Vítor Gonçalves: Estamos na véspera do seu aniversário e convidou o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, para esse evento. Foi mera coincidência ou na política não há acasos?
João Lourenço: De facto, na política não há acasos. Juntámos o útil ao agradável. Disse em Portugal que, para além das relações institucionais, na política as relações pessoais ajudam. É neste quadro que eu convidei o Presidente Marcelo, que chega a Luanda extamente no dia do meu aniversário.
Como são as suas relações pessoais com ele?
São boas, são boas, apesar da diferença de idades. As relações são boas e procuramos cultivá-las cada vez mais.
Ao longo dos últimos anos, as relações entre Portugal e Angola têm tido altos e baixos. Do seu ponto de vista, neste momento, como classifica as relações entre os dois países?
Neste preciso momento, as relações estão no pico da montanha, lá bem acima. De qualquer forma, temos o dever de continuar a trabalhar no sentido, não diria manter de manter este nível, mas se possível subir ainda mais.
Isto depois de um período que foi uma fase muito baixa relacionada com o processo Manuel Vicente, entretanto já superado. Porque é que para Angola estão foi uma questão tão relevante?
Bom, para Angola esta questão foi relevante porque estávamos perante o incumprimento de um acordo entre dois Estados e dois Estados que se querem bem. Havia necessidade de uma das partes recordar à outra que temos um acordo que precisa de ser cumprido. Felizmente, o bom-senso acabou por vencer e esse momento difícil passou rapidamente e não deixou sequelas.
No seu discurso inaugural, em setembro de 2017, o senhor não fez referência a Portugal justamente por causa desse caso. Na altura, foi um pouco dececionante em Portugal. Acha que se hoje fizesse um discurso semelhante, a referência a Portugal estaria presente?
Primeiro, gostaria de dizer que a interpretação é vossa quando dizem que foi intencional não ter feito referência explícita a Portugal. Não fiz referência explícita a todos os países que estavam presentes na cerimónia e havia bastantes países, na sua maioria africanos. Portugal era dos poucos países europeus que estava presente, tirando os que estavam representados ao nível dos respetivos embaixadores.
João Lourenço admite concorrer às próximas eleições
Em princípio, se até lá estiver de boa saúde com certeza que vou concorrer.
Apesar de tudo, ainda há algumas questões entre os dois países e uma delas está relacionada com a dívida do Estado angolano a algumas empresas (portuguesas). Qual é exatamente o montante da dívida e qual é o calendário para o pagamento?
O montante da dívida varia consoante os momentos. Desde a minha visita a Portugal até aos dias de hoje temos vindo, gradualmente, a reduzir esse valor. Nos próximos dias vamos fazer mais um pequeno esforço no sentido reduzir ainda mais esse valor.
Existe um calendário para esse cumprimento ou vai-se fazendo caso a caso?
Negócios com Portugal
De uma forma geral, a Sonangol tem a instrução no sentido de se retirar daqueles negócios que não têm muito a ver com a sua atividade: a extração e a comercialização de petróleo. No concreto, vamos ver caso a caso.
Em que outras áreas é que o senhor conta com o investimento português ou com o apoio português em Angola ou que gostaria que fosse reforçado?
Gostaríamos de ver maior presença do empresariado português na agricultura, nas várias indústrias, na indústria transformadora e no turismo.
Uma das áreas para a qual Angola pediu recentemente o apoio de Portugal foi no possível repatriamento de dinheiro que possa ter saído ilegalmente de Angola. Que tipo de apoio Portugal pode dar? Existe uma estimativa de qual será o montante desse dinheiro?
Combate à corrupção em Angola
Não fui eu quem elegeu, foi o meu partido. Uma das questões fundamentais que o MPLA defendeu durante a campanha, um dos compromissos que o partido assumiu perante os eleitores e, consequentemente perante os angolanos, foi a necessidade urgente do combate à corrupção. Tinha de haver uma razão, não foi por mero acaso que na sua agenda eleitoral o MPLA escolheu o combate à corrupção como prioritário.
Então este não é um combate de um homem só? É um combate do partido e com o apoio das Forças Armadas? Há um envolvimento nacional no combate à corrupção?
Este é um combate de todos, embora a iniciativa tenha sido do partido pelo qual me elegi. Este é um combate do MPLA e de praticamente toda a sociedade. Toda a sociedade está envolvida; várias instituições estão envolvidas, particularmente a Justiça, e a sociedade civil tem colaborado naquilo que lhe compete. Penso que será uma questão de tempo até termos a garantia de que esta batalha será vitoriosa.
Sabe que este combate mexe com interesses instalados. Chegou a falar de um “vespeiro”. Está convencido de que é um combate que tem condições de vencer?
Estou convencido que sim, caso contrário já teria desistido. Se não desisti é porque estou preparado para a luta. Sei que não estou sozinho e, por não estar sozinho, sinto-me estimulado a liderar esta luta. Só estou a liderar, não estou a fazer o combate. É uma luta que é de todos.
Alguns observadores questionam-se, relativamente a esta questão, até que ponto esta é uma mudança profunda em Angola ou se será apenas algo cosmético, sendo possível que daqui a algum tempo regressem práticas profundas com outras personalidades. Acha que há uma mudança de práticas, de métodos e de cultura que vai permitir uma Angola nova naquilo que é a relação com a corrupção?
Ninguém pode garantir que daqui para a frente não haverá corruptos. Essa garantia ninguém dá. A única garantia que podemos dar é que poderá haver corruptos, mas não ficarão impunes. A grande diferença não é haver ou deixar de haver corrupção.
Pelo poder que detinham na altura?
Com certeza.
Nos primeiros dois meses do seu mandato, o senhor afastou Isabel dos Santos da Sonangol, o seu irmão Filomeno dos Santos foi exonerado do Fundo Soberano de Angola e uma outra irmã foi afastada da gestão de um dos canais da TPA. O senhor não receia que o acusem de estar a ajustar contas ou a perseguir a família do antigo Presidente?
(Suspiro). Bom, essas pessoas têm outros irmãos, não são só três irmãos. Por que razão é que as medidas que acabou de citar foram tomadas só contra esses três? Não é perseguição a ninguém. Seria perseguição se os tocados fossem apenas eles, mas há outras individualidades, outras figuras públicas, pessoas de peso, ministros…
Generais?
Esses não eram ministros, não eram generais. Então se se toca em ministro, em generais, não se toca em cidadãos que – mesmo sendo filhos de quem são – não deixam de ser cidadãos comuns? Acho que a afirmação de que é uma perseguição à família do anterior Presidente não colhe.
Admite que o anterior Presidente, quando terminar o seu período de imunidade, possa prestar contas à Justiça, se houver elementos para isso?
Eu não sei, porque não sou o procurador-geral da República. O Ministério Público é que, se tiver elementos, se tiver razões para tal, acaba por abrir processos contra os cidadãos.
Angola "não tinha saúde financeira"
Devo dizer que não encontrei bem. O país não tinha saúde financeira.
Estava em pré-bancarrota?
Talvez não. A expressão bancarrota tem um significado. Talvez não tivéssemos chegado a esse ponto, não chegámos com certeza, mas estávamos num período de crise, devido à falta de diversificação da nossa economia. O país tem pouca produção de bens exportáveis, de bens que possam angariar divisas e o petróleo na altura...
O petróleo vale cerca de 70 a 80 por cento das exportações de Angola?
Mais do que isso.
Quase 90 por cento?
Quase 90 por cento. Isto é uma situação complicada.
Porque cria uma grande dependência da oscilação dos preços do petróleo?
E a luta que estamos a fazer é precisamente procurar diversificar a economia, criando um ambiente de negócios favorável ao investimento privado, quer nacional quer estrangeiro, no sentido de desenvolvermos outras áreas da nossa economia, para além do setor petrolífero.
Ao fim de quase ano e meio de exercício já tem resultados para apresentar? Para nos dizer que a economia está hoje mais diversificada ou que foram lançadas as sementes para estar mais diversificada no futuro?
Melhoria das condições de vida em Angola
O acordo que o Estado angolano fez com o FMI não implica medidas de austeridade que tenham efeitos na organização do Estado, como a redução do número de pessoas ou o congelamento de salários? Essas medidas de austeridade, muitas vezes associadas a planos do FMI, não vão acontecer em Angola?
Não, não vão acontecer em Angola, pela simples razão de que este programa não é do FMI. Este programa é do executivo angolano, que o FMI abraçou e entendeu apoiar através de assistência financeira e técnica. Por esta razão, todas as medidas de austeridade que existem foram auto-impostas. Ou seja, é o próprio Executivo angolano que, antes mesmo de chamar o FMI, auto-impôs-se (uma série de medidas), que depois mereceram o aval do credor, o FMI.
Em dezembro passado, relatórios das Nações Unidas, nomeadamente a UNICEF, revelaram que metade da população de Angola vive em situação de pobreza e larga maioria das crianças não têm ou habitação adequada, ou a alimentação ou a saúde adequadas. Como é que o seu Governo vê este problema e vai enfrentá-lo?
Pode haver má nutrição?
Pode haver alguma má nutrição, há sempre alguma, mas - comparativamente aos anos de conflito - houve uma evolução bastante significativa.
Há pouco, referiu que será candidato às próximas eleições se tiver condições de saúde.
É cedo para se falar disso.
Que visão tem para Angola? Que herança gostava de deixar quando, no final de dez anos, deixar a Presidência angolana?
É um ponto crucial do seu exercício?
CPLP. É possível fazer mais, defende João Lourenço
O xadrez político angolano
Também é desporto.
Há algum líder político, nacional ou internacional, que seja uma inspiração para si?
Não gosto muito de falar de pessoas, sob pena de omitir outros. Apenas um é um pouco perigoso.
Mas pode dizer dois ou três. Quem são as suas referências quando pensa num líder político, cujo percurso tenha inspirado o seu próprio percurso.
Em primeiro lugar, a nível nacional é Agostinho Neto, fundador da nação. Passou pelo que passou, por todas as vicissitudes da vida, e conseguiu liderar o seu povo para a independência. Digamos que foi o Moisés de Angola, que levou o seu povo à terra prometida.
Qual é a motivação principal que o leva a exercer politicamente este lugar de Presidente de Angola?
A minha principal motivação é servir cada vez mais e melhor o povo angolano. Foi o povo angolano quem me colocou neste lugar, com uma missão muito clara, a de governar o país, levar o país a bom porto – se considerarmos Angola como um navio – em todos os aspetos.