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Para que serve um observador internacional nas eleições?

Post by: 04 September, 2017

De como a decisão do Supremo Tribunal do Quénia de anular as eleições presidenciais no Quénia pôs a nu as deficiências do sistema internacional de observadores

Por António Rodrigues

Para que serve um observador internacional? A sua presença num país, para assistir in loco ao decorrer de um sufrágio eleitoral visa garantir que o mesmo é livre e os seus resultados expressam a vontade dos seus eleitores? Ou será que serve apenas para dar um cunho normalizador a processos que estão longe de ser “normais”? Os observadores internacionais são garantes da democracia ou meros apaziguadores da consciência internacional?

Se os observadores internacionais dão conferências de imprensa, emitem comunicados, falam aos jornalistas garantindo o normal funcionamento do processo eleitoral (“o dia tranquilo” das eleições angolanas de que falámos na crónica da semana passada), temos de acreditar que o estão a fazer em consciência? Ou será que um observador internacional não é mais do que o convidado de um governo, obrigado, por razões de boa educação, cobardia, conivência, a elogiar a comida, mesmo quando a mesma está longe do desejável?

John Kerry, o ex-chefe da diplomacia americana e ex-candidato à presidência dos EUA, chefiou a missão de observadores do Carter Center às eleições de 8 de agosto no Quénia e deixou este comentário enfático sobre sufrágio: “O Quénia fez uma declaração notável para África e o mundo sobre a sua democracia e o carácter da sua democracia. Não deixem que ninguém manche isso.”

O antigo presidente do Gana, John Mahama, que chefiou a missão da Commonwealth, não foi menos entusiasta nas palavras, garantindo que o Quénia tinha “o potencial para ser a democracia mais inspiradora de África” porque o seu sistema eleitoral era “credível, transparente e inclusivo”.

Na sexta-feira, o Supremo Tribunal do Quénia chegou a uma conclusão diametralmente oposta à dos hiperbólicos observadores internacionais presentes e o Quénia tornou-se no terceiro país no mundo e o primeiro em África a anular os resultados de uma eleição presidencial.

“Irregularidades afetaram a integridade da eleição”, considerou o Supremo Tribunal, numa decisão que não foi unânime (quatro a favor, dois contra), sem deixar de ser histórica. Segundo a decisão, a comissão eleitoral “falhou, negligenciou ou recusou-se a conduzir a eleição presidencial de uma forma consistente com a Constituição”.

A decisão do Supremo Tribunal não só mostrou a independência da justiça queniana face ao poder político, como demonstrou de forma gritante a nulidade das afirmações dos observadores internacionais, muitas vezes transformados em figura de corpo presente, em eleições com grosseiros atropelos à legalidade que passam incólumes ao olho vindo de fora que deveria trazer garantias de transparência e serve apenas o interesse de quem governa e se quer manter no poder.

Vem isto a propósito da credibilidade dada ao processo eleitoral em Angola pelos observadores internacionais presentes. Se é certo que a União Europeia acabou por não enviar uma missão de observadores, porque o governo angolano assim o não quis, a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral enviaram grandes delegações que sancionaram como correto um sufrágio eleitoral pejado de irregularidades e de atropelos à lei e à Constituição.

Como diz Muthoni Wanyeki, “isto mostra que há um problema com a indústria de observação eleitoral”. O novo diretor para África da Open Society e ex-diretor regional para a África Oriental da Amnistia Internacional, tem até uma explicação para o facto: os observadores internacionais “focam-se demasiado no processo pré-eleitoral e no processo de votação”, quando os principais problemas estão na contagem”.

Em países como Angola, onde a máquina do Estado tende a favorecer o partido no governo, afirmar que a votação correu lindamente é avaliar um processo complexo só pela fachada e contribuir em muito para a perpetuação dos problemas eleitorais em África. Ainda para mais quando a decisão do tribunal queniano é histórica, mas solitária num contexto de permanentes eleições contestadas.

  1. S.: Para quem tenha visto no Quénia um exemplo que poderia ser replicado em Angola é melhor baixar as expectativas tendo em conta os exemplos de falta de independência da justiça angolana face ao poder político. Mas há sempre esperança.

Jornal I

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