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MPLA em rota de colisão

Post by: 27 October, 2017

O “Maioritário” está preso de rins, arriscando-se a mergulhar em incontrolável instabilidade e com ele o país. O dilema é escolher entre apoiar as reformas prometidas pelo novo PR João Lourenço ou conservar o passado representado por José Eduardo dos Santos.

Quem, há pouco mais de três semanas, leu a entrevista concedida ao semanário português “Sol” pelo “Educador de Infância” – esse mesmo, Julião Mateus Paulo de sua graça, ou “Dino Matross” pela sua alcunha de guerra –, dificilmente teve dúvidas em interpretar as suas declarações como um velado recado dirigido ao novo inquilino do Palácio da Cidade Alta na Colina de S. José, o Presidente da República João Lourenço. Sobretudo em relação à tirada em que o actual secretário do MPLA para as Relações Internacionais, que também já foi secretário-geral, afirmou, sem tirar nem pôr, que “João Lourenço não faz nada sozinho e sem a direção do partido”. Para muitos, Dino Matross estaria simplesmente a expressar o seu alinhamento à ala conservadora do MPLA, que considera que o novo Chefe de Estado se deve subordinar ao líder do partido, José Eduardo dos Santos.

E esta é a verdade que já não é possível ocultar à sociedade. Os angolanos perceberam que perpassa, presentemente, pelo MPLA uma enorme divisão e fractura. Se de um lado estão dirigentes teimosamente atrelados ao velho Presidente, José Eduardo dos Santos, do outro estão dirigentes progressistas e dispostos a dar um apoio inequívoco às reformas que o novo Presidente, João Lourenço, promete encetar, tendo mostrado essa determinação e propósito no seu discurso sobre o estado da Nação. A questão está agora em descortinar, com clareza, quem é quem nessa dicotomia em que o MPLA se encontra. Ou seja, quem está disposto a apoiar as reformas prometidas por João Lourenço e quem, pelo contrário, está ao lado de José Eduardo dos Santos, atrasando a vida do país.

Há dias, África Monitor, um newsletter de informação baseado em Portugal, avançava um “arriscado” exercício de prospecção alinhando alguns dos nomes que, na sua óptica, estariam de um e de outro lados da barricada, concluindo que a ala identificada com as reformas prometidas por João Lourenço estaria a ganhar um campo imenso. É provável que tal esteja a suceder. Mas, na realidade, os “lourencistas” da cúpula do MPLA não se atrevem a tirar a cabeça da toca, mostrando-se sem evasivas, salvo seja os que estão nas bases do partido ou fora dele, no seio da sociedade, e até dos partidos da oposição, que mais ou menos “encantados” com o discurso de João Lourenço, entenderam dar-lhe o benefício da dúvida.

Bem analisado, pode haver alguma movimentação nos bastidores a favor de João Lourenço, mas, seja como for, são mais os “eduardistas” que se mostram a olho nu, como o fez, de resto, o “Educador de Infância”, isto é, Julião Mateus Paulo “Dino Matross”. Do lado oposto, o que paira são indecisões, hesitações e evasivas. Numa palavra: os “eduardistas” mantêm-se à frente e com a cabeça à tona.

As últimas reuniões realizadas pela cúpula do MPLA (Comité Central e Bureau Político) constituíram provas disso mesmo. Numa como noutra, não se ouviu uma palavra de estímulo ao novo Presidente da República. Pelo contrário, na reunião do Comité Central, ocorrida a 23 de Outubro, o que se viu foi um “cerrar fileiras” em torno de José Eduardo dos Santos – facto que em última análise ainda pode significar que, de um modo geral, o MPLA hesita e mostra alguma tibieza em deixar o passado e avançar com firmeza para as mudanças que o futuro exige.

Mas olhando para o que se está a passar com olhos de ver, a sensação óbvia é a de que, a manter-se a situação prevalecente actualmente no interior do MPLA, isso despoletará indubitavelmente uma grave crise. Com o país a funcionar numa espécie de “relantin”, todo o cardápio de (boas) intenções proclamadas pelo novo Presidente da República ficará bloqueado. São medidas que só se podem implementar com eficácia em condições de tranquilidade e de unidade de comando. E não com dois “PR”, como parece ser o caso presente.

Sair do ambiente de bicefalia é, por conseguinte, um imperativo. Mas esse desiderato está, claramente, a encalhar no arrastar-de-pés que JES vem revelando obstinadamente no que diz respeito à definição da sua saída efectiva da cena política nacional. Pior é que o resto da cúpula do “Maioritário” está tolhido e sem coragem para empreender a mudança.

Excepção, se assim se pode dizer, foi o embaixador Alberto Correia Neto que, isoladamente, teve a ousadia de questionar, frontal e directamente, José Eduardo dos Santos sobre o assunto. Na reunião do CC do dia 23, o diplomata quis saber qual era o calendário concreto do ex-Presidente, uma vez que nem este, nem ninguém havia feito qualquer referência sobre o assunto. Mas ao que se sabe, com o seu mutismo característico, JES não se deu ao trabalho de responder plausivelmente à preocupação que lhe foi colocada. Saiu em seu socorro um dos seus indefectíveis, no caso Paulo Cassoma, que disse vagamente que “o assunto seria tratado em devido tempo”.

Há quem entenda que a saída seria a rápida realização de um congresso extraordinário, em sede do qual se poderia não apenas tratar de definir a saída de José Eduardo dos Santos da liderança do MPLA, como decidir-se também a questão da revisão constitucional, ou da adequação dos estatutos do partido aos preceitos constitucionais.

Não parece, contudo, que esse cenário se irá viabilizar tão cedo. A última reunião do CC foi omissa em relação ao assunto. O comunicado difundido no seu termo foi dos mais lacónicos já produzidos pelo MPLA. Aliás, foi um arremedo de comunicado que fez lembrar tempos recuados do regime, pelo conjunto de exaltações à figura de José Eduardo dos Santos, deixando de fora qualquer menção a João Lourenço. Este foi elogiado por JES no decurso da reunião do BP, do dia 20, mas percebeu-se que se tratou de um elogio forçado.

Certo, em meio a tudo isso, é que o MPLA tem de se definir, sob pena da instabilidade no país esgotar igualmente a paciência do resto da sociedade. Esta que já não quer esperar muito tempo para que se ponha em marcha a agenda de intenções do novo PR. Sobretudo no que respeita ao combate à corrupção, que necessita rapidamente de ir para o trilho.

A percepção da generalidade dos cidadãos é a de que vencida a corrupção – ou ao menos controlada e mantida em níveis não tão escandalosos – se daria um passo de leão para ultrapassar outros problemas que o país enfrenta. Sobretudo os que imbricam com o desenvolvimento social e económico, antecâmara para uma melhor repartição da riqueza nacional e a adopção de fórmulas mais eficazes de combate à pobreza.

Mas, falando em combate à corrupção, há também a percepção de que embora o discurso de João Lourenço tenha sido na generalidade simpático, sobretudo para a opinião pública, ele terá no entanto assustado um bom bocado as hostes dirigentes do “Maioritário”, cujo grosso, na verdade, andou a chafurdar no lodaçal da corrupção e da gestão ruinosa do Estado.

Esta é também uma das razões que explicam a inibição que se observa neste momento da parte de muitos adeptos do novo Presidente da República, que preferem manter-se, digamos, embarrados. O que fica claro, porém, é que se o MPLA não sai do atoleiro em que se acha, será o país a pagar.

Que venham os próximos capítulos... (Correio Angolense)

Read 2344 times Last modified on Friday, 27 October 2017 15:32

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