva de um processo por crimes de corrupção que envolvia já o vice-presidente de Angola e o testa-de-ferro que tinha em Portugal, um ex-procurador da República português e um advogado que, nos últimos anos, defendera inúmeros políticos e empresários angolanos suspeitos em processos de branqueamento de capitais.
E tudo correu como previsto a 23 de Fevereiro de 2016. Dezenas de investigadores da PJ, do Ministério Público (MP) e juízes de instrução foram repartidos por alvos muito específicos localizados em Lisboa e Oeiras. Durante essa manhã, polícias e magistrados entraram em bancos (mais tarde, até mandaram abrir cofres suspeitos), fizeram buscas em residências particulares e empresas e apresentaram-se em escritórios de advogados acompanhados de representantes da respectiva ordem profissional. Um destes últimos alvos foi o 5º esquerdo do nº 84 da movimentada Av. da República, no centro de Lisboa. Tratava-se da sede da ABPD, Amaral Blanco, Portela Duarte & Associados.
Às 9h30, a juíza Ana Carvalho e os procuradores Rosário Teixeira e Ricardo Matos (à semelhança de outros magistrados, e devido ao número e locais a buscar, participaram os três na operação apesar de não titularem o processo-crime) entraram no escritório do advogado Paulo Blanco e da mulher, Cristina Portela, para iniciarem mais uma busca e apreensão no âmbito da Operação Fizz. Depois, na presença do advogado (que foi logo constituído arguido), os oito elementos da PJ destacados para aquele local pela UNCC tiveram autorização para vasculhar secretárias, armários e computadores.
O carrossel do dinheiro angolano
As buscas só ficaram concluídas ao fim de cinco horas e 15 minutos, quando os seis inspectores e os dois especialistas da Unidade de Telecomunicações e Informática (UTI) da Polícia Judiciária juntaram e registaram 80 pastas com documentos em papel e transferiram para um disco rígido da marca Toshiba dezenas de emails que consideram relevantes para a investigação. E foi precisamente nos 12 volumes de apensos do processo (buscas e correio electrónico) – aqueles que resultaram apenas das apreensões ao advogado e que os investigadores consideraram relevantes para efeitos de prova – que ficaram registadas informações complexas sobre parte do circuito de muitos milhões de euros detidos por empresários e políticos angolanos clientes de Paulo Blanco. Como os três homens de maior confiança do antigo presidente José Eduardo dos Santos: o gestor da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e os ministros e generais Manuel Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino “Dino” Fragoso Nascimento.
A explicação do achado é simples. Em Portugal, e no espaço de poucos anos, o advogado Blanco tornou-se o principal representante do Estado angolano em vários processos por crimes de burla (e assistente do MP português). Ao mesmo tempo, passou também a defender (ou a colaborar com) alguns dos mais importantes políticos, empresários e banqueiros de Angola denunciados e suspeitos em processos de branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Ou seja, Blanco tornou-se uma espécie de ajudante do MP português e também feroz opositor desse mesmo MP e de um pequeno núcleo de procuradores encarregados no DCIAP dos dois tipos de investigações. Não raras vezes, em simultâneo, e com convívio muito próximo entre todos.
Em Portugal, Vicente era representado por Armindo Pires, o seu testa-de-ferro
Na agenda e no correio electrónico pessoal, Blanco registou inúmeros alegados encontros e almoços com os magistrados (até um fim-de-semana passado na própria casa), terá aberto as portas para um empréstimo bancário, tratou de intermediar encontros com um banqueiro angolano, mandou tratar da burocracia de um divórcio e ofereceu-se para tentar vender um apartamento no Algarve. No escritório, a PJ apreendeu-lhe depois documentos dos processos em que o MP interveio. Documentos ainda não assinados pelos procuradores.
O advogado dos angolanos
Nesta dupla qualidade de queixoso e defensor, e com a crescente exposição pública de muitas das suspeitas dos processos que envolviam portugueses e angolanos, o advogado conseguiu cada vez mais clientes de Angola, tendo estabelecido relações muito próximas com vários alegados testas-de-ferro e com o procurador-geral de Angola, o também general João Maria de Sousa, que exerceu o mandato nos últimos 10 anos. Por isso, não é estranho que os documentos confidenciais de Vicente, Kopelipa e Leopoldino (e de alguns familiares muito próximos como as mulheres e os filhos e amigos e testas-de-ferro) tenham ali sido encontrados pela Judiciária. É que para o advogado tratar da defesa dos casos de branqueamento de capitais foi obrigado a justificar ao MP a origem do património dos clientes. No entanto, depois de encerradas estas investigações (os suspeitos foram quase sempre ilibados), estes documentos financeiros ficaram lacrados nos processos e classificados como “confidenciais”. Em alguns casos, foram até mandados destruir pelo próprio MP. Agora, quando o novo poder angolano diz estar a combater a corrupção e quer o regresso ao país do dinheiro escondido no exterior, mas também exige que Manuel Vicente não seja julgado em Portugal na Operação Fizz, a SÁBADO revela os contactos de bastidores e o rasto das fortunas dos angolanos.
Tudo com base sobretudo em documentos oficiais angolanos, registos de transacções bancárias, anotações à mão e emails do advogado Paulo Blanco que será julgado por corrupção. A primeira sessão do julgamento está marcada já para o dia 22 e promete ainda muita polémica, porque visa provar se houve ou não pagamentos corruptos do antigo líder da Sonangol a um procurador do DCIAP, Orlando Figueira, para este arquivar um processo que o visava. E se houve ou não intermediários – acusados ou não – que também montaram a teia em que caiu o magistrado. Revista Sabado