Marcolino Moco, que falava hoje via zoom sobre "o papel da justiça para a garantia de estabilidade e soberania", durante a Conferência Internacional sobre Paz, Estabilidade e Desenvolvimento promovida pela UNITA (oposição), apontou uma série de elementos que considerou "degradantes" da Justiça angolana.
"O mais preocupante é que os elementos mais degradantes dessa justiça, especialmente no pós-guerra civil terminada em 2002, foram sendo sucessivamente consagrados constitucional e legalmente no sistema, tanto político como no estritamente orgânico", disse o político angolano.
De acordo com o ex-secretário-geral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) o "passo mais decisivo" de atos "degradantes" da Justiça no país foi a criação de um "híper presidencialismo" na pessoa de um chefe de Estado.
O "híper presidencialismo", afirmou, congrega no mesmo titular o poder executivo, "entretanto, subtraído de todos os mecanismos formais e informais de controlo e fiscalização dos seus atos", referiu.
Para Moco, foi fácil, primeiro a José Eduardo dos Santos (ex-presidente angolano), o "arquiteto" constitucional e político do sistema vigente, iniciar um processo de "desmantelamento da justiça orgânica, particularmente nos seus fundamentos ético morais e deontológico".
"O que tem cabido agora ao Presidente (da República) João Lourenço é fruir e dar continuidade, sem qualquer pejo, à tristemente monumental obra do seu antecessor", criticou.
Para o ex-dirigente do MPLA, no que denominou de "plano da consagração das anormalidades" no sistema orgânico de Justiça, "é preciso destacar a legalização da dependência do Procurador-Geral da República (PGR) das instruções do Presidente da República".
Isto, afirmou, apresenta-se "manifestamente contra o espírito da autonomia institucional e funcional da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público, no quadro de qualquer Estado democrático e de direito".
O também jurista e antigo secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) apontou, ainda, "outros elementos da anormalidade", no âmbito do poder judicial, "consentidos sistematicamente pelos próprios juízes", como "o sacrifício do fundamental princípio da inamovibilidade dos juízes consagrado constitucionalmente", realçando que não há justiça orgânica que nessas condições "possa constituir garantia para a estabilidade e o desenvolvimento nacional".
No entender de Marcolino Moco, o "núcleo central da ação destrutiva" da justiça angolana "é a própria Presidência da República".
"Basta lembrar as instruções que o Presidente (da República) João Lourenço deu, sem qualquer discrição, ao novo presidente do Tribunal de Contas sugerindo que não fora por acaso que a anterior titular do cargo foi afastada, quando razões mais gravosas se prendem com o inamovível presidente do Tribunal Supremo", concluiu.
A Conferência Internacional sobre Paz, Estabilidade e Desenvolvimento foi promovida hoje, em Luanda, pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), no âmbito do 42.º aniversário do Dia Mundial da Paz.