Elefante na loja de porcelanas

Post by: 05 Julho, 2022

João Lourenço gosta de se projectar como o oposto de José Eduardo dos Santos. Mais concretamente, gosta de chamar a si a imagem de combatente anti-corrupção - e de colar ao seu antecessor e à família deste o rótulo de corruptos.

De facto, o uso e abuso de dinheiros do Estado pela família presidencial foram mais do que muitos durante a era dos Santos. Não apenas por esta família, mas por toda a elite político-militar - de que Lourenço desde sempre fez parte. Na altura em que se candidata à reeleição, quase ninguém associa já Lourenço ao combate à corrupção.

 Sobretudo porque os membros da elite que se aproximaram de si - e são muitos e poderosos - passaram incólumes a este "combate". E porque os negócios suspeitos envolvendo algumas das figuras mais próximas do presidente têm vindo a acumular-se.

É o caso da "reciclagem" do projecto do "bairro dos ministérios" e do papel do ministro da Construção neste - de que demos conta recentemente no Africa Monitor Intelligence. De facto, as diferenças entre dos Santos e Lourenço existem, mas a outro nível.

O mais evidente é a postura. Dos Santos manteve-se quase quatro décadas no poder comportando-se como o ministro dos Negócios Estrangeiros que foi no passado - diplomático, comprando consciências, precavendo-se. Lourenço assumiu, desde início, uma postura agressiva, de confronto. E elegeu como alvo principal a família dos Santos.

Cinco anos depois, com o seu sucessor humilhado e em estado crítico, é sobre Lourenço que recai o ónus do indecoroso destino de dos Santos, um dos chefes de Estado africanos com maior longevidade. Preocupado com isso, o Presidente angolano fez ainda pior - atabalhoadamente procurou controlar a situação do seu antecessor, despachando para junto de dos Santos a sua ex-mulher (desavindda) para se assumir como responsável pela saúde do ex-Presidente.

E, na semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros, que se deslocou à clínica onde dos Santos está internado, em Espanha. O resultado, previsível, é uma batalha legal com os filhos de dos Santos que estiveram ao seu lado ao longo dos últimos anos. Aquilo que já era negativo para Lourenço, é agora um pesadelo a todos os níveis. O Presidente sonha, como é evidente, realizar em Luanda um funeral de Estado para dos Santos, para apagar a imagem de culpado que sobre si recai.

Mas os filhos de dos Santos mostram-se irredutíveis e o assunto já chegou à imprensa internacional. Fica a imagem de um Presidente vingativo e insensível - um elefante numa loja de porcelanas. Se não se tivesse empenhado tão arduamente nos últimos meses para controlar o processo eleitoral, poderia estar em causa a sua reeleição.    

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Last modified on Terça, 05 Julho 2022 21:32
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