Formado em Sociologia, Ciência Política e Filosofia e doutorado em Estudos Africanos, Paulo Inglês vive parte do tempo em Angola e a outra parte na Alemanha, onde fez parte da sua formação. Membro de uma família proeminente dentro do MPLA (a tia é Luzia Inglês Van-Dunem, secretária geral da Organização da Mulher Angolana, a ala feminina do partido), não tem ligação ao partido do poder, mantendo uma visão lúcida e analítica da realidade política angolana.
Como acha que tem decorrido a campanha eleitoral até agora?
Tirando um incidente em que morreu um militante da UNITA, que acho que foi o mais grave até ao momento, tem corrido mais ou menos como se esperava.
A oposição tem conseguido fazer passar a mensagem apesar da menor cobertura mediática?
Tem conseguido, mas mais para os seus eleitores que para atingir novos alvos. A CASA-CE é que tem conseguido fugir ao cerco mediático do governo porque muitos dos seus simpatizantes são jovens - dos 18 aos 44 anos, com o ensino médio feito ou por fazer -, e estes têm, em geral, acesso a canais alternativos.
Dentro da UNITA há quem ache que o MPLA tem um acordo com Abel Chivukuvuku, líder da CASA--CE, para conseguir que este destrone a UNITA como principal partido da oposição. Acredita nisso?
Não acredito e é um rumor antigo que já vem de ainda antes de Jonas Savimbi morrer. Diz-se que o próprio Savimbi confrontou o Abel Chivukuvuku com esse rumor. O que eu acho é que o Abel, nos anos em que viveu em Luanda, desde 1992, aumentou o seu capital social e usa isso a favor da sua estratégia política, conseguindo atrair setores descontentes do MPLA mas que têm profunda antipatia pela UNITA. A CASA-CE está a competir pelo eleitorado mais com o MPLA do que com a UNITA, o público-alvo creio que é diferente.
Uma das questões que passam pela cabeça de muitos angolanos é como vai ser o país sem José Eduardo dos Santos no poder.
É difícil saber. O MPLA tem uma coisa boa: evita sempre surpresas porque teria dificuldade em controlar a situação e, quando não controla a situação, tende a usar a força bruta e sem contemplações. Mas José Eduardo dos Santos is still around e são os seus homens que controlam a transição. O candidato a vice [Bornito de Sousa], por exemplo, é um homem de José Eduardo dos Santos.
Bornito de Sousa está doente e ouvi dizer que nem sequer assumirá.
Diz-se também que Fernando Dias dos Santos [presidente da Assembleia Nacional e número 3 da lista do MPLA] anda doente e que tem problemas de coração. É difícil saber porque há muitos rumores. O MPLA está preocupado porque está a sentir muita pressão, inclusive da própria casa, dos seus descontentes, das pequenas fações.
João Lourenço terá dificuldade em controlar o MPLA depois das eleições?
Tendo poder não é difícil controlar o MPLA porque, nas guerrilhas internas, as pessoas tendem sempre a ficar do lado de quem tem o poder. Só agora, na transição, é que se notam movimentações.
Mas se a vitória não for expressiva, com menos de 50%, por exemplo?
Aí terá dificuldade em controlar todo o aparelho político. Nesse caso, teria duas opções: ou abrir o sistema e permitir uma transição, ou fechar-se ainda mais e com mais violência. Eu acho que ele é uma pessoa que não hesitaria em usar a violência.
Tem-se assistido a tentativas do presidente para assegurar que nada lhe sucede depois das eleições. O que acha que lhe poderá acontecer?
Dependerá dos resultados eleitorais. Se o MPLA tiver uma maioria expressiva (como pensa que irá ter), não lhe vai acontecer nada. Estará na sombra e as suas aparições serão muito cuidadas.
E se essa maioria não acontecer?
O mais provável é que João Lourenço vá procurar nova forma de se legitimar diante da população, distanciando-se um pouco da era de José Eduardo dos Santos. Se conseguir esse apoio da população, através de alguns gestos de abertura e concessões à oposição, será uma maneira de pôr em xeque José Eduardo dos Santos. Mas já há muita gente que se está a distanciar dele.
Houve alguma coisa que o surpreendeu nesta campanha?
A subida nas intenções de voto da CASA-CE. A UNITA também me surpreendeu por ter conseguido uma maior mobilização, embora ache que é o seu eleitorado tradicional que perdeu o medo, mais do que novos simpatizantes. Também me surpreendeu que, apesar da situação do país e das críticas, o MPLA tenha ainda muita aderência, especialmente nos seus comícios.
Acha que esta aderência é sentida ou é mais fruto do hábito ou do medo?
É difícil destrinçar. Estive por dentro da sondagem de que muito se falou [que o “SOL” divulgou na sua última edição, dando ao MPLA 36%, à CASA-CE 28% e à UNITA 22%] e analisei os dados. A minha intuição - faltariam mais dados e mais pesquisas para averiguar - é que podem ser as duas coisas. Há uma coisa que em sociologia se chama rational choice: algumas pessoas fazem contas à vida e acham que, apesar de tudo, nunca estiveram melhores do que nos anos 2002--2015 e têm esperança que isso possa voltar. A outra é o sentido da maioria: as pessoas não estão seguras de que, votando contra o MPLA, este possa perder. É a mistura disso com o fator medo e a esperança de que o problema era José Eduardo dos Santos e que, com João Lourenço, será diferente.
Jornal I