Por Nuno Álvaro Dala
Tenho estado a levar a cabo uma complexa investigação sobre a situação da UNITA no período 1998 – 2003. Depois de ter consultado todas as fontes escritas, bem como todos os arquivos de som e de vídeo possíveis (em português, inglês e francês) produzidos por autores angolanos e estrangeiros – sobre o problema da “UNITA renovada”, as posições políticas e as incursões militares da UNITA, a perda vertiginosa das posições militares, as deserções de generais, a exploração dos “diamantes de sangue”, as mortes de Altino Sapalalo Boque, de António Dembo e de outras figuras, o estado de esgotamento físico e fome de grande parte dos membros da direcção do partido etc. – , criei um dossiê à parte sobre os últimos dias de Jonas Savimbi e a sua morte.
Estamos em Fevereiro, um mês que - além de ser aquele em que se deram as acções do dia 4 em 1961 – é recordada a morte de Jonas Malheiro Savimbi, o fundador e o líder da UNITA durante 36 anos. Ele, como todos sabem, faleceu a 22 de Fevereiro de 2002.
Ora, quase 16 anos depois da sua morte, o Governo ainda não entregou os restos mortais de Jonas Savimbi. A UNITA e a família solicitaram incontáveis vezes no sentido de que as autoridades procedessem à entrega dos seus restos mortais e ser realizado o enterro segundo os preceitos, mas sem sucesso.
Houve ocasiões em que responsáveis da UNITA prestaram homenagem ao seu líder histórico diante do seu túmulo, localizado no Cemitério Municipal de Luena, Província do Moxico. Com tais actos (que em si nada têm de anormal), muitos Angolanos têm sido induzidos a crer que os restos mortais de Jonas Savimbi continuam enterrados aí. Mas isto não é verdade. Vejamos:
1. A 24 de Fevereiro de 2002, dois dias depois da morte a tiros, Jonas Savimbi foi enterrado, sob um clima de quase troça institucionalizada, numa altura em que muitos cidadãos continuavam a festejar a morte daquele que até então (fruto também da tremenda propaganda do regime) julgavam ser o grande causador de todos os males de Angola. A cerimónia foi distanciada dos procedimentos tradicionais e sem a presença dos familiares.
2. Visto que no dia seguinte ao enterro, 25 de Fevereiro, choveu torrencialmente (e por outras razões), os restos mortais de Jonas Savimbi foram secretamente desenterrados e transportados para Luanda. Todavia, o cadáver já apresentava um elevado estado de decomposição (putrefação), pois o líder da UNITA tinha sido alvejado com balas incendiárias.
3. Neste sentido, os restos mortais de Jonas Savimbi foram submetidos a tratamento especial de conservação e se encontram no Mausoléu Dr. António Agostinho Neto, numa área de acesso extremamente restrito.
4. De acordo com informações cruzadas (com recurso a consulta de diversas fontes), durante as mais recentes diligências feitas pela delegação da UNITA encarregue de tratar do assunto da entrega dos restos mortais de Jonas Savimbi, o Governo deu “sinais” de pretender atender ao pedido do partido e da família, sendo que a questão foi remetida ao Ministério do Interior. Ao se pronunciar, Ângelo de Barros da Veiga Tavares revelou algo intrigante: OS RESTOS MORTAIS DE JONAS SAVIMBI ESTÃO SOB RESPONSABILIDADE DOS SERVIÇOS PRISIONAIS!
Jonas Savimbi, que faleceu há quase 16 anos, é recluso? O cadáver está preso? Por que os restos mortais de Jonas Savimbi têm de estar sob os “cuidados” dos Serviços Prisionais? Note-se também que, segundo o ministro, o mesmo acontece com os restos mortais de Elias Salupeto Pena e Jeremias Calandula Chitunda, ou seja, os cadáveres destas figuras históricas da UNITA também estão sob responsabilidade dos Serviços Prisionais.
Consultei a Lei 08/2008 – Lei Penitenciária -, e não encontrei nada sobre mortos estarem sob tutela dos Serviços Prisionais.
Contactei alguns responsáveis dos Serviços Prisionais (cujas identidades não revelarei para os proteger), mas, ao passo que uns responderam laconicamente que não tinham nada a declarar, outros disseram que nem sequer sabiam que os Serviços Prisionais afinal é que têm os restos mortais de Jonas Savimbi sob sua tutela e que, por isto mesmo, também não tinham nada a dizer.
Os factos revelados pelas autoridades conduzem a perturbadoras interrogações e à inferência de que Jonas Malheiro Savimbi, apesar de estar morto há já muitos anos, é recluso do Estado Angolano.
Salvo equívoco, os factos em referência são esclarecedores sobre a questão da reconciliação nacional em Angola.
Onde está a lógica de os restos mortais de Jonas Savimbi estarem sob tutela dos Serviços Prisionais? Quais são os objectivos do regime em manter o cadáver do fundador e líder histórico da UNITA sob custódia carcerária? O regime estará com isto a punir uma pessoa que já faleceu há mais de uma década e meia?
Pergunto de outra maneira: o regime do MPLA tem medo que Jonas Savimbi ressuscite? O cadáver dele está algemado ou acorrentado?
Eu me lembro como se fosse hoje: era 24 de Dezembro de 2001. Ouvia através do velho rádio Sharp 60 da minha Mãe a emissão da Rádio Nacional de Angola. José Eduardo dos Santos, no seu discurso de Natal e fim de ano sentenciou: “rendição, captura ou morte”.
A decisão estava tomada: não haveria além de um dos 3 cenários apresentados.
O mês de Dezembro passou. Angola entrou em 2002 ainda em guerra, até que, a 22 de Fevereiro, foi anunciada a morte do líder da UNITA, seguido depois de um cessar-fogo que viabilizou o processo negocial que resultou no Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka para a Cessão das Hostilidades e Resolução das Demais Questões Militares Pendentes nos Termos do Protocolo de Lusaka – mais conhecido pela designação popular de Acordos de Luena – assinado a 4 de Abril de 2002 (defendo a tese de que os verdadeiros acordos não foram aqueles, mas esta é outra conversa).
O regime queria Jonas Savimbi morto. A fórmula era clara: paz em Angola só com o líder da UNITA morto. Sabia o regime que ele nunca se renderia e nunca se deixaria capturar. Cumpriu-se o terceiro cenário.
O regime não se coibiu de usar o cadáver de Jonas Savimbi como troféu. Numa outra armação indigna, dias depois, a TPA exibiu um grupo de velhas viúvas a vandalizar o túmulo, com a risível informação/explicação de que elas, revoltadas como estavam com as mortes de seus maridos e parentes, decidiram então profanar e amaldiçoar a tumba do até então considerado o alfa e o ômega dos angoproblemas.
Morto em combate. Cadáver exposto ao opróbrio público. Túmulo vandalizado. Cadáver exumado secretamente e trazido a Luanda e submetido a um cuidadoso processo de conservação e colocado num compartimento do Mausoléu.
Muitos anos depois, eis que os restos mortais de Jonas Savimbi estão sob tutela dos Serviços Prisionais.
De facto, mesmo morto, Jonas Savimbi é recluso do Estado Angolano!